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Por Rodrigo Lois — Rio de Janeiro


O desfecho do caso Lassana Diarra pode revolucionar o futebol, em especial no aspecto das transferências de jogadores. O ge explica abaixo os principais pontos dessa história, que teve julgamento no Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) nesta sexta-feira.

Caso de Lassana Diarra pode revolucionar o sistema de transferências do futebol — Foto: Getty Images

Quem é Lassana Diarra?

Hoje aposentado do futebol, Lassana Diarra nasceu no dia 10 de março de 1985, em Paris. Ele foi profissional por 14 anos, jogou como volante, defendeu a seleção da França em 34 jogos e passou por grandes clubes da Europa, como Arsenal, Paris Saint-Germain e Real Madrid — chegou a vestir a camisa 10 do time espanhol.

Entenda o caso Lass Diarra que pode mudar completamente o mercado de transferências

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Como começou o caso?

Diarra teve uma saída conturbada do Lokomotiv Moscou, em 2014. Na ocasião, ele ainda tinha um ano de contrato com o clube russo, quando reclamou publicamente de redução salarial. O volante também descobriu que o seu vínculo com o Lokomotiv havia sido rescindido.

O Lokomotiv levou a disputa para a Câmara de Resolução e Disputas da Fifa, que condenou o atleta a pagar 10,5 milhões de euros ao clube. Diarra ficou sem exercer as atividades de jogador profissional por um ano, porque nenhum outro clube quis assumir esse pagamento.

Ao mesmo tempo, o volante recebeu uma oferta do Charleroi, da Bélgica. Mas havia uma condição: a Fifa precisava confirmar que Diarra poderia se transferir, sem eventuais pagamentos ao Lokomotiv. Essas garantias não chegaram, e o Charleroi desistiu da contratação. O meio-campista resolveu entrar na Justiça contra a Fifa e a liga de futebol da Bélgica. Anos se passaram, e o caso parou no Tribunal de Justiça da União Europeia.

Lassana Diarra se despediu do futebol em 2018/19, após passagem pelo PSG — Foto: Getty Images

O que estava em julgamento?

O TJUE avaliou se o Regulamento da Fifa sobre o Status e Transferência de Jogadores (RSTP), no que diz respeito à rescisão de contrato de um atleta antes do término "sem justa causa", feria a legislação da União Europeia. O regulamento prevê que o novo clube é responsável solidariamente pelo pagamento de indenização.

— Essa decisão mexe num dos pilares mais significativos do sistema de transferências e do sistema legal da Fifa: a sanção disciplinar. Ela é a base para impedir algumas condutas. A sanção para um clube é o transfer ban, mas para o atleta é a suspensão. Foi exatamente isso que essa decisão derrubou. Um atleta não poderia ser suspenso após rescindir contrato sem justa causa, e o novo clube também, de acordo com a decisão, não o seria — explicou Cristiano Caús, advogado especializado em direito desportivo e sócio do CCLA Advogados.

Qual é a questão central do caso?

O ponto é se a Fifa pode impedir alguém de trabalhar em outro clube como resultado de uma condenação e de uma aplicação de sanção disciplinar. No caso de Lassana Diarra, de um jogador que rescindiu contrato sem justa causa. Ele pode revolucionar o futebol porque afasta a possibilidade de punição a jogadores e clubes em casos parecidos, quando um contrato é rescindido sem justa causa. No caso de um atleta, a sanção seria a suspensão, e para o clube que o contratou, o transfer ban.

O caso de Diarra ainda está em tramitação na Justiça da Bélgica. Ele está relacionado a dois pontos importantes das leis da União Europeia: a liberdade de movimento para indivíduos e a preservação de concorrência em mercados internos.

Há exemplos semelhantes?

Especialistas consultados pelo ge mencionaram o caso Bosman, que começou em 1995 e teve a sentença assinada no final de 1996. Ele estabeleceu paradigma porque permitiu a jogadores com passaporte de países da Europa a trabalhar em qualquer nação da comunidade. Esse caso fez com que a Fifa reavaliasse as regras de transferência.

Mais recentemente, houve o caso envolvendo o Santos e o meia-atacante peruano Cueva. A Corte Arbitral do Esporte manteve a decisão da Fifa de que ele não tinha justa causa para deixar o clube e ir para o Pachuca. Foram condenados a indenizar o Santos em R$ 23,9 milhões.

O Tribunal de Justiça da União Europeia, em Luxemburgo — Foto: Getty Images

Qual foi a decisão?

O Tribunal da União Europeia entendeu que as regras de transferência da Fifa violam as leis da UE. O tribunal afirmou que tais regras "impõem riscos legais consideráveis, riscos financeiros imprevisíveis e potencialmente muito altos, bem como grandes riscos esportivos sobre os jogadores e clubes que desejam contratá-los". A decisão também apontou que essas diretrizes têm como objetivo a "restrição da concorrência" e que “não parecem ser indispensáveis ​​ou necessárias”.

— Assim como o caso Bosman, a decisão final no caso em andamento poderá trazer consequências no mundo inteiro, e não só nos limites da União Europeia, considerando que as regras deverão ser aplicadas uniformemente a todos os membros associados à Fifa. As consequências não serão imediatas, o processo ainda está em curso perante o judiciário belga — disse Pedro Sousa, do escritório Bichara & Motta Advogados.

Quais são as consequências?

É cedo para saber os desdobramentos do julgamento de hoje. Se no final o resultado for favorável à Fifa, nada muda. Em sentido contrário, é provável que haja uma correção técnica ou legal ao atual sistema de transferências. Exemplos semelhantes ao de Lassana Diarra, suspenso por mais de um ano, devem se tornar raros.

— Todos os jogadores profissionais que foram afetados por essas regras ilegais (em vigor desde 2001!) podem buscar compensação por suas perdas. Estamos convencidos de que esse "preço a pagar" por violar as leis da UE vai, enfim, forçar a Fifa a se enquadrar e acelerar a modernização de sua governança — afirmaram Jean-Louis Dupont e Martin Hissel, advogados de Diarra.

No contexto mais amplo, vislumbra-se a perda de força dos clubes em negociações de contrato e transferências. Por outro lado, jogadores e seus representantes ganham. Há o receio de que mais vínculos sejam quebrados, de maior incerteza jurídica. Para muitos clubes na Europa, vender e/ou comprar jogadores é seu propósito e modus operandi.

Especialistas apontam que a falta de sanções em casos parecidos permitiria a atletas e clubes ignorarem os contratos vigentes e iniciarem um novo vínculo sem estarem sujeitos a punições. Representantes dos jogadores, porém, veem com bons olhos as possíveis consequências da decisão.

Ponto de apoio a Diarra ao longo dos anos, o sindicato internacional de jogadores profissionais de futebol (FIFPro) se manifestou sobre o desfecho do caso. A FIFPro elogiou a decisão da corte, ao compreender "obstáculos e empecilhos" desse mercado, e pode beneficiar milhares de atletas, em atividade ou já aposentados.

— O Tribunal deixou claro que a carreira de jogador é curta, e esse sistema abusivo pode levar à aposentadoria prematura de um atleta. As atuais regras, afirma o tribunal, não contribuem para a proteção dos direitos dos trabalhadores. Graças ao julgamento de hoje, a Fifa vai ser forçada a atacar isso. O julgamento revoluciona a governança do futebol na Europa — declarou a FIFPro, em nota.

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