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Por Redação do ge — Recife


Caça-Rato, o CR7 raiz, pega a Carona do GE

Caça-Rato, o CR7 raiz, pega a Carona do GE

Aos 38 anos, Flávio Caça-Rato segue com lenha para queimar nas quatro linhas. E muito além da paixão pelo esporte: precisa pagar contas. Muito em parte porque ganhou pouco dinheiro jogando bola, revela, mas não se apega ao passado. É um "cara tranquilo", garante.

Num papo de quase uma hora com o apresentador Tiago Medeiros, que pode ser escutado na íntegra no podcat Embolada (escute abaixo), o atacante que fez história no Santa Cruz - com gol em final, em jogo de acesso e de título - resgatou curiosidades da carreira, como a origem do batismo como "Caça-Rato".

Entre histórias inusitadas da vida, há o fatídico dia em que saiu para encontrar amigos numa festa e levou dois tiros por ter se envolvido numa briga. Ali, o medo da morte falou mais alto.

"É uma pancada, meu irmão (...) A perna ficou pesadona (...) Levei os tiros, aí eu corri. E eu vou ficar apagado? Com medo de morrer... Tá maluco. Vou fechar o olho não, vai que eu feche e não abra mais".

Tricolor desde o berço, Caça-Rato ainda abriu espaço para as resenhas no mundo da bola. Conta que é fã do "gelinho", a famosa cerveja, e diz até que chegou bêbado para treinar. Também citou um namoro não concretizado com Vasco, o time de maior expressão nacional que demonstrou interesse em seu futebol.

Caça Rato com um badoque — Foto: Tiago Medeiros

Figura querida e tarimbada do futebol brasileiro, Caça-Rato não passa despercebido. Enquanto estava pelas ruas do Recife com Tiago Medeiros, parado com o carro no sinal, ouviu de um desconhecido:

- Esse cara acabou com meu Sport, pô. Tu é doido! Dênis Marques? Acabou com meu Sport. Ei, Magrão é a lenda, mas Caça-Rato... É sem palavras, é a máquina, p***.

Confira o papo, na íntegra

Quem foi melhor? Magrão ou Tiago Cardoso?

- Cardoso era muito fera, mas eu vou por Magrão.

Durval ou Danny Morais?

- Com todo respeito à carreira de Danny... Durval.

Grafite ou Diego Souza?

- Aí é briga de cachorro grande... Eu vou ficar com Grafite.

Quem foi teu ídolo no futebol?

- O Fenômeno pra mim foi um dos melhores de todos, cara, mas eu me inspirava muito em Ronaldinho Gaúcho. Conheci ele, tirei foto, quando a gente foi treinar no Atlético. Pô, cara tranquilão, parecia que conhecia... Me chamou de Flávio, pô. Os caras que são diferentes são tudo gente boa, pô. Os ruins é que são mala. Até em pelada você vai ver... São os mais malas que têm.

E de jogador tu pode dizer algum? De dizer: esse camarada aqui...

- Tem uns que... Tem uns aqui que a turma... Carlinhos Bala ele sabe que ninguém gosta dele, não precisa nem falar, pô. Precisa a gente falar, é? Bala tem uma história maravilhosa, mas eu não gosto quando ele falta com respeito... Não só por X1, cara. Não tenho nada contra Bala, ele é gente boa, mas o negócio dele é quando passa dos limites, falta com respeito. Não acho isso legal. Não só eu falei, como muitos já deram o toque nele. Ele é ídolo, tem história maravilhosa. Mas muitos torcedores têm essa raiva dele. E isso como profissional... Se isso for um personagem, não é um personagem legal não.

Queria falar contigo de uma história que é pouco falada, porque tu sofreu uma tentativa de homicídio. Levasse dois tiros. Os dois pegaram em você, né?.

