Um dos raios que atingiu a região perto da Torre Eiffel na manhã desta quinta-feira me levou para 2006. Uma viagem de 18 anos para o dia em que acompanhei minha primeira prova de marcha atlética. Era ainda a estreia no Troféu Brasil de Atletismo, mas como jornalista. Basicamente, um calouro na ainda praticável pista do Estádio Ícaro de Castro Melo, no Ibirapuera, em São Paulo.
Caio Bonfim conquista a prata olímpica na Marcha Atlética
Naquele dia, decidi que iria assistir até o final a última prova da competição. A ideia era escrever sobre os atletas que não gozavam do glamour dos 100 metros ou da atenção das provas de salto. Fiquei por horas esperando as atletas da marcha fecharem a noite de competição. Tudo por um bom texto para a revista na qual eu trabalhava.
Resisti. Fui premiado. Surgiu uma ótima história sobre uma jovem da marcha que chegava ao final da prova quando as luzes do estádio já estavam quase todas apagadas, as arquibancadas vazias e o único repórter no local era eu.
Nesta quarta-feira, após a chuva, em Paris, o cenário era oposto. Milhares de pessoas nas ruas, a Cidade Luz iluminando os principais atletas do planeta em um circuito que passava pela Ponte de Iena, a que liga a Torre Eiffel ao Trocadeiro. Mais glamuroso, impossível.
E foi em um dos locais mais visitados da capital francesa que o Brasil conquistou a primeira medalha da história da marcha atlética. Caio Bonfim conquistou passo a passo a medalha de prata. Em sua quarta edição de Jogos Olímpicos, depois de quase três décadas dedicado ao esporte que descobriu por meio dos pais, João e Gianetti, ambos ex-marchadores e hoje seus técnicos.
Caio resistiu. Ele já perdeu por muito. Já perdeu por pouco. Mas nunca perdeu a vontade de vencer. O marchador conquistou a medalha inédita para o país após quatro Jogos Olímpicos. Nunca um atleta brasileiro demorou tanto para subir ao pódio pela primeira vez. Foram 12 anos resistindo à tentação de desistir em uma modalidade que o Brasil compete nos Jogos há 36 anos.
E marchar é resistir. Às críticas, às desconfianças, às piadas. Como o próprio medalhista olímpico disse: não é fácil, no Brasil, escolher entre ser jogador de futebol e ser um marchador.
Nem mesmo dentro do atletismo a marcha atlética arranca suspiros apaixonados. Pelo contrário. Muito atletas vão para a marcha depois de serem negados na velocidade, nos saltos, nos lançamentos... Mas Caio, que já quis ser jogador de futebol, resistiu. Caio, João, Gianetti resistiram. Às voltas nos circuitos, às voltas que a vida dá.
Ao conquistar a medalha de prata em Paris, Caio inspirou novos futuros marchadores. E também aqueceu o coração de atletas que não chegaram a uma edição olímpica, mas que ainda hoje sonham com uma participação nos Jogos. Uma dessas belas histórias é a de Aline Sausen, fisioterapeuta brasileira que vive em Lausane e que sonha em integrar a equipe da Suíça nas Olimpíadas.
Ela estava em Paris no dia da medalha histórica do Caio. Festejou com a família Bonfim às margens do Sena. Sob a sombra da Torre, marchou ao lado de Gianetti e Caio para celebrar a conquista dos amigos e ex-companheiros de ruas e pistas. Aline também estava naquela noite de 2006, em São Paulo, quando as luzes do Ibirapuera se apagavam para os últimos atletas da pista. O destino quis que 18 anos depois visse a resistência vencer. Não mais sob à sombra, mas sob o sol de Paris.
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