Cânhamo: Embrapa quer permissão para fazer pesquisas com planta proibida no Brasil
No cenário de suplementos alimentares, o whey de cânhamo vem obtendo espaço como uma alternativa vegetal ao whey tradicional, especialmente entre aqueles que buscam opções mais naturais e sustentáveis. Extraído das sementes do cânhamo, que é derivado da Cannabis sativa, o produto possui perfil nutricional completo, sendo rico em proteínas, fibras, vitaminas, mineirais e ácidos graxos essenciais, como ômega 3 e ômega 6.
O cânhamo é encontrado nas fibras e no caule da Cannabis e contém níveis quase imperceptíveis de tetrahidrocanabinol (THC), o que faz com que não tenha efeitos psicoativos, como o que são comuns na maconha.
É a partir da semente do cânhamo que é produzido o suplemento que, entre outros nomes, tem sido chamado de whey de maconha. Como o whey tradicional, colabora para a ingestão de proteínas, que servem para a construção, a manutenção e a reparação de músculos.
Um estudo publicado na revista Plants em 2022 encontrou "propriedades nutricionais e funcionais adequadas" na proteína de cânhamo. Outro estudo, no Journal of Food Biochemistry, no mesmo ano, atividade física aeróbica combinada com consumo de semente de cânhamo melhorou os índices antropométricos, o perfil lipídico e o fator neurotrófico derivado do cérebro entre homens jovens sedentários.
No entanto, a comercialização da proteína de cânhamo não é autorizada pela Agência Nacional de Vigilânia Sanitária (Anvisa) e os benefícios, embora sejam apontados por especialistas, ainda carecem de mais estudos, especialmente na comparação com o whey tradicional.
Benefícios do whey de cânhamo
O whey de cânhamo é considerado uma proteína completa, pois contém todos os aminoácidos essenciais que o organismo humano não consegue produzir e ainda tem alta digestibilidade, facilitando a absorção pelo corpo.
Em comparação com outras proteínas vegetais, como a de soja ou ervilha, o cânhamo oferece perfil equilibrado de aminoácidos e é menos propenso a causar alergias.
— No entanto, o teor proteico por porção dele pode ser ligeiramente inferior ao de outras fontes; por exemplo, 30g de proteína de cânhamo em pó fornecem cerca de 15g de proteína, enquanto a mesma quantidade de proteína de soja pode fornecer mais — pondera a nutricionista Tatiane Schallitz, especialista em comportamento alimentar e performance.
Propriedades presentes na composição do whey de cânhamo são importantes para o metabolismo:
- Ácidos graxos essenciais: as sementes de cânhamo são ricas em ômega-3 e ômega-6, que contribuem para a saúde cardiovascular e cerebral;
- Fibras: auxiliam no bom funcionamento intestinal e promovem saciedade, sendo benéficas para o controle de peso;
- Vitaminas e minerais: contém vitamina E, vitaminas do complexo B, magnésio, fósforo, potássio e ferro, nutrientes essenciais para diversas funções corporais;
- Antioxidantes: possuem compostos fenólicos que combatem os radicais livres, auxiliando na prevenção de doenças crônicas.
Por conter proteínas de alta qualidade, ácidos graxos essenciais e fibras, o whey de cânhamo pode contribuir para a saúde de diversas maneiras, segundo o médico Fernando Lamego, atuante em Cardiologia e Ortomolecular e prescritor de cannabis medicinal.
- Benefícios para o coração: a proteína de cânhamo contém ácidos graxos ômega-3 e ômega-6, especialmente na proporção ideal de 3:1, que ajuda a apoiar a saúde cardiovascular. Pode auxiliar na redução do colesterol e na melhora da circulação, contribuindo para a saúde cardíaca, embora em menor concentração de ácidos graxos em comparação ao óleo de cânhamo.
- Redução de inflamação e saúde das articulações: o whey de cânhamo fornece aminoácidos essenciais, como a arginina, que pode ajudar a reduzir inflamações. Embora não seja tão concentrado em ômega-3 quanto o óleo de cânhamo, ainda fornece uma quantidade razoável para ajudar na saúde das articulações e reduzir o risco de doenças inflamatórias;
- Fortalecimento do sistema imunológico: a proteína de cânhamo é rica em antioxidantes e aminoácidos, que ajudam a apoiar o sistema imunológico. Contém todos os aminoácidos essenciais e algumas vitaminas e minerais, como ferro, zinco e magnésio, que desempenham papéis importantes na função imunológica e na resistência a doenças;
- Benefícios para pele e saúde hormonal: embora não seja tão eficaz quanto o óleo de cânhamo para hidratar a pele ou regular hormônios, o whey de cânhamo ainda contém ômega-6 (ácido gama-linolênico) que pode ajudar a melhorar a saúde da pele e apoiar o equilíbrio hormonal. A ingestão de proteínas de boa qualidade, como as do cânhamo, também pode promover uma pele saudável, pois são necessárias para o reparo celular;
- Saúde digestiva e controle de peso: o whey de cânhamo contém fibras, o que o diferencia de outras proteínas em pó. A fibra ajuda na saúde digestiva, promove saciedade e pode auxiliar no controle de peso. Ele também é de fácil digestão e absorção, sendo adequado para pessoas com intolerâncias digestivas comuns em proteínas animais;
- Fonte de aminoácidos e energia sustentável: contém aminoácidos de cadeia ramificada (BCAAs), que ajudam na recuperação muscular e fornecem energia sustentada, o que é particularmente útil para atletas e pessoas fisicamente ativas. É uma excelente fonte de proteína vegetal completa, contendo todos os aminoácidos essenciais, o que o torna comparável ao whey animal em qualidade de proteína, mas mais fácil para o sistema digestivo.
