No dia 20 de novembro de 2023, exatamente um ano depois da abertura da Copa do Mundo, o Xeque Tamim bin Hamad bin Khalifa Al-Thani, Emir do Catar, recebeu uma carta. Em tom diplomático, mas firme, o documento assinado por profissionais que atuaram na organização do Mundial de 2022 faz uma denúncia e uma cobrança.
Segundo a carta, 1,1 mil trabalhadores estrangeiros que trabalharam no Catar antes, durante e depois da Copa do Mundo não receberam os bônus a que afirmam ter direito por parte do Supremo Comitê para Entrega e Legado, como era chamado o comitê organizador local da Copa de 2022. Os funcionários cataris, cerca de 100 pessoas, receberam esses pagamentos.
Para os signatários da carta, a decisão de só pagar os bônus aos cataris e não aos estrangeiros, que formavam a maior parte da força de trabalho, é uma clara forma de discriminação. Eles são profissionais de 50 países diferentes. O ge procurou o Comitê Supremo e o governo do Catar, e não obteve resposta.
O documento apela ao xeque, a autoridade máxima do país, para "reconsiderar a decisão de excluir os estrangeiros do pagamento de bônus". A carta diz ainda que "tal gracioso gesto seria um exemplo do reconhecimento às inestimáveis contribuições e uma defesa dos nobres princípios de inclusão e justiça, independentemente de nacionalidade".
O apelo ao Emir do Catar foi o mais recente – e mais forte – apelo desses profissionais para receberem os bônus. Antes disso houve tentativas de contato com outras autoridades do país. Todas receberam o mesmo tratamento: foram ignoradas.
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No grupo de funcionários que reclamam o pagamento dos bônus há cerca de 100 brasileiros. Por ter recebido a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, o Brasil se tornou um fornecedor natural desse tipo de mão de obra qualificada. O ge ouviu brasileiros e profissionais de outros países, que preferiram falar em condição de anonimato.
Segundo os relatos ouvidos pela reportagem, o pagamento de bônus não estava previsto nos contratos – mas é uma praxe no Catar e no Oriente Médio. Tanto que houve pagamentos de bônus para alguns profissionais estrangeiros nos anos anteriores a 2022. Tampouco estariam previstos os pagamentos para os nacionais cataris, mas eles receberam.
O cálculo do pagamento dos bônus é complexo, e prevê valores que variam de acordo com a posição de cada profissional, sua remuneração e seu desempenho.
Os salários de quem trabalhou na Copa do Mundo eram compostos de uma remuneração base e uma série de complementos: auxílios para transporte, moradia, gastos com equipamentos, alimentação e outros. Ao fim de cada ano de trabalho, dependendo da avaliação, um profissional poderia ganhar um salário base de bônus, ou um salário completo (incluindo os extras), ou até mais, podendo chegar a até cinco salários.
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Após o fim da Copa do Mundo, o Comitê Supremo reduziu seu quadro de funcionários estrangeiros de 1,1 mil para cerca de 300 pessoas. O próximo grande evento de futebol a ser organizado pelo país é a Copa da Ásia, em janeiro e fevereiro de 2024.
De acordo com os relatos de funcionários e ex-funcionários, em junho deste ano eles chegaram a receber um e-mail com informações sobre suas contas bancárias – o que foi interpretado como um sinal de que os bônus relativos à Copa do Mundo de 2022 seriam pagos.
Meses depois, não houve nenhuma atualização. Os profissionais que agora levaram a cobrança à mais alta autoridade do país pediram para ser comunicados formalmente que os bônus não seriam pagos. Mas nunca obtiveram resposta.
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