- Eu ia até para o Acadêmico, casa de show, antes de acontecer isso. Foi em 2010, tava tendo uma festa de um parceiro meu, perto de casa, até minha mãe disse: "não vai, vai fazer o que nesse lugar?". Só que tipo, tinha um monte de amigo, pessoas que não conhecia, mas achava que era perto de casa. Chegou lá, o rapaz veio empurrar meu rosto. Vou dizer a tu, juro por Deus: esse cara morreu, mas até hoje eu não sei o motivo, porque até a própria irmã dele, que depois do ocorrido, perguntou a ele o que tinha feito, ele falou que não sabe por que foi. Eu sei que resumindo, quando eu estava de costas, vendo o show, olhei pra trás, ele disse: aqui não é lugar pra tu estar não, e fez assim no meu rosto (dando um empurrão). Como sou um cara que sou meio esquentado mesmo e vou pra cima, e nem minha mãe bate no meu rosto, imagina um vagabundo desse, eu fiquei muito estressado e fui pra cima dele. Ficou aquele bate boca, aquela resenha. Eu estava doidinho pra pegar ele, mirando ele. Eu ia dar só um, só (um soco). Só que ele morreu e eu não consegui dar um murro nele. Tava doido. Eu disse a ele: bora só eu e tu aqui na mão. Resumindo: quando eu ia saindo do local, ele subiu em cima do muro e deu dois tiros em mim. Eu não vi não, quem viu foi um parceiro meu. Eu até falei pro meu parceiro. Desculpa a palavra, mas que filha da ****, vagabundo meteu a mão no meu rosto, tá pensando que eu sou moleque, e tal, e indo embora. Daí quando estava indo embora eu só ouvi um outro parceiro meu dizendo: não faça isso com meu irmão não, não sei o que. Ele já estava em cima do muro com a arma apontada. Um cara na rua viu passando na moto e disse: corre negão, quando fui correr ele deu o primeiro tiro. Aí pegou na minha perna. E eu no chão, aí ele deu o segundo, aí pegou aqui em mim (tocando acima das costas, perto da nuca). Aí eu consegui levantar e saí correndo.

Qual a sensação que se tem, sentiu o que?

- Cara, uma pancada muito forte, tipo assim, como se tivesse dando um barrote na canela e você sem esperar. É uma pancada, meu irmão, não doeu, não vou mentir, mas a perna ficou pesadona, parecia que tinha... Na perna eu senti, o daqui eu não senti não, só o impacto. Na hora eu disse a um parceiro meu: ele deu um tiro na minha perna e ele: pegou outro nas costas, pô. Aí eu corri. E eu vou ficar apagado? Com medo de morrer... Tá maluco. Vou fechar o olho não, vai que eu feche e não abra mais. Tá maluco, eu vou é embora pra casa. É que eu sou um cara bom, Deus sabe.

Depois desse incidente, você mudou tua vida? Escolhas, comportamento, os cantos que estás frequentando...Você já tinha filho na época?

- Mudei, mudei. E ele, Flavinho, ainda ia nascer. Foi aí que eu vi que não era para estar nos lugares em que eu estava, que você tinha que dar uma afastada na verdade.

Flávio Caça-Rato, não sei se tu estás ligado, mas agora, dia 3 de novembro, faz 11 anos daquele jogo contra o Betim. Aquilo ali foi o gol mais importante da tua carreira, ou aquele que tu causasse uma lordose no pobre do Magrão?

- Pra mim o mais marcante foi o do Betim, que a gente conseguiu o acesso. Quanto a Magrão fica mais pela rivalidade. Sem dúvida o que falam mais é do Magrão, pela rivalidade. Hoje em dia, como futevôlei cresceu muito, tem o pingo do futevôlei, foi uma parte do futevôlei. Ali eu dei o velho pinguinho e saí pra comemorar. Na verdade, eu fiz o gol da final em 2013 em Magrão, fiz o gol do título da Série C e fiz o gol do acesso num ano só. Poucos jogadores fizeram isso, viu.

Aquela temporada foi a que você mais ganhou dinheiro, Caça?

