Valdenir
Souza tem 47 anos e é comentarista esportivo no sertão de
Pernambuco. Até aí, tudo normal. O curioso na história de Didi,
como é conhecido, é que ele perdeu a visão quando tinha oito anos,
após um acidente com arma de fogo. Para comentar os jogos, o
pernambucano de Belém do São Francisco presta muita atenção nas
palavras do narrador da partida. Conhecedor do futebol, tem na
memória um arsenal de informações sobre os times e o trio de
arbitragem do confronto. Desta forma, o comentarista ganhou a
admiração do público e dos colegas de transmissão. Quem ouve um
jogo comentado por Didi, dificilmente dirá que ele é cego.
–
A gente tem que prestar muita
atenção na partida, ficar atualizado. É muito importante prestar
atenção no narrador, para podermos mostrar um grande trabalho para
os ouvintes – explica Didi.
Durante
o jogo, a sintonia entre narrador e comentarista tem que estar bem
afinada. As palavras de um viram imagens para o outro, que transforma
em opiniões para os torcedores.
–
Ele (narrador) não vai mentir para
mim, porque está vendo o lance. Se ele disser: “Didi, na hora que
o jogador entrou na área e preparou o arremate, foi tocado pelo
adversário. E aí?” É pênalti. Qual é a dúvida? A regra manda
e é bem clara, dentro da área o atacante é intocável, com ou sem
a intenção do adversário. O juiz tem que aplicar a regra – diz o
comentarista.
Didi
trabalhou por vários anos em rádios de sua cidade natal. Hoje, mora
em Petrolina e está desempregado. Porém, vez por outra é convidado
por antigos colegas para participar de transmissões esportivas. Foi
o que aconteceu na partida entre Salgueiro e CRB, válida pela
penúltima rodada da primeira fase do Brasileiro Série C. A convite do narrador
Claudinei Santos, Didi voltou a mostrar o seu talento.
igual aos outros
Claudinei
e Didi trabalharam juntos por oito anos cobrindo jogos amadores e
profissionais. Segundo o narrador, não há diferença entre o colega
cego e os demais comentaristas com quem divide as transmissões.
–
Eu trato como se ele enxergasse.
Pergunto a ele durante o jogo as mesmas coisas: o que esperamos da
partida, por que o jogador está sendo substituído, por que o
treinador mexeu na equipe. Quando entro no ar e ele põe o fone, não
vejo diferença entre quem enxerga e não enxerga. Outra coisa, tem
gente que enxerga que não consegue ter a percepção que Didi tem
durante o jogo – conta Claudinei.
E
a percepção de Didi impressiona. Durante a partida em Salgueiro, os
donos da casa venciam por 1 a 0, quando o comentarista alertou para
os perigos que a equipe sofria pela lateral do campo.
–
O Salgueiro tem que tomar cuidado
com as jogadas de linha de fundo do CRB. O time não pode aceitar a
pressão, senão corre o risco de levar o gol de empate – comentou.
E
foi justamente pela lateral do campo que o CRB quase igualou o
placar, aos 35 do segundo tempo. Por sorte, o goleiro Luciano estava
atento e fez grande defesa.
–
Eu não disse que era para ter
cuidado com as bolas na linha de fundo? – lembrou Didi.
Das
arquibancadas do Estádio Cornélio de Barros, tinha torcedor
surpreso com a performance do comentarista.
–
É coisa de Deus mesmo. Caso não me
dissessem que ele é cego, eu não saberia. O trabalho dele é nota
10 – avalia Francisco Gomes, conhecido como Tarciso da Buzina, por
sempre levar o barulhento instrumento aos jogos do Carcará.
superação e boas histórias
A
trajetória de Didi no futebol é recheada de boas histórias. Em uma
delas, Claudinei Santos conta que o colega se empolgou tanto na
marcação de um pênalti que chegou a afirmar ter visto o lance,
para a revolta dos torcedores e da diretoria do time punido. O
comentarista se defende.
–
Esse lance foi lá em Itacuruba.
Houve o pênalti e o juiz marcou. Amigos da diretoria do Itacuruba
vieram, convocados por eles, para reclamar. Na hora que Claudinei disse
que a defesa tinha realmente cometido o pênalti, eu disse que
realmente tinha existido a penalidade, que deu para ver que foi
pênalti. Aí a turma pegou nessa história de “eu vi”, mas isso
não aconteceu. Deu para perceber que foi pênalti, porque ele disse
que o jogador havia sido tocado dentro da área.
Sem
enxergar, Didi se superou para entrar em um mercado onde ver o que
acontece é quase imprescindível. O que as pessoas dizem quando o
veem comentado o jogo? O comentarista revela cheio de orgulho.
–
As pessoas sentem admiração. A
gente fica só ali observando os movimentos e eles (torcedores)
dizem: “Ele é cego mesmo? Como é que faz um trabalho desses? Nem
eu que enxergo teria coragem”.
No
que depender do comentarista, enquanto as oportunidades de mostrar o
seu trabalho forem surgindo, ele estará presente, comentando o jogo
com os mesmos instrumentos que sempre usou.
–
Força de vontade, coragem e a
sabedoria de Deus - destaca Didi.