Você é daqueles que não resiste a dar uma olhada nas redes sociais e a conversar no WhatsApp enquanto está na academia? Pois saiba que a utilização prolongada do celular antes e durante os treinos pode prejudicar a execução dos exercícios e os resultados deles, além de aumentar o risco de lesões, de acordo com especialistas e estudos publicados no Brasil e no mundo.
— O uso frequente do celular durante os treinos na academia pode ter consequências adversas para o desempenho físico e mental dos praticantes. A constante distração causada pelas notificações e o tempo gasto nas redes sociais podem diminuir a qualidade do treino, reduzindo a intensidade e a eficácia dos exercícios. Além disso, a falta de atenção ao ambiente ao redor pode aumentar o risco de lesões, especialmente durante exercícios que requerem concentração e coordenação — alerta o diretor de comunicação da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SBMEE), Gustavo Starling Torres.
Consequências do uso prolongado de celular na academia:
- O uso prolongado do celular antes do treino eleva o esforço cognitivo, o que causa uma fadiga mental que influencia na realização dos exercícios e aumenta a percepção de esforço, diminuindo a quantidade e/ou o volume de treino que o indivíduo tolera;
- Durante o período na academia, o uso excessivo de celular pode causar distração, reduzindo a intensidade e o foco do treino;
- Distração com a tela do celular pode prejudicar a postura e levar a uma execução incorreta dos movimentos dos exercícios;
- A ânsia por exposição em redes sociais pode levar a pessoa a uma criatividade fora dos padrões para poder postar algo diferenciado ou viralizar, fazendo exercícios e movimentos inadequados;
- Parar o exercício para checar o celular interrompe o fluxo do treino, reduzindo o tempo de trabalho efetivo e prejudicando a progressão do treinamento;
- Alternar entre o celular e o exercício pode fragmentar o foco mental, dificultando a conexão mente-corpo necessária para realizar os movimentos com precisão e eficiência;
- A falta de atenção ao ambiente ao redor devido ao uso do celular pode aumentar o risco de lesões, especialmente durante exercícios que exigem equilíbrio e coordenação.
Por que o uso de celular na academia prejudica o treino
Professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Leonardo Fortes integra uma equipe que, desde 2015, estuda os efeitos a curto e longo prazo do uso de redes sociais em smartphone sobre o desempenho humano.
— O uso prolongado de redes sociais parece aumentar o esforço cognitivo (leitura e visualização de imagens, áudios e vídeos) em razão da grande quantidade de informações em curta espaço de tempo. Esse esforço cognitivo pode acarretar alterações cerebrais, como redução de oxigenação em áreas frontais do cérebro e alteração do comportamento de ondas/bandas elétricas cerebrais, as quais são caracterizadas como fadiga mental — explica o professor.
— A fadiga mental (sensação de cansaço, falta de energia e letargia) torna o sujeito menos motivado para realizar a tarefa subsequente (o exercício físico, por exemplo), o que pode gerar desengajamento precoce da atividade ou até mesmo acarretar o aumento da percepção de cansaço durante a sessão.
O aumento repentino ou exponencial da percepção de esforço logo no início de uma sessão de exercício físico pode acarretar menor volume ou quantidade de repetições ou exercícios que o sujeito tolera fazer.
— Essa redução de volume de treinamento, repetidamente ao longo de algumas semanas, pode atenuar adaptações neuromusculares (hipertrofia muscular) e cognitivas (recursos atencionais e funções executivas do cérebro) a longo prazo — aponta o especialista, alertando para o comprometimento dos resultados dos treinos.
Um dos oito artigos publicados pelo professor, que atua no Departamento de Educação Física da UFPB, mostra que "utilizar ininterruptamente redes sociais por 30 minutos antes de uma sessão de musculação pode reduzir o volume (quantidade de repetições) nos exercícios".
