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"Não não dói": carteiros ciclistas usam a bike para vencer obstáculos da vida

Cleber Santos e Hertz Cavalcante são de Salgueiro-PE e praticam o downhill, bike trial e mountain bike. Desafios das provas se transformam em lições para o dia a dia

Por Salgueiro

 

Cleber Santos, 37 anos, e Hertz Cavalcante, 38, são conhecidos na cidade de Salgueiro, no sertão de Pernambuco, como os carteiros ciclistas.  A dupla vem se destacando em competições de downhill, bike trial e mountain bike.  A parceria começou em 1997, assim como a carreira de de entregador de cartas. 


- Nós iniciamos a parceria em 1997.  A gente só pedalava normal como todo mundo. Depois descobrimos o bike trial e estamos juntos até agora – explica Cleber, sendo complementado por Hertz.

- Na época Cleber era estagiário e eu trabalhava em uma farmácia. Nós já nos conhecíamos e ele mandou eu fazer o concurso dos Correios. Fiz e passei em 1997. Chegamos a trabalhar uma semana juntos, aí o estágio dele acabou. Cleber fez o concurso da empresa e passou para ir trabalhar na cidade vizinha de Cabrobó e eu fiquei em Salgueiro – lembra. 

Os carteiros ciclistas de Salgueiro prontos para mais um dia de trabalho (Foto: Hertz Cavalcante/Arquivo pessoal )Os carteiros ciclistas de Salgueiro, Cleber e Hertz prontos para mais um dia de trabalho (Foto: Hertz Cavalcante/Arquivo pessoal )

Os carteiros ciclistas se encantaram com o bike trial, modalidade na qual o competidor tem que superar obstáculos naturais ou artificiais, após uma matéria exibida no programa ‘Fantástico”, da Rede Globo. Encantados pelo esporte, os dois resolveram encarar o desafio.

- Assistimos uma matéria no Fantástico e nessa matéria nós vimos o bike trial. Gostamos, conseguimos a fita da matéria e de forma autodidata, nós começamos a fazer. No início foram vários hematomas – recorda Hertz. 


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não não dói

Após aprender as técnicas da modalidade, o próximo passo seria as competições. Durante um período de férias, Cleber viajou para São Paulo, onde conseguiu manter contato com várias pessoas ligadas ao esporte. Algum tempo depois desse contato, em 2003, surgiu o convite para competir pela primeira vez.

 - Quando o convite chegou quem estava de férias era o Hertz. Eu disse a ele que nós iríamos para a competição – conta Cleber.

Como boa parte dos atletas amadores no Brasil, Cleber e Hertz tiveram que encarar a falta de incentivo financeiro. Foi a partir desta dificuldade, que a dupla criou o lema que os movem até hoje: “Não não dói”. 

- Nós íamos sair atrás de patrocínio. Alguns iam dizer não, mas ia ter alguém que diria sim – explica Cleber. 

O carteiro Cleber mostrando habilidade com a bike (Foto: Jadir Souza/TV Grande Rio)O carteiro Cleber mostrando habilidade com a bike (Foto: Jadir Souza/TV Grande Rio)

E assim os carteiros ciclistas foram batendo de porta em porta. Na época, Cleber ainda trabalhava em Cabrobó e à noite se juntava ao colega em busca do sim, sem sofrer com os nãos. 

De tanto batalhar, eles conseguiram a ajuda necessária para participar do campeonato brasileiro de bike trial, em São Paulo. 

-  Na época nós não tínhamos equipamentos bons, mas persistimos – conta Hertz.

E a persistência foi recompensada.  Cleber ficou com o segundo lugar. Por problemas familiares, Hertz não conseguiu ir tão bem. Ele havia acabado de perder o pai. 

E na base do “Não não dói”, a dupla foi conseguindo participar de várias competições, em especial, na região Nordeste. Além de mostrarem que são feras com a bicicleta, os dois ajudaram a mudar a visão que as pessoas tinham da cidade de Salgueiro. 

- Salgueiro era conhecida como o polígono da maconha. Nós ajudamos a mudar esse estigma. Mostramos que Salgueiro é a terra da bike, da banda Limão com Mel, de várias coisas boas – diz Hertz. 

Com o tempo e os bons resultados, Cleber e Hertz conseguiram o apoio da empresa que trabalham.  O órgão disponibiliza um carro e combustível para que eles participem das competições e apresentações que fazem em outras cidades. 

Tendo que conciliar o trabalho como carteiro e a rotina como atleta, Cleber diz que ele e Hertz aproveitam os momentos de entrega das correspondências para treinar. 

- Quando nós estamos no trabalho, que vem pouca correspondência, nós pegamos as bicicletas e vamos entregar as cartas treinando. A geografia da cidade ajuda muito. Somos conhecidos como os carteiros ciclistas. 

Segundo Cleber, quando a dupla vai entregar as cartas a pé, os moradores da cidade perguntam pelas bicicletas. 

- Unimos o útil ao agradável – brinca. 

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Superando obstáculos  nas provas e na vida

Com o trabalho conhecido em várias cidades, a dupla de ciclista passou a receber convites para apresentações e palestras motivacionais.  Usando o “Não não dói” e os obstáculos que precisam ser superados no esporte, os carteiros mostram que com força de vontade, os desafios da vida podem ser vencidos. 

Hertz  fazendo entrega de cartas em Salgueiro-PE (Foto: Hertz Cavalcante/Arquivo pessoal)Hertz fazendo entrega de cartas em Salgueiro-PE (Foto: Hertz Cavalcante/Arquivo pessoal)

- Nós começamos fazendo manobras com as bicicletas, quando a gente atrai a visão do público, vem a conversa sobre superação, motivação.  Nós tentamos passar essa ideia com a bicicleta. Mostramos aos jovens que a prática esportiva é um meio de livrar das coisas ruins do mundo. Eu passo para os jovens que eles têm muita energia, e têm que levar para coisas boas – explica Hertz. 

Durante as apresentações, Hertz e Cleber fazem questão de ir com a roupa de carteiro. Segundo a dupla, essa é uma forma de passar confiança para a plateia. 

- As pessoas confiam no carteiro. 

Em uma das apresentações, a dupla foi vista por um dos diretores da instituição em que trabalham. O chefe gostou do que viu e resolveu levar a ideologia do “Não não dói” para os demais funcionários da empresa. 

- Nós fomos para Brasília fazer uma palestra para 400 diretores da empresa em todo Brasil – revela Hertz. 

E entre a superação dos obstáculos das competições e os impostos pela vida, os carteiros ciclista vão seguindo seus caminhos. Recentemente, Cleber participou da etapa do campeonato paraibano de downhill, onde o ciclista desce uma pista com os mais variados tipos de dificuldades, realizado na cidade de Pocinhos-PB. Na mesma cidade, Hertz competiu na prova de bike trial. 

E onde quer que estejam, os ciclista carteiros deixam uma mensagem. 

- Nosso trabalho vai além do esporte, tem uma função social.