Regulamentação do cânhamo no Brasil
O cultivo de cânhamo não é legalizado no Brasil, o que limita a produção nacional dos derivados. No entanto, a importação de produtos derivados, como sementes descascadas e farinha em pó, é permitida. Esses produtos podem ser encontrados em lojas de produtos naturais, empórios especializados e em plataformas de comércio eletrônico internacionais.
No Brasil, a Anvisa tem uma abordagem rigorosa em relação a produtos derivados de qualquer espécie de Cannabis sativa, incluindo o cânhamo. A legislação brasileira pouco diferencia cânhamo e outros derivados de Cannabis com alto teor de THC, devido ao histórico da planta e ao potencial de uso recreativo e abusivo que certas variedades representam.
A Anvisa regulamenta a Cannabis para uso medicinal por meio de uma normativa que permite a comercialização controlada de produtos farmacêuticos com canabinoides para tratamento de determinadas condições de saúde. Esses produtos devem ter autorização específica e restrições de prescrição e distribuição.
Como o whey de cânhamo não se destina ao tratamento de uma condição médica específica, não se enquadra nas permissões dessa regulamentação. No Brasil, há uma divisão clara entre produtos que são considerados alimentos (incluindo suplementos alimentares) e medicamentos controlados.
O cânhamo possui níveis extremamente baixos de THC, o principal composto psicotrópico da cannabis, segundo a farmacêutica e nutricionista integrativa Verônica Dias. Enquanto certas variedades de Cannabis sativa têm até 20% de THC, o cânhamo tem menos de 0,3%, uma quantidade insuficiente para produzir efeitos psicoativos.
— O cânhamo, embora seja cultivado para ter baixos níveis de THC e seja seguro para consumo alimentar em outros países, ainda carrega um estigma e uma regulação associada à planta Cannabis sativa. Isso implica que o whey de cânhamo, mesmo sem efeitos psicotrópicos, ainda não é aprovado como suplemento alimentar, porque não há uma regulamentação específica para alimentos que derivam do cânhamo — explica a especialista.
Por outro lado, a Anvisa permite a venda de medicamentos à base de canabidiol (CBD) extraído do cânhamo, desde que esses produtos tenham concentrações de THC inferiores a 0,2%. Esses medicamentos são destinados ao tratamento de condições de saúde que respondem bem ao CBD, como epilepsia refratária, dores neuropáticas, espasticidade em esclerose múltipla, sintomas de Parkinson e outras condições neurológicas.
Em novembro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou que o cânhamo industrial, com teor de THC inferior a 0,3%, não pode ser classificado como substância vetada pela legislação antidrogas, autorizou o plantio, o cultivo, a industrialização e a comercialização dessa variedade para fins medicinais, farmacêuticos ou industriais e deu prazo de seis meses para a Anvisa ou a União fazer a regulamentação das normas.
Diferenças entr cânhamo e canabidiol
O cânhamo é a planta de onde o canabidiol pode ser extraído. Trata-se de uma variedade da planta de cannabis, a Cannabis sativa, segundo explica o médico do esporte Francisco Tostes, atuante em Endocrinologia e mestre em Bioquímica.
Já o canabidiol é um dos muitos compostos canabinoides encontrados na planta de cannabis, podendo ser extraído tanto do cânhamo quanto da maconha. O canabidiol vem ganhando cada vez mais notoriedade pelos efeitos medicinais sem apresentar os efeitos psicoativos do THC.
Modos de consumo
Existem formas diferentes de consumo do cânhamo, conforme a preferência. São elas:
- Sementes de cânhamo: são uma fonte rica de ácidos graxos ômega-3 e ômega-6, proteínas, fibras e minerais como magnésio e ferro;
- Pó de proteína de cânhamo (whey de cânhamo): é uma fonte de proteína vegetal completa, contendo todos os aminoácidos essenciais, além de boas quantidades de fibras e minerais. É ideal para atletas, vegetarianos e veganos, e pessoas que buscam aumentar a ingestão de proteínas sem consumir produtos de origem animal;
- Óleo de cânhamo: é rico em ômega-3 e ômega-6, o que pode ajudar a reduzir a inflamação e proteger o coração. Verifique a data de validade e conserve o produto corretamente para evitar a rancificação, especialmente no caso do óleo.
Fontes:
Verônica Dias é farmacêutica e nutricionista integrativa do Instituto Nutrindo ideais/Niterói. Formada em Nutrição e Farmácia, é pós-graduada em Terapias Integrativas, especializada em Modulação Intestinal, Psiquiatria Nutricional e Fitoterapia e pós-graduanda em Nutrição Esportiva.
Francisco Tostes é médico especialista em Medicina do Esporte e atuante em Endocrinologia e sócio do Instituto Nutrindo Ideais. Tem pós-graduação em Clínica Médica e Endocrinologia, especialização em Medicina do Esporte e mestrado em Bioquímica.
Tatiane Schallitz é nutricionista do Instituto Nutrindo Ideais, especialista em comportamento alimentar e performance. Formada em Nutrição e pós-graduada em Metabolismo e Emagrecimento, é membro da Sociedade Brasileira de Medicina da Obesidade (SBMO) e tem experiência em nutrição esportiva e emagrecimento.
Fernando Lamego é médico atuante em Cardiologia e Ortomolecular do Instituto Nutrindo Ideais/Niteroi. Formado em Medicina, tem pós-graduações em Cardiologia e em Ortomolecular. É prescritor de cannabis medicinal e tem foco na modulação da microbiota intestinal.
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