O sonho de ser jogador de futebol é compartilhado pela maioria das crianças do Brasil e de muitos outros lugares do mundo. Mas a história de Lenny Lobato, um jovem natural da cidade de Búzios, no estado do Rio de Janeiro, chama a atenção pelo caminho escolhido para tentar concretizar seus planos.
Para furar a bolha de poucas oportunidades no mundo da bola no Rio, Lenny deixou o Brasil e foi para a Argentina em busca de testes e peneiras. E hoje faz parte do elenco profissional do Vélez Sarsfield, disputando a Copa Libertadores. Está entre os relacionados para enfrentar o River Plate no jogo de ida das oitavas de final, nesta quarta-feira - o ge acompanha a partida em Tempo Real, às 21h30 (de Brasília).
- Eu vim pensando em fazer teste nos clubes e tentar conseguir alguma coisa. Eu fiz teste no Old Boys, passei, mas eu não tinha identidade argentina, então eles não podiam me inscrever. Fiz teste no Argentinos Jrs, acabei não passando, e depois no Vélez. Fiz dois testes e passei nos dois, e depois fiquei direto com o grupo - lembra Lenny, que tem 21 anos hoje.
A aventura argentina do brasuca começou em 2017, quando ele tinha apenas 16 anos, e não foi uma escolha aleatória. Lenny é fruto brasileiro de uma família argentina - seus pais viajaram de férias para Búzios na década de 1990 e se apaixonaram pela cidade, uma das mais turísticas da Região dos Lagos. Voltaram para morar em meio a uma vasta colônia argentina no local, e geraram Lenny, que nasceu e foi criado na cidade.
Foi jogando futebol na rua com os amigos que nasceu o sonho de ser jogador, cultivado também nas escolinhas da região. Aos 15 anos, notando o próprio talento, Lenny tentou buscar oportunidades no Rio de Janeiro e foi aprovado em um teste no Madureira, onde permaneceu por apenas quatro meses, sem receber minutos na equipe juvenil. Em meio a grande dificuldade para realizar os testes, não só pela distância, mas pelo trabalho da mãe, Gabriela, teve a ideia: procurar uma chance na terra de sua família.
Notando a quantidade de clubes profissionais em Buenos Aires, onde tem diversos parentes, o brasileiro propôs à mãe ir morar na Argentina e tentar realizar testes. Então, aos 16 anos, foi recebido pelo tio, Gianpiero, que deu força ao sonho e passou a ser chamado de pais por Lenny.
- Aqui, eu tinha família, e em Buenos Aires tem muitos clubes. Então, falei com meus tios, consegui vir para cá. E um tio meu que é torcedor do Vélez, num dia em que estávamos juntos, viu no site do Vélez quando tinha teste. E a gente conseguiu o dia, marcamos o teste e eu vim fazer. Eu estava muito decidido. Tem muito clube aqui, pensava que alguma coisa eu ia conseguir - relata.
Entre zoações e pancadas
No primeiro teste, entre 200 atletas, Lenny conseguiu ser aprovado, mesmo sem estar amparado por empresários ou indicações. No segundo, com 100 jogadores, voltou a chamar a atenção: um gol e duas assistências foram o passaporte para integrar as categorias de base do Vélez.
- Hoje em dia eu falo com os dirigentes, treinadores de base, e eles falam que meu caso é muito raro. Chegar em um teste geral, que tinha mais de 200 no primeiro e mais de 100 no segundo, são testes que eles mesmos falam que nem olham para os jogadores, de tanta gente. Tive sorte que no dia que eu fui me destaquei e me olharam. Mas é uma situação muito difícil.
Quando Lenny realizou os testes, ninguém ao redor sabia que tratava-se de um jogador brasileiro: sua inscrição continha apenas o nome e a posição. A partir do interesse, o clube tratou de conduzir todo o processo para que o jogador tivesse a documentação argentina e pudesse ser inscrito como atleta. Aos poucos, os companheiros passaram a notar que tratava-se de um brasuca no futebol argentino, e as zoações de uma velha rivalidade passaram a vir à tona.
- Tinha zoação sempre, o 7 a 1 era recente. Agora que perdemos a final (da Copa América) para a Argentina também, mas é muito boa a relação. Muitos falam que somos hermanos, e essa é a relação, não tem relação de briga. Em Búzios também tem muito argentino, muita irmandade.
A parte das brincadeiras foi tranquila para Lenny, mas em campo a dificuldade foi maior por um aspecto específico do futebol argentino. O brasileiro sentiu a diferença entre um jogo mais pegado, com mais pancadas.
- Aqui é muito pegado, batem demais, muita marcação forte. No começo, não gostava, não estava acostumado a apanhar tanto. Agora, eu continuo apanhando e acho que não apanho, acho que acostumei. A marcação muda muito, a raça. Aqui acho que é mais passional, então eles batem mais, jogam a vida em campo. Eu não consegui (aprender a dar pancada). Tenho medo sempre. Eu não tinha nem cartão amarelo aqui num torneio sub-18, em 13 jogos. E todos os amigos falavam "Você tem que bater, tem que chegar mais firme". Eu falava "Não sei bater". E aí eu dei uma pancada com três minutos de jogo, levei amarelo e ainda tinha 87 minutos, fiquei com um medo do caramba de ser expulso (risos).
Hoje Lenny Lobato faz parte do elenco profissional do Vélez Sarsfield, em um processo que começou em 2019, quando ele tinha apenas 18 anos. Destaque na base, ele foi convidado para integrar treinos do time superior quando o comandante era Gabriel Heinze. Após treinos pontuais, pôde estrear como profissional em 2021, diante do Camioneros, pela Copa da Argentina. No mesmo ano, foi relacionado para um duelo contra o Flamengo, no Maracanã - um cenário que sempre esteve nos seus pensamentos.
- Foi incrível, desde pequeno sonhava pisar no Maracanã jogando. Quando vim para cá, parei de pensar nisso. E do nada vejo que estou ali, foi uma emoção incrível. Acabei realizando um sonho de criança no meu país, foi incrível - recorda.
Naquela oportunidade, Lenny não foi a campo. Mas agora vem conquistando espaço no elenco aos poucos. O jogador ainda atua com o time sub-23 do Vélez para ter minutos, quando não é relacionado entre os profissionais. Mas em 2022 já pôde ir a campo em duas partidas da Copa Libertadores, diante de Bragantino e Estudiantes - agora, a expectativa é poder enfrentar o River Plate nas oitavas de final ou mesmo encontrar times brasileiros, caso o Vélez avance.
- Temos muita fé no nosso time. Somos novos, temos potencial para ficar evoluindo. Na fase de grupos conseguimos resultados que eram difíceis. E eu gosto de desafio, prefiro jogar contra eles (brasileiros).
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