Quando Philadelphia Eagles e Green Bay Packers tomarem o gramado da Neo Química Arena nesta sexta-feira, em São Paulo, representará muito mais do que apenas o primeiro jogo da NFL no território brasileiro. Será a culminação de uma relação entre liga e Brasil que já passou dos 50 anos de idade, e que se intensificou nos últimos 30 anos.
Se hoje a NFL conta 36 milhões de fãs no país, terceiro maior mercado da liga no mundo, isso se deve a iniciativas que começaram em 1969, quando a TV Tupi transmitiu, pela primeira vez no Brasil, uma partida de futebol americano. De acordo com o site "Viajando por Esporte", do jornalista Paulo Mancha, o radialista Walter Silva foi o responsável por colocar no ar fitas de jogos da liga que recebia da emissora americana CBS.
Logo na primeira transmissão, Walter não entendia nada do que estava transmitindo e fazia comentários comparando o esporte ao futebol inglês, praticado no Brasil. O locutor teve a humildade de convidar, no ar, qualquer um que entendesse daquele jogo a ir ao estúdio para ajudá-lo. O americano Thomas Noonan, um consultor financeiro que vivia em São Paulo na época, atendeu ao chamado e se tornou o primeiro comentarista da NFL no país.
- Walter me explicou que a TV Tupi estava recebendo as fitas da CBS por 18 meses gratuitamente, com a esperança de que uma base de fãs fosse desenvolvida durante este tempo. E então ele me convidou para acompanhá-lo no jogo do domingo seguinte - disse Noonan em 2010 a Paulo Mancha. Ele estrearia na transmissão de um jogo entre San Francisco 49ers e Chicago Bears.
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Após aquele breve período no final dos anos 1960, a NFL só voltaria a ter jogos transmitidos no Brasil no fim da década de 1980, numa iniciativa do locutor Luciano do Valle, à época à frente do "Show do Esporte", programa que ocupava a manhã e a tarde da grade de domingo da TV Bandeirantes. Luciano começou a acompanhar o futebol americano por Júlio Mazzei, professor de educação física e treinador de futebol que foi o responsável em levar Pelé para jogar no New York Cosmos, dos Estados Unidos.
- O Mazzei dizia assim pra mim, "Companheiro, precisamos ver o Giants!"(..) Eu falei, "Mas o que eu vou fazer no Giants, professor?" "Você vai ver que o futebol americano é uma coisa fantástica." Que coisa fantástica coisa nenhuma, não vou. Relutei. Até que um dia ele me levou no Giants. Quando eu vi... Eu falei não, não é possível. O dia que o brasileiro conhecer um pouquinho dessas regras (...) vai ser uma loucura. Comecei a fazer grandes eventos universitários antes de fazer o profissional, o Orange Bowl em Miami no início do ano, e quando eu voltava, quem assistiu, dizia, "É maravilhoso!" - contou Luciano em 2013 no programa "Bola da Vez", na Espn Brasil.
As transmissões inicialmente eram de compactos. Em 1988, a Bandeirantes exibiu ao vivo, pela primeira vez, o Super Bowl, e a TV Manchete transmitiria a grande final entre 1989 e 1991. A partir de 1989, além de transmissões na Band, os jogos começaram a ser exibidos ao vivo também pela TV a cabo TVA, através da Espn Internacional.
NFL começa a fomentar a prática no Brasil
Essas transmissões inspiraram o primeiro "boom" do futebol americano no Brasil, com a formação de equipes no Rio de Janeiro e em Santa Catarina. E em 1994, a NFL faz sua primeira visita oficial ao país, através da iniciativa "Let's Play", uma clínica de flag football ministrada por Mel Owens, linebacker ex-Los Angeles Rams, na capital fluminense.
Owens retornaria mais vezes para clínicas na cidade na década de 1990. Em 2003, foi a vez dos jogadores Tony Gonzalez, à época tight end do Kansas City Chiefs, e Damian Vaughan, à época tight end do Tampa Bay Buccaneers, virem ao Brasil para um desafio do Latin X Games e conhecerem os praticantes do esporte nas praias cariocas, assim como um grupo de flag football liderado pelos paulistas Paulo Arcuri e Cláudio Telesca. Vaughan é filho de uma brasileira e é considerado o primeiro representante do país a jogar na NFL.
