Crise política, técnico holandês e um sonho: Curaçao mira a Copa de 2026

Federação está sob intervenção da Fifa, mas seleção, treinada por experiente Dick Advocaat, soma bons resultados nas eliminatórias. Time joga nesta sexta-feira pela Liga das Nações da Concacaf

Por Thales Soares — Rio de Janeiro


Defesa de Eloy Room do Curaçao contra a Argentina

O sonho de jogar uma Copa do Mundo ganhou ainda mais ares de realidade para países que integram o bloco da Concacaf. Como Canadá, Estados Unidos e México já estão classificados por serem as sedes da 2026, o leque se abriu. Entre seleções pouco conhecidas, mas com muita esperança e o desafio de superar uma crise política, está Curaçao. Que sonha em ir ao seu primeiro Mundial.

O time dessa pequena ilha caribenha iniciou as eliminatórias com duas vitórias em dois jogos. E conta com o experiente holandês Dick Advocaat, ex-técnico da Holanda, Bélgica, na missão de perseguir a classificação inédita à Copa do Mundo.

Enquanto espera o retorno da competição mais importante apenas em junho de 2025, a seleção segue em busca de evolução e entra em campo nesta sexta-feira pela Liga das Nações B da Concacaf (segunda divisão), contra Santa Lúcia, às 18h (de Brasília).

— Eu me sinto bem e confiante. Somos como uma família quando estamos juntos. Acredito que seja possível (a classificação). Nós temos potencial e, com as grandes seleções da nossa região já classificadas, temos mais chances. É um momento muito importante para todos os países do Caribe — disse Eloy Room, goleiro e capitão da seleção, que como grande parte dos jogadores da equipe nasceu na Holanda, mas tem familiares em Curaçao, país que escolheu para defender.

Visita do primeiro ministro de Curaçao antes do jogo de pela Liga das Nações B — Foto: Federação de Futebol de Curaçao

— Todos temos uma conexão grande com a Holanda, pois muitos de nós nasceram no país. A Holanda nos apoia. Mas muitos familiares vivem na ilha. Eu nunca morei em Curaçao. É sempre bom encontrá-los. Nos dá ainda mais orgulho de representar nosso sangue. É uma honra representar o meu país como capitão. Algo que eu sempre sonhei — comentou o jogador, de 35 anos, em entrevista ao ge.

No entanto, apesar do sonho e do bom começo de uma ilha considerada um paraíso, uma crise política tomou conta da Federação de Futebol de Curaçao, que em 2011 se tornou sucessora da União de Futebol das Antilhas Holandesas, com a dissolução das Antilhas Holandesas. No momento, a Fifa precisou fazer uma espécie de intervenção para promover novas eleições, depois da renúncia do então presidente Ramiro Griffith, no dia 15 de agosto.

As competições do país estão paralisadas desde o início do ano pela crise, que vai desde voto de desconfiança dos membros da federação até débitos financeiros. Mesmo assim, a seleção segue trabalhando sob o comando do técnico holandês Dick Advocaat, de 76 anos de idade, que está no cargo desde junho deste ano, quando liderou o time nas duas vitórias pelas eliminatórias sobre Barbados (4 a 1) e Aruba (2 a 0). Consagrado na profissão, ele tem no currículo as participações nas Copas de 1994, com a Holanda, e 2006, com a Coreia do Sul.

- A influência dele é muito grande. É uma lenda - afirmou Eloy, que defendeu o Vitesse, da Holanda, na temporada passada, e teve sua primeira oportunidade na seleção de Curaçao em 2015, quando a equipe era comandada por Patrick Kluivert, que defendeu por muitos anos a seleção holandesa.

Eloy Room, goleiro e capitão de Curaçao, durante os treinos para enfrentar Santa Lúcia — Foto: Federação de Futebol de Curaçao

— Não poderia negar o chamado de uma lenda — comentou Eloy, que aproveitou as férias para acompanhar a Eurocopa ao lado da sérvia Zorana Jovanovic, sua namorada.

Os treinos da seleção foram realizados na Holanda. O time chegou no começo da semana em Granada, onde será o jogo contra Santa Lúcia, no Estádio Kirani James. Esse trabalho na Europa antes dos jogos é comum pelo fato de os jogadores atuarem no continente e facilitar o encontro com o treinador.

Fora da presidência, Ramiro Griffith, que atuou como jogador de futebol em clubes da primeira divisão na Holanda, foi o responsável pela contratação de Advocaat para o cargo. No entanto, até mesmo a troca constante de treinadores ao longo do período em que esteve à frente da federação foi motivo de críticas e gastos excessivos. Mesmo fora, ele confia na continuidade dos bons resultados da seleção.

Dick Advocaat comanda treino de Curaçao — Foto: Federação de Futebol de Curaçao

— Não foi uma surpresa (as duas vitórias nos dois primeiros jogos). Trabalhamos duro para isso e estamos melhorando. Já estivemos melhores ranqueados na Fifa (atualmente está no 86º lugar, mas chegou a ser 68º em julho de 2017). Mas é a nossa melhor chance de classificação para a Copa do Mundo — explicou Ramiro, em entrevista ao ge.

Ele acredita que haja cerca de 10 mil pessoas praticando futebol no país. Segundo Ramiro, há 28 clubes afiliados, além de outra federação para jogadores veteranos.

— Ainda há muitos jogadores que podemos recrutar, especialmente atuando na Holanda, Europa e Estados Unidos. A Academia Blue Wave (Onda Azul) foi iniciada para crianças entre nove e 15 anos de idade, que treinam três vezes por semana. Isso é com base no processo de desenvolvimento da Fifa — afirmou Ramiro, que também publicou uma carta e um vídeo nas redes sociais da federação na sua despedida do cargo, exaltando inclusive a marcação de um amistoso recente com a Argentina, no qual Curaçao perdeu por 7 a 0.

Argentina x Curaçao - Melhores Momentos

A Fifa publicou uma nota no dia 28 de agosto informando sua decisão sobre a situação de Curaçao. Foi apontado um comitê de normalização para a Federação de Futebol de Curaçao, depois de uma consulta com a Concacaf para verificar a crise da entidade e garantir eleições justas e transparentes, além de retomar as competições paralisadas no país e fazer o ajuste financeiro. O prazo final para a resolução das questões é 30 de abril de 2025.

Vídeo de despedida de Ramiro Griffith

Regulamento das eliminatórias

Na Concacaf, a primeira fase das eliminatórias conta com 30 seleções divididas em seis grupos. Curaçao disputa duas vagas na fase final com Aruba, Barbados, Haiti e Santa Lúcia. As duas primeiras colocadas de cada grupo se classificam. Na segunda fase, serão três grupos com quatro seleções em cada, e apenas a campeã de cada grupo garante vaga na Copa do Mundo de forma direta. Os dois melhores segundos colocados vão para a disputa dos playoffs entre confederações.

Nos playoffs, além dos dois times da Concacaf, estão um representante de cada confederação (AFC, CAF, Conmebol e OFC). As seis equipes serão classificadas de acordo com o ranking da Fifa. As quatro piores serão divididas em dois grupos de duas seleções que jogarão em duas partidas de eliminação simples. As vencedoras enfrentarão as duas mais bem classificadas em outro conjunto de partidas eliminatórias, decidindo as duas últimas seleções garantidas na Copa do Mundo de 2026.

Eloy Room, goleiro de Curaçao, troca camisas com Lionel Messi após amistoso com Argentina — Foto: Reprodução/Instagram