TIMES

Por Tébaro Schmidt — Rio de Janeiro


Lanterna até o momento, o Macaé deve ganhar nos próximos dias um reforço para tentar se recuperar no Campeonato Carioca. O boliviano Ricardo Román foi contratado no início do mês passado, vem treinando com os companheiros há mais de um mês, mas ainda não estreou porque precisa aguardar a chegada de alguns documentos - o que provavelmente acontecerá ainda esta semana. Com 25 anos completados na última quinta-feira, ele vive a expectativa de voltar a atuar depois de três anos.

Ricardo Román, meia do Macaé — Foto: Tiago Ferreira

Román é tratado desde pequeno como uma promessa do futebol da Bolívia, com a qual disputou o Sul-Americano Sub-15 em 2011, no Uruguai. Embora a equipe tenha caído ainda na primeira fase com quatro derrotas, o meia canhoto despertou a atenção do Lille e foi jogar na França. Mesmo longe do país, voltou a ser chamado para jogar o Sul-Americano Sub-17 em 2013, na Argentina, e só não jogou também o Sub-20 em 2015 porque o torneio aconteceu fora da Data Fifa, e o clube francês, portanto, não o liberou.

Mas a carreira que parecia ser promissora foi interrompida graças a uma tragédia familiar.

No dia 23 de outubro de 2016, a família Santa Rosa estava reunida pela manhã no bairro Pampa de la Isla, em Santa Cruz de la Sierra, quando dois homens armados invadiram a casa à procura de Laura, de 24 anos. O pai Miguel, 60 anos, na tentativa de proteger a filha, reagiu à abordagem e foi assassinado no quintal da residência. Laura foi arrastada até a rua, onde levou cinco tiros e morreu na hora.

O crime chocou a Bolívia. Como Laura, que era modelo, havia acabado de terminar um relacionamento, a polícia suspeita que tenha se tratado de feminicídio. As vítimas eram a cunhada e o sogro de Ricardo Román, que é casado há sete anos com Tania Santa Rosa.

"Depois disso, acho que a minha cabeça se perdeu", contou Román ao ge.

- Foi um tema muito complicado e delicado para minha família. No momento em que o pai dela foi ajudar, como qualquer pai, a primeira coisa que eles fizeram foi disparar. Acabaram com a vida dos dois. Falei com o meu empresário para me ajudar nessa questão, para saber como eu poderia voltar ou então mandar minha esposa para a Bolívia, porque ela chorava muito. Foi muito complicado - completou ele.

Aos 21 anos, Ricardo Román tinha acabado de virar pai da pequena Luanna e estava emprestado ao Les Herbiers, também da França, quando a tragédia aconteceu. Ele terminou a temporada 2016/17 com a equipe, atuou pelo time B do Lille por alguns meses depois disso, mas não aguentou e voltou para a Bolívia no início de 2018. Román tinha contrato com o clube francês até 2019: "Não tenho do que reclamar do Lille, eles foram perfeitos e prometeram que as portas estarão sempre abertas".

Ricardo Román no Lille ao lado de Pavard, hoje lateral do Bayern de Munique — Foto: Arquivo Pessoal

Nascido em Santa Cruz, Ricardo Román começou a carreira no Aguilera Tahuichi. De lá, foi para o Lille. Tanto na seleção sub-15 quanto na sub-17 da Bolívia, foi o capitão e camisa 10. Além disso, é um exímio cobrador de faltas. Na temporada em que foi emprestado ao Royal Mouscron, da Bélgica, por exemplo, ele fez nove gols. Desses, seis foram cobrando faltas.

- No Lille eu fiz muito mais (risos), uns oito ou nove pela equipe B - se gaba ele.

Um dos gols de falta marcados por Ricardo Román pelo Lille — Foto: Reprodução

Dá para ter uma pequena ideia do que Ricardo Román é capaz assistindo aos melhores momentos da vitória por 3 a 1 da seleção brasileira sobre a Bolívia no Sul-Americano Sub-17 em 2013. No início do segundo tempo (05:34 do vídeo abaixo), ele cobrou uma falta que ia entrar no cantinho não fosse a ótima defesa de Marcos Felipe, então goleiro do Fluminense.