- Vou sem bem sincero, não ganhei dinheiro não, mano. Reconhecimento... A gente sabe que as coisas no Santa Cruz eram difíceis, mas é que nem eu falo, não vem dinheiro, mas veio muito reconhecimento. As coisas que aconteceram no Santa, se é hoje em dia com redes sociais... A turma ainda lembra, o bom é isso. Eu não ganhei dinheiro não, mas muita gente ganhou dinheiro por causa de mim. Teve um bichozinho pra gente. Cara, queria eu ter ganho R$ 50 conto (mil). Quem sabe, sabe. Meu salário era pouco no Santa, pelo que eu fiz, era pra ter ganho muito. O presidente era Tininho e ele sabe muito bem isso, meu salário no Santa Cruz era R$ 18 mil, tem gente que pensava que eu recebia R$ 50, R$ 100 mil. Eu falei pra ele: eu fiz por merecer dentro de campo.

Quando chegasse no Santa Cruz ele queria tirar essa onda do Caça-Rato. Tu não era a favor de tirar teu apelido? Sempre fosse a favor dele.

- Tipo assim, no começo era estranho, né? Caça-Rato, Caça-Rato. Nunca me incomodei. Minha mãe se incomodou muito no começo. 'Pô, o nome do meu filho é Flávio, um nome tão bonito...'. Quando cheguei no Santa Cruz disseram: a gente está pensando em mudar para Flávio Recife, e eu disse: tranquilo. Não sei se vai dar certo. Aí fez um jogo amistoso com o América de Natal, eu fiz o gol e a torcida começou: ah, é Caça-Rato. Aí eu disse: tá vendo, presidente? Aonde eu passo, todo mundo me chama de Caça-Rato.

Quem te colocou esse apelido?

- Rapaz, foi um treinador da Campina do Barreto, Walter. Ele era muito grosso, pô, dava dura em todo mundo, aí tipo: caramba, meu irmão... Ele deu um fora em mim na frente de dois moleques. Aí eu disse: vou jogar mais não, nesse time não. Peguei e saí. Aí ele: vai deixar de jogar bola para ficar caçando rato? A gente da favela tem rato que só a p***. Quem nunca deu uma badocada, não sabe o que tá perdendo. Aí fui pra Croácia, ninguém vai ficar sabendo que eu sou Caça-Rato, né? Resumindo, o cara lá disse: tem um cara de Recife aqui, jogou no Sport e tal, quando o cara foi ver o apelido...

Como é Caça-Rato em croata?

- Eu não sei falar português, vou saber falar croata? Tá maluco. Nem uma palavra. Quando eu cheguei o cara falou: tem aqui um caderninho pra tu estudar, um dicionário. Eu disse: irmão, vou ser bem sincero contigo... Eu não estudo lá no Brasil, que é minha língua, para eu aprender, eu vou estudar aqui? Vou nada.

Nunca chegasse ressacado pra treinar?

- Ressacado já cheguei, não vou mentir. Mas faltar treino não. Quem nunca? O cara que toma uma cervejinha e nunca chegou ressacado... Agora sempre treinei, ressacado, mesmo se tivesse até bêbado eu treinava. Já, pô. Treinador não, mas teve jogador que se ligou, eu correndo todo errado... Fazer o que? Mas eu não faltava treino, o mais importante.

Tu esteve perto de uma transferência grande, maior?

- Quando terminou a Série C em 2013 apareceu o Vasco e o Goiás, o cara falou que tinha falado com Vica e disse, não, pode levar. Aí eu não sei o porquê não deu certo, o empresário conversou, falou de dinheiro e resumindo não deu certo. Eu achei que era momento de sair, mas não cambiou. Era uma coisa que era para eu ter ido. Porque, assim, eu sou muito grato ao Santa Cruz pelas coisas que conquistei, pela torcida, mas assim, questão de reconhecimento, valor, eu nunca fui, e é um negócio que fico com raiva por causa disso, de não ser valorizado, porque eu estava fazendo. Eu não fui campeão no banco. É uma mágoa que eu guardo de certos diretores. Eu cheguei pra Tininho e disse: pô Tininho, R$ 25 mil aí, vai ajudar, uma coisa boa em minha mãe, não, porque não tem. Só tem pra jogador de fora. Pra mim nunca tinha, na verdade. É uma coisa que ficava triste. E falei até para ele. Eu sou papo reto.

