Corridas de rua têm se popularizado nos últimos anos, com uma maior adesão dos brasileiros às atividades físicas. Só que a participação nesses eventos exige uma série de cuidados, especialmente de amadores e dos chamados atletas de fim de semana. Especialistas dizem que é possível correr provas de curta distância sem uma preparação específica, mas há riscos associados, que podem ser evitados com condicionamento e treinamento adequados.
A Associação Brasileira de Organizadores de Corrida de Rua e Esportes Outdoor (Abraceo) não tem dados que atestem a participação maior em provas ao longo dos últimos anos, mas essa é a percepção no mercado, de acordo com o presidente da entidade, Guilherme Celso, principalmente nas distâncias menores (3km, 5km e 10km), justamente aquelas que atraem mais novatos.
— A corrida é um esporte individual em que você se desafia a dar o seu melhor. Isso deixa a barreira de entrada dela mais fácil, já que, para correr, só basta querer. Ao mesmo tempo em que é individual, é coletiva: a corrida promove a socialização e a criação de ambiente de pessoas preocupadas com a qualidade de vida. E nunca antes se bateu tanto na tecla da qualidade de vida e saúde. E pelo volume de provas acontecendo no Brasil todos os finais de semana, a chance de uma pessoa ser impactada e provocada a correr é bem grande — justifica.
O que considerar antes de correr?
Especialistas ouvidos pelo EU Atleta são unânimes em dizer que, antes de se inscrever em uma corrida, é necessário passar por avaliação médica. Obviamente é preciso ter o mínimo de preparo físico para correr, mesmo nas menores distâncias, mas o mais importante é se certificar de que não há restrições de saúde, principalmente de ordem cardiovascular, mas também do ponto de vista ortopédico.
— Uma avaliação pré-participação consiste em um check-up médico em que se faz uma entrevista para avaliar o histórico da pessoa. Dentro disso, se a pessoa nunca fez exames, vamos fazer o básico: exames laboratoriais, cardiovasculares e músculo-esqueléticos para ver se o coração aguenta correr e se não há uma deformidade grave no corpo — explica a médica ortopedista e traumatologista do esporte Ana Paula Simões.
Depois disso, o ideal é que haja uma preparação física para a corrida, preferencialmente com acompanhamento de educadores físicos.
— Mesmo sendo possível disputar uma corrida sem preparação, eleva-se muito o risco de lesões e de se viver uma experiência desagradável — alerta o ortopedista Marcel Fruschein Annichino, especialista em Medicina do Esporte.
Isso é ainda mais perigoso para os corredores sem histórico de atividade física e/ou que não tenham passado por avaliação médica prévia.
— Depende do histórico da pessoa, principalmente do lastro esportivo. Por exemplo, atletas que já jogaram futebol conseguem fazer uma prova de 3km e 5km, em um ritmo leve. Mas isso é muito raro. A maioria das pessoas vem de treinamento progressivo. Se participar de uma prova sem treinar, além de ser arriscado do ponto de vista médico, provavelmente a pessoa não irá conseguir concluir sem caminhar — pondera Ana Paula.
É possível correr sem preparação física?
Corridas de rua exigem preparação específica, segundo os especialistas, embora a musculação seja uma atividade complementar importante.
— Provas de corrida precisam de preparo específico. Normalmente inclui atividades de solo, que são as corridas de menor e maior velocidade, sendo essencial o alongamento antes e depois dos preparos. Musculação é uma atividade complementar, devendo ser realizada de maneira regular. Outras atividades, como ciclismo e natação, por exemplo, não contemplam o preparo para corrida de rua — destaca o ortopedista Celso Cruz.
Segundo o médico, dá para correr provas de pequenas distâncias sem uma preparação específica, mas aquelas de 5km ou acima exigem mais dos praticantes.
— O preparo físico para corridas de médias distâncias é gradual: a pessoa vai começar com intervalos de tempos curtos, com distâncias menores, e com terrenos não acidentados, com isso vai ocorrendo uma progressão. Se a pessoa já tem uma rotina física habitual, consegue em um período de tempo curto, ou seja, de duas a três semanas, fazer o preparo para se submeter a esse tipo de prova. Pessoas sedentárias, eu colocaria períodos maiores. Não colocaria nem de semanas, seria de um a três meses.
