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Por Camila Barbieri e Flávio Dilascio — Rio de Janeiro


Professor de surfe teve carro destruído por torcedores do Peñarol

Professor de surfe teve carro destruído por torcedores do Peñarol

Em 30 anos no Recreio dos Bandeirantes, Marcelo Barbosa jamais tinha visto algo igual. De passagem pelo Rio para assistir à partida do Peñarol contra o Botafogo pela Libertadores no último dia 23, centenas de torcedores do clube uruguaio promoveram cerca uma hora e meia de selvageria e vandalismo nas ruas do bairro. A chegada da PM e do Corpo de Bombeiros não evitou que os vândalos destruíssem parcialmente o carro de Marcelo. Parado em frente à Praça Tim Maia, o veículo é utilizado pelo mesmo em seu projeto social de surfe, voltado para pessoas de baixa renda.

- Nunca vi isso acontecer no Recreio. Morador nunca viu isso aí, foi uma coisa assustadora. Me ligaram dizendo que o bicho estava pegando aqui, que já estavam queimando as motos. Uma amiga me ligou dizendo que estavam colocando fogo no meu carro. Vim imediatamente já imaginando o pior, mas graças a Deus, cheguei aqui e meu carro estava intacto. Eles tentaram, mas não conseguiram. O pessoal e os policiais que estavam presentes, impediram. Eles queriam destruir o carro, mas só quebraram os vidros - relata Hiena.

Marcelo Hiena posa em frente ao seu carro que teve os vidros destruídos pelos uruguaios — Foto: Genito Jr

Guarda-vidas aposentado do Corpo de Bombeiros do Rio, Marcelo tem 55 anos e, há cerca de três décadas, ensina surfe de graça para pessoas de baixa renda. Pelo seu projeto - chamado Recreio Open Escola de Surf - passaram meninos e meninas em situação de rua e vulnerabilidade social como Marcos Felipe Viana da Conceição.

Conhecido como Papagaio, Marcos costumava dormir nas imediações da Praça Tim Maia, quando foi aborado por Hiena, que o convidou para aprender a surfar. Hoje, o jovem de 17 anos trabalha no projeto, dá aulas particulares de surfe na Praia do Recreio dos Bandeirantes e ainda compete.

- Antigamente eu vendia bala, aí eu parei aqui, troquei uma ideia com ele e ele disse: "Aparece aí. Gostei de tu". Aí me deu uma roupa de borracha. Eu nunca tinha surfado na vida. Agora sou competidor e no momento estou correndo atrás de patrocínio, que é difícil - destaca Papagaio.

Marcos Felipe Viana da Conceição, o Papagaio, vendia balas na rua antes de ir para o projeto — Foto: Genito Jr

Além do surfe, Papagaio também ganhou abrigo. Morador de comunidade do Terreirão, nas imediações da Praia do Recreio, Hiena dá moradia para um total de seis beneficiados pelo projeto. No local, eles têm acesso a todas refeições, a maioria delas doadas por colaboradores do Recreio Open Escola de Surf.

- Eu dou graças a Deus que tenho um relacionamento muito bom aqui assim devido ao surfe. É um pessoal que me ajuda, são empresários. Tenho alimentação, tenho dentista e todo um trabalho de manutenção da saúde deles. Se as famílias estão com dificuldade, às vezes rola uma cesta básica, um móvel, geladeira, ou fogão que a mãe está precisando. Tenho os meus colaboradores e eles sempre me ajudam - reforça Hiena.

Hiena usava o carro para transportar material, equipamentos e refeições para o projeto. Por conta dos vidros destruídos, ele teve de parar de circular por um tempo até conserta-los.

Hiena guarda sua pranchas num casebre na beira da praia — Foto: Genito Jr

Sem saber quantas pessoas já passaram pelo Recreio Open, Hiena guarda as pranchas num casebre à beira da Praia do Recreio. Além dos alunos do projeto social, ele também dá aulas particulares de surfe. Pelo Recreio Open Escola de Surf passaram jovens que viraram surfistas profissionais como Pedro Neves, campeão carioca e atualmente no WQS.

- Eu conheci o Marcelo, o famoso Hiena, aqui na praia, há mais de 20 anos. Aprendi a surfar aqui com ele. Graças ao que aprendi aqui, consegui viajar pra vários lugares do mundo, como Havaí, China, Europa e Austrália. Todas viagens competindo na divisão de acesso do Circuito Mundial - revelou.

Há também quem surfe no projeto mesmo não sendo surfista profissional. É o caso de Marcos Santos de Lima, que atualmente trabalha como motorista de aplicativo e caldeireiro. Depois de aprender a surfar há dois anos, ele adquiriu o hábito de ir ao point de Hiena pegar onda e ajuda-lo com o que for preciso.

Marcos Santos de Lima aprendeu a surfar há dois anos e não parou mais de pegar onda — Foto: Genito Jr

- A gente meio que forma uma família e não sai daqui da praia. Quando tenho um tempinho, dia de semana ou finais de semana, venho aqui dar uma surfada e encontrar o pessoal. É uma coisa que me relaxa e transforma o meu dia - comenta Marcos.

Feliz com o reconhecimento, Hiena espera continuar o seu trabalho esportivo e social até quando encontrar forças para entrar no mar.

- Parece mentira, mas é verdade. Alguns que passaram por aqui saíram de orfanato, não tinham nem pai e nem mãe. Parece até que Deus me colocou no caminho deles. O surfe é muito bom, né? É super descontraído. Você está com problema, cai no mar, pega boas ondas, o problema passa e de repente você arruma solução. E é nessa vibe que eu quero seguir na minha vida, surfando e ajudando as pessoas - finaliza.

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