Um carrossel publicado nas redes sociais de alguns dos principais atletas paralímpicos do mundo, entre eles o brasileiro Petrúcio Ferreira, começa dando aquele susto nos fãs de esporte.
- Anúncio: eu não vou participar dos Jogos Paralímpicos de Paris 2024 - diz, em inglês, a capa do carrossel, acompanhada da hashtag #notplayinggames, que em tradução livre significaria algo como "não estamos brincando de joguinhos".
Passando, para a próxima imagem, vem o alívio.
- Eu vou competir - continua o post, com a imagem do atleta.
E o carrossel segue: "Atletas paralímpicos são comumente descritos pela mídia como 'participantes', não como 'competidores'. Em Paris 2024, é hora de mudarmos isso. Fique ligado nos Jogos Paralímpicos Paris 2024 de 28 de agosto a 7 de setembro."
A campanha do Comitê Paralímpico Internacional provoca e faz pensar em uma das formas mais comuns de discriminação e preconceito contra a pessoa com deficiência: o capacitismo, que se revela não tanto em palavras de ódio, mas em expressões de pena e exclusão. São discursos e atitudes que reforçam a percepção equivocada de que pessoas com deficiência são menos capazes do que as sem deficiência; ou que as excluem do convívio em sociedade pela falta de mecanismos de acessibilidade. Às vésperas das Paralimpíadas de Paris 2024, que acontecerão entre 28 de agosto e 8 de setembro, Petrúcio avalia o quão relevante esse tipo de campanha ainda é.
- A importância de uma campanha como essa é mostrar ao público, ao mundo, que os atletas não estão aqui só por estar. Todos estão aqui para competir, entregar o seu melhor, em busca de performance, de resultados - diz Petrúcio, que, no entanto, afirma não se sentir mais ofendido quando dizem que ele não é capaz, e sim desafiado: - Tento trazer isso não como um desaforo, mas sim como uma forma para que eu consiga mostrar a minha determinação e os resultados, números... Tenho mostrando muito isso, né?
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Sim, Petrúcio tem mostrado muito isso: o velocista é recordista mundial dos 100m e dos 200m rasos da classe T47, para pessoas com deficiência nos membros superiores. Na piscina, uma outra recordista mundial também já se deparou com discriminação e também a combate com braçadas poderosas. Maria Carolina Santiago tem o melhor tempo do mundo nos 50m livre da categoria S12, para pessoas com deficiência visual.
- O capacitismo é real, ele existe na nossa sociedade. Acredito que não só eu, mas qualquer pessoa com deficiência sofre com o capacitismo. Não costumo me afetar muito, tento sempre levar em conta que a grande verdade é que as pessoas não estão ainda conscientes de que a deficiência precisa ser vista como uma característica. É esse movimento que o Comitê Paralímpico Brasileiro faz e que o esporte traz, de que a deficiência é só uma característica e que a gente pode desenvolver nossas capacidades e realizar feitos grandiosos. Isso eu acho que contribui bastante para a mudança da mentalidade da sociedade - acredita Carol: - Acho que o esporte paralímpico tem essa característica de poder mudar a visão da sociedade sobre as pessoas com deficiência.
Entender que atletas com deficiência não são exemplos de superação, e sim esportistas de alto rendimento, que treinam duro em busca de resultados, é o primeiro passo para essa mudança de visão. É o que outra campanha do IPC, lançada em maio, tenta mostrar. No vídeo acima, postado nas redes sociais do Comitê, um desenho animado em clima de conto de fadas mostra atletas de mãos dadas, cantando a música "We All Stand Together" (Estamos todos juntos), de Paul McCartney, em meio a flores e animais fofos. Como acontece no filme "Encantada", da Disney, eles logo acordam para a vida real. A realidade vem com um golpe no peito da atleta de taekwondo britânica Amy Truesdale, emendado com outras cenas, não mais animadas, de competições paralímpicas.
- Queríamos desafiar as percepções e estereótipos que algumas pessoas têm dos Jogos Paralímpicos da maneira mais divertida e criativa possível. Para alguns, as Paralimpíadas são um evento idílico em que os atletas estão despreocupados e felizes por estarem presentes. A verdade é que o esporte paralímpico é altamente competitivo e, às vezes, bastante brutal. Para competir nas Paralimpíadas é preciso ser um atleta de alto rendimento de classe mundial, e mostramos isso no vídeo por meio de ações esportivas em ritmo acelerado - disse Craig Spence, diretor de marca e comunicação do IPC.
Um segundo passo no combate ao capacitismo é buscar fazer a realidade fora do esporte se espelhar no que acontece nas pistas, campos e piscinas dos Jogos. Uma sociedade não capacitista precisa ser inclusiva e investir em mecanismos de acessibilidade, inclusive físicos, com rampas de acesso, pisos táteis e outras soluções arquitetônicas.
E, ao alcance de cada pessoa, está a mudança de mentalidade e de linguagem, quando ela for discriminatória.
Veja alguns exemplos de mudanças simples para um vocabulário não capacitista:
Vocabulário da Diversidade: atletas paralímpicos explicam termos que devemos evitar
- Não use termos como "especial", "portador de necessidades especiais" ou "deficiente". O ideal é ir direto ao ponto: "pessoa com deficiência";
- Deficiência não é doença. A pessoa não "sofre de" ou "padece de" sua deficiência, ela apenas tem a deficiência;
- Não use a deficiência como adjetivo. Não pergunte se a pessoa que não viu algo ou não ouviu algo "está cego" ou "está surdo" ou ainda se está "meio autista", e sim se ela está desatenta, distraída ou desligada;
- Escolha "pessoa com deficiência intelectual" no lugar de "deficiente mental" - e jamais use termos ofensivos como "retardado" ou "mongol" para se referir a pessoas com deficiência intelectual ou para xingar alguém sem deficiência;
- Existem atletas com e sem deficiência. Todos são normais, o atleta sem deficiência não é o único "normal";
- Atletas paralímpicos não são exemplos de superação, são atletas de alto rendimento;
- E não são para-atletas, e sim atletas.
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