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Por Bruna Campos e Gabi Lomba* — Tóquio e Rio de Janeiro


Vocabulário da Diversidade: atletas paralímpicos explicam termos que devemos evitar

Vocabulário da Diversidade: atletas paralímpicos explicam termos que devemos evitar

Qual a primeira palavra que vem à cabeça quando você pensa em Paralimpíadas? Se a resposta é superação, você definitivamente precisa ouvir o que os atletas têm a dizer. Eles querem superar algumas coisas, sim: a distância, o tempo, os adversários...mas não a deficiência. Dizer que alguém é um exemplo de superação apenas por causa da deficiência é reduzir sua trajetória. É ser capacitista. As pessoas com deficiência (PCD) não são coitadinhas.

Calma! Não estamos menosprezando o esforço de ninguém. Chegar às Paralimpíadas é um feito gigante. Reduzir o atleta paralímpico a alguém que superou algo é minimizar o que ele realmente é: uma pessoa extremamente talentosa e competente no esporte. Edênia Garcia, dona de três medalhas nos Jogos, explica como é importante refletir sobre superação x performance.

Os Jogos Paralímpicos começam nesta terça-feira. O SporTV transmite ao vivo cerca de 100 horas de eventos, e o ge acompanha toda a competição em tempo real!

Descrição da imagem: Edenia Garcia segura uma bandeira do Brasil com vários recados. Ela está na frente de uma piscina — Foto: Reprodução/Instagram

- De todas as matérias que fizeram sobre mim, quase 90% são sobre superação. Sempre com esse viés inconsciente: "Só de ela ser atleta já superou a deficiência, é uma guerreira". Não é só isso. Vamos além? O que vem antes: a deficiência ou a pessoa? É a pessoa. Vamos pensar numa pessoa performando, colocando em prática o que treina e se aperfeiçoa diariamente - diz Edênia, que participou, ao lado de Clodoaldo Silva, de um bate-papo com a redação do esporte da Globo.

Descrição da imagem: Edênia Garcia nada na piscina de treino para as Paralimpíadas de Tóquio — Foto: Ale Cabral/CPB.

A gente tem muita coisa para mostrar além da própria deficiência. Ela está aqui, faz parte do contexto. Eu não iria aos Jogos se não fosse minha deficiência, não dá pra deixá-la invisível. Mas é importante focar na performance. É uma linha tênue. Na dúvida, priorize a pessoa antes da deficiência.
— Edênia Garcia

AFINAL, O QUE É CAPACITISMO?

Resumidamente, capacitismo é achar que as pessoas com deficiência são menos capazes do que as pessoas sem deficiência. Ele é estrutural, como o racismo, o machismo e a LGBTQIA+fobia. Quase todos fomos ou ainda somos capacitistas. Por isso alguns se surpreendem quando vêem uma PCD exercendo um direito que deveria ser de todos: estudando, trabalhando, se relacionando.

Ícone do esporte paralímpico, Clodoaldo Silva vai ser um dos comentaristas da Globo nas Paralimpíadas de Tóquio 2020. Ele conta que a evolução nas abordagens vem desde os Jogos de Atenas 2004, primeira edição transmitida ao vivo. E relembra quando, no Mundial de 2010, se confundiu nas provas. Em vez de nadar borboleta, nadou costas.

- Em 2004, lembro que algumas matérias não eram sobre o "Clodoaldo Silva coitadinho", e sim o "Clodoaldo Silva atleta". Em 2010, quando errei a prova no Mundial, no dia seguinte a chamada era "Vexame de Clodoaldo". Os jornais não tiveram peninha, piedade. E eu gostei, pois foi uma tremenda cagada do Clodoaldo (risos). Não tem que passar a mão na cabeça.

Descrição da imagem: Daniel Dias e Clodoaldo se abraçam na entrevista coletiva da Rio 2016 — Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO

NÃO USE DEFICIÊNCIA COMO XINGAMENTO

Na hora de torcer pelos atletas, vale prestar atenção, já que o capacitismo também se manifesta nas palavras. Não use deficiência como adjetivo ou xingamento aleatório (mesmo não direcionado). Ex: chamar alguém ou se autodefinir como "retardado, mongol, autista". Assista ao vídeo no início da reportagem para conhecer mais expressões que devemos evitar.

- Capacitismo é um termo novo. Sempre usei discriminação, preconceito. Vamos ter paciência uns com os outros, a gente está aprendendo. Eu mesma sou uma capacitista em desconstrução – conta Edênia, direto de Tóquio.

De acordo com dados do IBGE de 2019, 25% dos brasileiros têm algum tipo de deficiência. No mundo são 15%, ou seja: cerca de 1 bilhão de pessoas. Pessoas maravilhosamente comuns, como diz o slogan da campanha #NósOs15 (veja o vídeo abaixo).

*Bruna Campos é produtora e cobre esportes paralímpicos desde 2015; Gabi Lomba é editora da home e das redes sociais do ge.globo e mãe de Bernardo, um menino de 8 anos que tem síndrome de Down

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