Nesse mesmo jogo, foi Román quem bateu o escanteio e deu a assistência para o gol de honra da Bolívia, marcado por Flores (02:49 do vídeo).

Os melhores momentos de Brasil 3 x 1 Bolívia, pelo Grupo B do Sul-americano Sub-17

Os melhores momentos de Brasil 3 x 1 Bolívia, pelo Grupo B do Sul-americano Sub-17

No Lille, apesar dos cerca de sete anos em que teve contrato com o clube, o boliviano nunca disputou uma partida pelo time principal. Mas treinou por diversas vezes e jogou alguns amistosos com a equipe de cima ao lado de jogadores bastante conhecidos hoje em dia, como Eden Hazard, atacante do Real Madrid; Pavard, lateral-direito do Bayern de Munique; Origi, atacante do Liverpool; e Salomon Kalou, que defendeu o Botafogo na última temporada.

"Eu treinava com o primeiro plantel toda semana e, quando não entrava na lista dos 22, eu jogava na equipe B. Foi uma formação muito boa para mim, joguei ao lado de jogadores bons que me receberam muito bem. E me ajudaram na adaptação à Europa e na minha formação como jogador, porque eu cheguei lá muito novo. Origi, Pavard... São todos meus amigos", contou.

Primeira vez no Brasil

Román ficou por cerca de um ano e meio sem perspectiva de voltar a jogar, da metade de 2018 até o fim de 2019. Nesse período, enquanto ficava ao lado da família em Santa Cruz, ele procurou manter a forma e chegou a treinar algum tempo com a equipe do Royal Pari.

Já no início de 2020, ele decidiu voltar e descobriu que ainda tinha mercado na Europa: seu empresário conseguiu um pré-contrato para ele com o Levante, da Espanha. Mas o processo de visto de trabalho para que pudesse sair da Bolívia tornou-se um pesadelo. Ele deu entrada pela primeira vez em janeiro e teve o pedido negado; precisou esperar alguns meses e voltou a tentar em junho, mas sem sucesso novamente; depois, em novembro, recebeu a terceira negativa. Perdeu um ano inteiro dessa forma.

- Me negaram sem motivo algum, porque eu mostrei o pré-contrato e não tinha motivo para isso. Para voltar a pedir o visto, você precisa esperar entre três e quatro meses. Eu esperei, voltei a pedir e me disseram que precisavam do meu extrato bancário no país, o que eu não tinha porque não trabalhei na Bolívia, eu só tinha o extrato bancário da França. Então voltaram a me negar. E na terceira vez, mesmo com a ajuda de algumas pessoas que trabalham na migração, fiquei 20 dias em La Paz para resolver isso, e tampouco me deram o visto - explica o jogador.

- O que fizeram comigo... Em vez de me ajudarem, um boliviano, me complicaram mais ainda - acrescenta ele.

Ricardo Román, meia do Macaé — Foto: Tiago Ferreira

Sem conseguir sair do país, Román foi procurado pelo Bolívar, clube onde também ficou mantendo a forma por um tempo. Mas o treinador e amigo Toninho Gottardi, ex-jogador brasileiro que foi atuar na Bolívia e acabou criando raízes por lá, intermediou conversas, mexeu os pauzinhos e acabou encontrando um espaço para ele no Macaé.

No clube do interior do Rio, que empatou um e perdeu dois dos três jogos até aqui no Carioca, ele garante que tem gostado do que vê e espera poder estrear talvez no próximo sábado, na partida contra o Volta Redonda.

- Dá para ver que os companheiros aqui têm uma mentalidade muito boa. O (técnico) Eduardo Allax e o preparador físico são fora de série, são amigos dos jogadores, e isso é muito importante para uma equipe. Estou gostando demais, me impressionou bastante. É um ambiente muito bom. Nesse sentido, as coisas funcionam muito bem aqui no Macaé - finalizou.

Veja também

Mais do ge