As minhas lembranças mais antigas envolvem a família inteira reunida falando sobre os mais diversos assuntos em volta da mesa. Não era incomum, entre os tópicos, ouvir tias dividirem seus desejos. Um deles, eu me lembro, era o de realizar uma lipoaspiração na barriga. "Depois da gravidez, o corpo mudava muito e poderia nunca voltar a ser como antes", elas diziam. Naquele tempo, pouco se falava sobre pressão estética abertamente – apesar de todos nós vivermos sob sua influência –, e se submeter a uma cirurgia plástica parecia realidade distante. Na época, o tal "corpo perfeito" era visto na televisão, nos anúncios e nas revistas; sem muita abertura sobre quais artifícios entravam na conta para obtê-lo.
Corta para hoje. Basta pegar o celular para ser invadida por recortes da vida alheia cada vez mais impecáveis. As comparações nunca chegam ao fim. Estamos expostas o tempo todo, do YouTube ao Zoom, do TikTok aos Stories. Junto disso, não é raro ser impactada por conteúdos de "antes e depois" de procedimentos estéticos e cirurgias plásticas. Eles pipocam no feed feito resultados de cortes de cabelo. A soma bombástica, para algumas mulheres, se transforma em um desejo sufocante de, quem sabe, fazer o mesmo e colocar fim àquela insegurança que as persegue.
Não raro, vemos meninas saudáveis se submeterem a quase tudo por um ideal de beleza. E é compreensível, apesar de cruel. No monólogo do filme Barbie, que viralizou nas redes sociais nos últimos meses, há um resumo fácil do que é ser mulher e lidar com a própria imagem na sociedade. "Você tem que ser magra, mas não muito magra. E você nunca pode dizer que quer ser magra. Você tem que dizer que quer ser saudável, mas também tem que ser magra. [...] Você deve permanecer bonita para os homens, mas não tão bonita a ponto de seduzi-los demais ou de ameaçar outras mulheres porque deveria fazer parte da irmandade", desabafa a personagem de America Ferrera numa cena que exigiu mais de 30 execuções para sair perfeita. Ela sintetiza os sentimentos conflitantes que desafiam a autoestima e justificam muitos dos procedimentos que vemos por aí.
Os números também provam: de acordo com o estudo The Future of Aesthetics, da Allergan Aesthetics, empresa fabricante de substâncias dermatológicas, 79% dos entrevistados em todo o mundo se dizem insatisfeitos com algumas partes do corpo. O efeito internet também é implacável, mostra estudo da Dove feito nos Estados Unidos, na Inglaterra e no Brasil, com mais de 1.500 mulheres entre 10 e 55 anos.
84% das adolescentes brasileiras com 13 anos ou mais afirmaram que já usaram filtro ou aplicativo de edição de fotos para alterar a própria imagem. Além disso, cerca de 78% delas já tentaram mudar ou esconder alguma parte indesejada do corpo antes de publicar uma foto nas redes sociais
IMPACTOS EMOCIONAIS
Em meio a tantos estímulos, o desafio é pensar de forma sã sobre o assunto. Seria utópico apontar que o ideal é apagar todas as influências externas, uma vez que somos constituídas delas. Entretanto, algumas perguntas ajudam a limpar as ideias e tornar essa reflexão proveitosa.
"Todas as decisões em torno de mudanças permanentes devem envolver a pergunta: por que eu quero fazer isso? Muitas vezes, essa resposta é superficial, mas pausar para se ouvir pode impedir muitos arrependimentos", introduz a psicóloga clínica Carolina Godoy, de São Paulo.
Para ela, a atenção aos aspectos fundamentais precisa ser o primeiro passo antes de passar por um procedimento estético permanente, como uma cirurgia. "O acompanhamento emocional é fundamental para cada um avaliar o que é importante para si. O primeiro ponto é trabalhar o que se está buscando e o que se quer mudar; quais são as expectativas envolvidas. É um erro acreditar que uma intervenção estética solucionará todas as inseguranças e receios relacionados à imagem, aos relacionamentos e à identidade", argumenta.
"É claro que, às vezes, são questões que causaram sofrimento à pessoa pela vida toda e uma cirurgia terá um ganho emocional importante. Mas também tem o outro lado, que são pacientes buscando nos procedimentos, às vezes múltiplos, algo que não será encontrado ali. E então, depois de realizados, há a decepção de notar que os problemas não foram embora. Em tempos de redes sociais, precisamos retomar a real complexidade e o impacto de uma decisão assim", diz.
O "PARA SEMPRE" EXIGE AINDA MAIS CAUTELA
Se depois dos questionamentos, a decisão for favorável, então está na hora de procurar um bom profissional para isso. Fábio Nahas, cirurgião plástico e professor da Universidade Federal de São Paulo, explica que o primeiro passo é pesquisar sobre o médico no site da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.
"Também é possível buscar o histórico do cirurgião, seus processos anteriores, experiência profissional e acadêmica, publicação de estudos e participação em congressos, por exemplo. Tudo isso deve ser avaliado para ter certeza de que aquele profissional tem o conhecimento necessário", explica o médico. O Instagram também não é Currículo Lattes – não se deixe levar por um feed harmônico ou lotado de celebridades.
Fábio também alerta para as expectativas. "Alguns profissionais, para ganhar o paciente, dizem que tudo pode ser feito. Mas não é verdade. A cirurgia plástica não é como uma roupa 'tamanho único'; ela deve ser pensada de forma individualizada, conforme o que ele necessita e o que é possível fazer. Também não é ético prometer resultados, como aqueles feitos com a edição de imagens. Isso vai depender da cicatrização e dos fatores biológicos de cada um", completa.
Dentro do consultório, o profissional deve explicar os possíveis riscos da cirurgia ou procedimento, quanto tempo levará, qual anestesia será utilizada e principais cuidados pré e pós-cirúrgicos. "Sugiro que as pessoas repensem caso cheguem a um cirurgião plástico que promete um pós-operatório livre de restrições", alerta o especialista. Desconfie também se o profissional não perguntar a fundo sobre seus problemas de saúde (inclusive mentais), cirurgias anteriores, alergias, hábitos de vida (como tabagismo e drogas) e o uso de medicamentos controlados.