Teu grande parceiro no futebol?

- Dênis Marques. Assim, vai fazer um mês que a gente foi fazer evento no Arruda. Porque Dênis é um cara que é aqueles caras chatos, quem conhece ele tem um coração maravilhoso.

Melhor treinador

- Zé Teodoro.

E aquele treinador que se passar com ele no meio da rua tu muda de faixa?

- Sérgio Guedes. Foi uma história estranha com Sérgio Guedes, porque tipo, quando eu joguei com ele no Sport, que a gente foi campeão, Sérgio Guedes era emprestado do XV, e depois veio para cá. E ele queria me levar para lá, pô. Depois ele bateu no Santa Cruz, aí sei que com ele eu não jogava, ele falou que eu estava mal fisicamente, tem que baixar o peso, treinei para caramba e ele não me deu oportunidade. Rapaz, 99% do time do Santa Cruz estava acima do peso, não fui só eu não. Porque subiu o time, os caras largaram, pô. Já era. Mas eu sou uma pessoa que: fez mal a mim, tu fica lá eu fico cá e cabosse.

Qual teu sentimento pelo Sport?

- Não tenho nada contra o Sport, torço para que o Sport suba, vai ser bom pra Pernambuco. Sou tranquilo. Não é porque eu joguei no Santa Cruz que tenho raiva do Sport, tenho raiva do Náutico. Jamais. Futebol daqui deu uma parada geral, tem que voltar pra crescer de novo.

Perturbava em concentração?

- Não, nunca dei trabalho não. Sou um cara certinho. Meu negócio era brincar e tomar meu gelinho.

Com a bola, tu conseguiu conquistar o quê? Qual é teu patrimônio hoje?

- Vou ser bem sincero, minha casinha, casa da minha mãe, que dei um grau. Mas questão de construir coisas... Porque não teve como. Como vou construir, tipo, vou receber um mês e passar dois, três meses, para receber. E ainda mais o valor que eu recebia.

Só o Santa Cruz era desmantelado em relação à falta de pagamento ou teve outros?

- Não. O Remo, né? Pior escolha. Fui visando dinheiro. Eu recebia um valor no Santa Cruz e os caras vieram com R$ 30, R$ 40 mil conto, não tem como você não correr. Se eu tô ali há três anos no clube e não tô recebendo dinheiro, eu vou pra onde... Infelizmente não foi o que esperava. Mas faz parte, você acertar ou não.

E o futebol? Ainda tá jogando...

- Tenho 38, quase parando. Chega o recurso para pagar minhas contas e não tem coisa melhor. É que nem eu digo: você paga suas contas em dias e paga alimentação, tá tudo tranquilo. Riqueza vem depois. A questão da bola: se for negócio perto, se vale a pena, beleza. Não vou sair daqui para canto longe, não vou. Foi boa no Sete de Setembro, os meninos tudo sub-20, Série A3 do Pernambucano, uma assistência e dois gols. Tá ruim? Tá não. É prova que tenho lenhazinha pra queimar. Tem essa questão: vou continuar jogando.

Lá atrás, quando tu estava no Sport, quem mais te abraçou daquele grupo e te deu uns conselhos?

- Fumagalli. Subi em 2007, Sandro Goiano também teve um treino esse negócio de nome. Parece mentira. Ele falou: qual é teu nome? Aí eu Flávio. Ele: de que? Eu: só Flávio. Ele disse: bota algum nome, pô. Flávio Recife, porque Flávio tem muitos. Fumagalli quando eu subi... Ele falou: fica à vontade e qualquer coisa... o Ewerton volante. Ele chegava (Fumagalli), ó, fica à vontade, se precisar de alguma coisa, e aí você ia observando e jogando. Ele dava toques pra gente. Sandro Barbosa deu mais orientação quando eu cheguei no Santa, sempre dava conselho. E eu escutava, porque os caras têm história no futebol.

Assista: tudo sobre o Santa Cruz no ge, na Globo e no sportv

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