Ana Paula tem a mesma recomendação e lembra que a corrida precisa ser prazerosa, e não fonte de sofrimento.
— Se uma pessoa não tem preparação e está com uma corrida agendada, o tempo para se preparar depende do histórico esportivo. Dá tempo para uma pessoa que vem de outra modalidade. Para a maioria, que vem do nada e quer fazer uma prova, precisa de pelo menos 30 dias para uma prova de 3km e, muito raramente, para 5km. Para fazer 5km, são necessários uns dois ou três meses. Se não, a pessoa não vai se divertir, vai fazer a prova com dores e caminhando. Fazer correndo direto e feliz, precisa de tempo, e isso é muito individual.
Riscos de corridas de rua
Se os riscos já existem para quem se prepara adequadamente, embora sejam menores, imagina para quem não passa por avaliação médica e não treina corretamente.
— Além dos riscos clínicos, principalmente cardiológicos, as pessoas podem ter algum tipo de patologia cardiovascular. Do ponto de vista ortopédico, as lesões podem ser musculares, nos tendões e nas articulações, principalmente em terrenos acidentados — aponta Celso.
— Obviamente que as lesões cardiorrespiratórias têm potencial de risco maior, mas são as lesões ortopédicas que mais acontecem. Elas não provocam risco de vida, mas talvez mereçam tratamento de médio e longo prazo — complementa o especialista.
Como minimizar os riscos
Para minimizar os riscos de lesões, problemas cardiorrespiratórios ou desmaios, a orientação é "escutar o próprio corpo" na preparação e durante as provas, segundo Ana Paula.
— Qualquer situação em que o coração está muito acelerado ou a pessoa tenha visão turva ou apresente palidez, o ideal é parar, baixar a frequência cardíaca e se hidratar. Por isso o check-up médico é tão importante, para saber as zonas de risco — explica a médica.
É importante ainda que o interessado em participar de provas de rua passe por avaliação médica e se prepare adequadamente.
— Pessoas que estão muito acima do peso corporal devem procurar especialistas antes de participar de provas, seja um nutricionista ou mesmo médico endocrinologista, para que consigam melhorar essa questão, já que pode afetar as articulações. E é importante que tenham o mínimo de preparo físico antes de se submeter a provas de médias distâncias, principalmente provas acima de 5km — orienta Celso.
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Dicas de corrida de rua para iniciantes
Para quem deseja entrar no mundo das corridas, a dica é começar com as menores distâncias e, à medida que a preparação evoluir, participar de provas maiores.
— Não é incomum, durante uma prova de média distância, ver pessoas caminhando em determinado momento. Se a pessoa está desenvolvendo a corrida, mas sentiu que está com a frequência cardíaca e respiratória muito acelerada, é importante que se diminua o ritmo e ande durante determinado percurso para que a frequência volte a padrões aceitáveis, retomando a corrida depois. O mais importante do ponto de vista cardiorrespiratório, é reconhecer esse limite. O mesmo serve para a questão muscular. Se começar a sentir alguma dor, principalmente próximo das articulações do quadril ou do joelho, diminua o ritmo e faça uma caminhada — comenta Celso.
— Nem sempre conseguimos ter uma rotina de treinos, mas isso não impede de participarmos de uma prova. Definir objetivos menores inicialmente pode contribuir para não haver frustrações. Não existe problema nenhum em terminar uma corrida andando por exemplo — sugere Marcel.
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Fontes:
Celso Cruz é médico ortopedista, especialista em pé e tornozelo, do Hospital Ortopédico AACD.
Marcel Fruschein Annichino é médico ortopedista, especialista em Medicina do Esporte, do Hospital Ortopédico AACD.
Ana Paula Simões é médica ortopedista e traumatologista do esporte e membro da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia; da Associação Brasileira de Medicina e Cirurgia do Tornozelo e Pé; da Sociedade Brasileira de Artroscopia e Traumatologia do Esporte; e da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte.
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