Neste momento, entra em destaque também um personagem crucial para a expansão do futebol americano no país: André José Adler. Falecido em 2012, o ex-ator e roteirista atuava desde os anos 1990 como narrador da Espn em jogos da NFL e fazia questão de divulgar qualquer iniciativa brasileira do esporte em suas transmissões. Ele também fazia a ponte entre os praticantes brasileiros e a liga; em 2001, por exemplo, trouxe um troféu confeccionado pela NFL para entregar ao campeão do segundo Carioca Bowl, e em 2003, além de intermediar a vinda de Gonzalez e Vaughan, obteve a doação de 200 kits de prática de flag football para o projeto de iniciação esportiva nas escolas municipais de São Paulo.
Adler também criou o primeiro campeonato nacional de futebol americano, o Torneio Touchdown, que teve sua primeira edição em 2009. Cinco anos depois, com a prática ainda mais estabelecida no território nacional, a NFL realizou sua maior clínica no país até então. O right tackle Breno Giacomini, filho de brasileiros e à época jogador do Seattle Seahawks, ajudou a organizar um evento que contou com jogadores famosos na liga como Marshawn Lynch, Golden Tate e DeAngelo Williams, entre outros, no Rio de Janeiro.
Brasil vira território dos Dolphins
Em 2015, a NFL contratou a agência Effect Sports para ser sua representante no Brasil e fazer um trabalho de divulgação da marca nas redes sociais. A partir de 2019, começa uma exploração sobre a possibilidade de se realizar uma partida no país. E a proximidade aumentou ainda mais em 2021, quando a liga incluiu o Brasil num programa de expansão internacional chamado International Home Marketing Areas (IHMA). Neste programa, as franquias da liga se candidatam a obter os direitos de ativação de marca em um determinado país, e o Miami Dolphins conquistou os direitos sobre o Brasil.
Filipe Luis anuncia escolha do Miami Dolphins no Draft da NFL, direto do Cristo
A partir daí, a franquia da Flórida realizou diversas atividades no país, dentre elas o anúncio de uma escolha no Draft, o recrutamento universitário anual da NFL, feito por Filipe Luís, à época jogador do Flamengo, direto do Cristo Redentor. Os Dolphins também promoveram watch parties de partidas da equipe em São Paulo. No ano passado, o New England Patriots também recebeu o direito de explorar o mercado brasileiro.
Outro evento que mostrou o potencial da liga no país foi a NFL In Brasa, uma watch party para o Super Bowl, realizada em São Paulo em 2023 e 2024. Os dois eventos tiveram enorme comparecimento do público e ajudaram a convencer a liga de que o mercado estava pronto para receber uma partida oficial. Hoje, a liga estima que hajam 36 milhões de fãs brasileiros de futebol americano.
- A gente viu a paixão, a gente viu a demanda e mal podemos esperar para viver o jogo na próxima sexta. Após o jogo de sexta (que obviamente é nosso foco no momento), vamos avaliar oportunidades no futuro para que possamos ter mais jogos no Brasil, mas posso dizer que nosso compromisso com o Brasil é para o longo prazo, é para ser durante o ano inteiro. A NFL reconhece os 36 milhões de fãs da NFL no Brasil e estamos abrindo um escritório no Brasil. Agora com o Luis (Martinez, novo gerente da liga no país) e outros estando no mercado, o Brasil terá um engajamento durante o ano inteiro. Vamos avaliar oportunidades depois deste jogo, mas nossa expectativa é que estaremos de volta ao Brasil nos próximos anos - afirmou Peter O'Reilly, vice-presidente executivo internacional de eventos da NFL e negócios dos clubes.
Philadelphia Eagles e Green Bay Packers se enfrentam nesta sexta-feira a partir de 21h15 (horário de Brasília) na Neo Química Arena, na primeira partida de ambas as equipes na temporada 2024-25. O ge acompanha em Tempo Real.
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