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Histórias Incríveis: o dia em que um time amador rejeitou Mané Garrincha

Aos 40 anos, em 1973, craque jogaria um tempo no América de Petrolina e outro no Veneza de Juazeiro-BA, mas dirigente baiano não quis prejudicar o entrosamento

Por Petrolina, PE

O fim da carreira de Garrincha nem de longe lembra os dias de glória do Mané com as camisas do Botafogo e da seleção brasileira, pela qual foi bicampeão mundial e protagonista do título de 1962, no Chile. Morto há exatos 32 anos, em 20 de janeiro de 1983, o Anjo das Pernas Tortas tinha desembarcado dez anos antes no Vale do São Francisco para fazer a alegria dos torcedores locais. Acabou acirrando ainda mais a rivalidade no futebol amador de Petrolina, em Pernambuco, e Juazeiro, na Bahia. A ponto de ter sido rejeitado por uma das equipes.

Em 1973, Garrincha fez a alegria dos torcedores de Petrolina-PE e Juazeiro-BA (Foto: Reprodução/GloboEsporte.com )Em 1973, Garrincha fez a alegria dos torcedores de Petrolina-PE e Juazeiro-BA (Foto: Reprodução/GloboEsporte.com )

A visita fez com que as cidades, separadas pelo rio São Francisco, se unissem para ver o craque jogar. A notícia de que Garrincha estaria na região mexeu com o povo e com a imprensa local. Na época, o jovem radialista Domingos Sávio Ventura Brandão, conhecido como Sivuca, foi um dos responsáveis pela cobertura do evento.

– Foi uma cobertura grande, porque foi um evento excepcional. Tratava-se do melhor jogador do mundo. A imprensa deu grande destaque. Nós criamos muita expectativa sobre esse jogo – afirma Sivuca.

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o não a Garrincha

O confronto foi entre Veneza, de Juazeiro, e América, de Petrolina, no estádio Adauto Moraes, na cidade baiana. Antes do jogo, ficou combinado que o Mané jogaria um tempo em cada equipe, mas nem tudo saiu como o esperado. Quando estava no auge, o talento do ex-botafoguense era desejado por todos. Aos 40 anos de idade, no entanto, ele se viu rejeitado por um time amador.

– Fizeram um sorteio para ver em qual time ele jogaria primeiro, e deu Veneza. Aí atrasou para começar o jogo, e a gente esperando. Foi quando chegou a notícia de que o presidente do Veneza não aceitava Garrincha. Ele não queria mexer no time. O Veneza era muito bom. Não tinha vaga, nem sendo Garrincha – conta Marco Polo, um dos personagens do confronto.

Pilar guarda com orgulho a foto do dia em que jogou com Garrincha (Foto: Emerson Rocha)Pilar guarda com orgulho a foto do dia em que jogou com Garrincha (Foto: Emerson Rocha)

Na parede de sua peixaria, Pilar, ex-volante do América, guarda com orgulho uma fotografia do dia em que jogou ao lado de Garrincha. Ele conta que a rivalidade entre os times das duas cidades foi fundamental para a recusa da equipe juazeirense. A intenção do presidente do Veneza era não mexer na estrutura do time, que na época era considerado um dos principais do futebol amador da região.

– Lulu (Aloísio) Viana era presidente do Veneza na época. Quando ele viu Garrincha, disse que não precisava de Garrincha para ganhar do América. Aí, o próprio Mané disse que não tinha problema e que jogaria os dois tempos com o nosso time – recorda Pilar.

Com a Alegria do Povo jogando os dois tempos no América, a vitória ficou mais fácil: 3 a 1, apesar de Garrincha não ter marcado. E Marco Polo pôde viver um dos momentos mais especiais de sua carreira no futebol amador. Ainda garoto, ele seria escalado no primeiro tempo, enquanto Garrincha defendia o Veneza, e na segunda etapa daria lugar ao ídolo.

 O Veneza era muito bom. Não tinha vaga nem sendo Garrincha"
Marco Polo

 – Eu ia jogar só um tempo, e ele também. O treinador me disse que, assim que acabasse o primeiro tempo, era para eu tirar a camisa 7 e dar a Garrincha. Eu ainda perguntei se não teria outra camisa com o mesmo número, mas não tinha. E Garrincha tinha que jogar com a 7, para não ficar uma situação chata. Se o Veneza não tivesse recusado, ele ia ter que usar a camisa que eu usei – lembra Marco.

Em cima da hora, ele conseguiu uma oportunidade no time que foi a campo.

- Quando eu já estava me conformando com a reserva, o treinador mandou outro titular tirar a camisa dele, a número 8, e entregar para mim. Aí ficamos Garrincha, eu, e tinha Pilar jogando no meio. Depois disso eu nunca mais saí do time titular – comemora.

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mané, o mestre

Jogando ao lado de Garrincha, Marco Polo diz ter recebido várias orientações do experiente jogador. Uma delas era para que o garoto não fosse para área durante as cobranças de falta, já que os zagueiros do Veneza eram fortes e não dariam chances de finalizações. E as dicas do Mané foram certeiras.

Marco Polo jogou ao lado de Garrincha no América de Petrolina (Foto: Emerson Rocha)Marco Polo jogou ao lado de Garrincha no América de Petrolina (Foto: Emerson Rocha)

– Garrincha me chamou e disse: “Você é novo, vai jogar do meu lado”. Fiquei perto dele e deu certo. Ele dava dribles, cobrava falta. Uma ele cobrou pela direita, o zagueiro defendeu, eu dominei a bola, chutei e fiz o gol. Outra ele cobrou, bateu no goleiro, na trave, e eu fiz mais um. A idade dele para jogar no amador ainda dava. Ele não jogava como antes, mas ainda era muito bom – afirma.

Sem Garrincha no elenco, o Veneza terminou perdendo o confronto contra o rival petrolinense. No dia seguinte ao jogo, a passagem do Mané pela região foi o tema mais abordado nas rádios das cidades.

– Eu sei que no outro dia foi comentário. Garrincha saiu daqui mais falado que tudo. O clube não quis Garrincha, e Garrincha acabou com o Veneza – conta Marco Polo.

"Foi a realização de um sonho", diz o radialista Sivuca, que entrevistou Garrincha durante sua passagem no Vale do São Francisco (Foto: Emerson Rocha)"Foi a realização de um sonho", diz o radialista Sivuca, que entrevistou Garrincha durante sua passagem no Vale do São Francisco (Foto: Emerson Rocha)

A passagem do Mané pelo Vale do São Francisco deixou saudade nos personagens que viveram aquele momento. Sivuca revela a sensação de ter entrevistado um dos grandes nomes do futebol mundial.

– Foi um sonho concretizado. Entrevistar um astro da grandeza de Garrincha foi uma coisa extraordinária que a gente teve aqui em Petrolina. Foi uma realização – descreve o radialista.

Para quem jogou com o Mané, restaram as lembranças do dia mais simbólico de suas carreiras.

– Está na memória da gente, está gravado. Todo juazeirense e petrolinense fala desse jogo – afirma Pilar.

Marco Polo sabe que uma oportunidade daquelas não acontece todo dia e lamenta o fim melancólico do craque, que sofreu com a bebida no fim da vida e morreu aos 49 anos, vítima de uma cirrose hepática.

– O cara jogar com um homem daquele não é todo mundo não. Uma pena que morreu de uma maneira que… Eu sinto muita saudade – completa Marco Polo.