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Por Rafael Bizarelo — Rio de Janeiro


Em 1914, a Europa era devastada com a Primeira Guerra Mundial. A França, centro do conflito, era dividida por trincheiras de britânicos, franceses e alemães. Tiros, arames, mortes e muito sofrimento marcavam as vidas dos inimigos, a maioria jovens que matavam e morriam pelas suas nações. Há 110 anos, no Natal, os soldados deixaram a Grande Guerra para trás e decidiram celebrar data. Os idiomas eram diferentes, assim como as tradições de cada país. A união foi apenas uma: o futebol.

Trégua de Natal de 1914 parou Primeira Guerra Mundial para jogo de futebol — Foto: Reprodução

Em casa até o Natal

Esse não era o primeiro conflito entre grandes nações europeias. No Reino Unido, uma frase não saia das conversas entre os soldados. "Estaremos em casa até o Natal", diziam os membros do Exército Britânico. A expectativa era exatamente essa entre os comandantes.

Ainda era uma Europa em formação (a Primeira Guerra, inclusive, moldou grande parte das fronteiras atuais do continente), com países recém-formados e muitas monarquias ainda no poder. No Reino Unido, reinava George VI. Ele era aliado de Nicolau II, czar do Império Russo, e os dois estavam do lado oposto de Wilhelm II, do ainda novo Império Alemão. Os três, porém, eram primos. Os governos (com nomes diferentes no poder) estavam do mesmo lado poucos anos antes, quando a Aliança das Oito Nações lutou contra a Dinastia Qing, da China, na Guerra dos Boxes.

O kaiser Guilherme 2º (à esquerda) e o czar Nicolau 2º (à direita) eram primos do rei britânico George 5º (ao centro) — todos faziam parte da família da rainha Vitória — Foto: Getty Images/BBC

A Europa era dividia por Tríplice Entente (França, Reino Unido e Rússia) e Tríplice Aliança (Alemanha, Itália e Áustria-Hungria). Os interesses por colônias, poder militar e revanchismo de outros conflitos do século 19 e no início do século 20 já aqueciam o continente. O conflito começou com a declaração de guerra da Áustria-Hungria contra a Sérvia, em 28 de julho.

Era um tanto quando inimaginável que o conflito de 1914 fosse durar o tempo que durou. A guerra acabou em 11 de novembro de 1918, mais de quatro anos depois. As tropas dos dois lados pouco avançaram por terra por conta da guerra de trincheiras.

A trégua

Longas faixas de terra cavadas no solo com (pouco) espaço para abrigar os combatentes eram usadas pelos dois lados do conflito. Os inimigos, porém, ficavam muito próximos, muitas vezes com uma distância menor que 100 metros entre as trincheiras.

Trincheira do Exército Britânico em 1914 — Foto: Universal History Archive/Universal Images Group via Getty Images

O espaço entre as duas trincheiras era chamado de "Terra de Ninguém". Tréguas não eram incomuns no início da guerra, e soldados avançavam pelo espaço com bandeiras brancas para buscar feridos ou corpos para sepultamentos.

Foi entre duas trincheiras que uma trégua ficou mais conhecida. No dia 24 de dezembro de 1914, há 110 anos, soldados britânicos e alemães uniram-se em Frelinghien, na França, para a disputa de uma partida de futebol que comemorou o Natal. Um dos jogos contou até com uma taça de cerveja dos alemães como prêmio.

Soldados na trégua de Natal de 1914, durante a Primeira Guerra Mundial — Foto: Daily Mirror/Mirrorpix/Mirrorpix via Getty Images

Tudo começou quando os alemães começaram a cantar "Noite Feliz", canção natalina com versão em diversos idiomas, e os britânicos responderam da mesma forma. Em um breve momento de paz no meio da Grande Guerra, os combatentes largaram as armas para celebrar a data. Isso não aconteceu apenas em Frelinghien, mas em diversos outros postos do conflito.

Não faltam relatos de partidas de futebol na frente ocidental, mas não existem registros de uma partida formal ou de resultados dos jogos. Diversas fontes apontam para o placar de 3 a 2 em um duelo entre britânicos e alemães em Saint-Yves, na Bélgica, mas não se sabe quem venceu.

Cartão celebrando a trégua de Natal de 1914 — Foto: Fototeca Gilardi/Getty Images

A verdade é uma só: a trégua deu o que falar na Europa na época, seja de forma positiva ou não. Cartazes divulgando o cessar-fogo foram espalhados entre os alemães, e jornais britânicos celebraram a atitude. Os oficiais, porém, não aprovaram a ideia, tratando a atitude como algo que poderia enfraquecer a imagem de cada lado. Nos últimos anos da Primeira Guerra, os comandantes proibiram confraternizações entre os inimigos.

Futebol na Grande Guerra

O futebol não estava presente apenas da trégua. Na época, o esporte já era altamente popular no Reino Unido e na Alemanha. A Football Association (FA), entidade que controla o futebol inglês, já tinha 51 anos, e a Football League já era disputada desde 1888.

17º Batalhão de Serviço da Infantaria do Exército Britânico, o Batalhão do Futebol — Foto: Reprodução

A prática do esporte era encorajada pelo Exército, que queria os soldados britânicos em forma para a guerra. Muitos jogadores, inclusive, foram estimulados a servir no conflito, e foi o que aconteceu.

O 17º Batalhão de Serviço da Infantaria ficou conhecido como o Batalhão do Futebol. Frank Buckley, na época jogador do Bradford City, foi o primeiro na turma inicial de 30 jogadores. Em 1915, 122 atletas de futebol se inscreveram no batalhão. Lyndon Sandoe, jogador do Cardiff City, recebeu a Medalha de Conduta Distinta e a Medalha Militar pelos serviços.

Exército Britânico chamou jogadores de futebol para Primeira Guerra Mundial — Foto: Buyenlarge/Getty Images

Vivian Woodward, capitão no bicampeonato olímpico de 1908 e 1912 com o Reino Unido, também lutou na Grande Guerra, sendo capitão (agora militar) do 17º. Walter Tull, primeiro oficial negro do Exército Britânico e também ex-jogador, também fez parte do batalhão.

Esse não foi o único batalhão de destaque com jogadores. Na Escócia, também parte do Reino Unido, o 16º Royal Scots contou com 16 jogadores do Hearts, grande equipe do país.

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