— A explicação para isso é que 30 minutos de uso de redes sociais acarreta esforço cognitivo e causa fadiga mental. Logo, a fadiga mental compromete o desempenho neuromuscular em uma sessão de musculação — complementa.
Um estudo de 2016 mostrou que pessoas que usam o celular em um treino de 20 minutos ficam mais tempo em baixa intensidade e menos em alta intensidade, comparadas àquelas que se exercitam sem o smartphone.
Outra pesquisa, de 2017, revelou que mandar mensagens de texto durante exercícios reduz equilíbrio e estabilidade em 45%. Falar ao telefone diminui o equilíbrio em 19%, menor do que enviar mensagens, mas ainda arriscado para lesões.
— Distrações como enviar mensagens, trocar músicas ou usar aplicativos durante uma tarefa podem reduzir o desempenho e aumentar o risco de lesões — alerta a diretora científica da Sociedade Brasileira de Atividade Física e Saúde (SBAFS), Daisy Motta Santos.
Ela salienta que usar o celular nos tempos de descanso entre as séries e os exercícios pode atrapalhar o período correto que deve ser seguido. Um estudo de 2016 concluiu que descansar pouco tempo pode prejudicar os ganhos de força e descansar demais pode impedir o estímulo adequado do exercício físico.
— É muito importante manter o foco e a concentração durante o treino. O uso de mensagens de texto e as ligações de celular prejudicam o desempenho em tarefas simultâneas, como manter a estabilidade postural, devido à necessidade de dividir a atenção. O ideal é realmente não usar o celular em nenhum momento. Se o treino for curto, planeje "checar" as mensagens e ligações antes de iniciar e ao final do treino. Se o treino for longo, vale um intervalo de 5 minutos no meio do treino para conferir o seu celular e aproveitar para se hidratar também — recomenda Daisy.
Como usar o celular positivamente
Segundo especialistas, o ideal é deixar o celular de lado durante o treino, mas é possível usá-lo de maneira positiva.
Um estudo de 2015 avaliou o impacto do uso do celular em treino de esteira e concluiu que o uso de smartphone para falar ou enviar mensagens de texto durante o exercício "reduz significativamente a carga de trabalho (ou seja, a velocidade média)", mas que, por outro lado, ouvir músicas "elevou significativamente a intensidade do exercício (velocidade e frequência cardíaca) em relação a todas as outras condições".
— O uso do celular não é algo descartável. Mas é fundamental que seja feito focado nos parâmetros que o professor prescreveu. Utilizando essencialmente nos intervalos, sem desrespeitá-los, ou ao término da sessão de treino — destaca o professor de Educação Física e personal trainer Luiz Guilherme Alves.
— Há maneiras de utilizar o celular na academia de forma inteligente para otimizar o rendimento. A mais tradicional é utilizando aplicativos de música e podcasts para escutar durante o treino. Esses muitas vezes geram foco, prazer e motivação. Também há aplicativos que contam intervalos, cronometram tempo, marcam distâncias, velocidades e até analisam ângulos de movimentos e exercícios. Todos podem tornar o uso do celular algo positivo ao invés de negativo — complementa.
Fontes:
Gustavo Starling Torres é especialista em Fisiologia do Exercício e Medicina do Exercício e do Esporte, diretor de comunicação da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SBMEE) e médico do Corinthians no futebol feminino.
Leonardo Fortes é professor adjunto do Departamento de Educação Física da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Líder do grupo de pesquisa em "Neurociência, Exercício Físico e Desempenho Esportivo" (GENEXDES).
Daisy Motta Santos é diretora científica da Sociedade Brasileira de Atividade Física e Saúde (SBAFS). Formada em Educação Física e Pedagogia, tem Mestrado em Educação Física e Doutorado em Ciências Biológicas (Fisiologia e Farmacologia).
Luiz Guilherme Alves (@lgpersonal) é professor de Educação Física e personal trainer, pós-graduado em Treinamento Desportivo e especialista em Treinamento Funcional.
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