Na última segunda-feira (20/06), foi revelado pela revista Veja que a atriz Guta Stresser, que interpretou a Bebel em A Grande Família, está enfrentando os sintomas da esclerose múltipla desde 2020. A doença também atinge as atrizes Cláudia Rodrigues, de A Diarista, e Selma Blair, americana conhecida por seu papel no filme Legalmente Loira. A médica neurologista e neuroimunologista Inara Taís de Almeida explica abaixo o que é, quais os sintomas, fatores de risco e tratamento, destacando o papel de medicamentos e da atividade física e da alimentação no processo.
E avisa que a pessoa com esclerose múltipla pode continuar com suas atividades usuais se seguir as recomendações de seu médico, sempre individualizadas para cada caso.
O que é
Esclerose múltipla é uma doença neurológica que atinge o sistema nervoso central, ou seja, o cérebro e a medula espinhal. Crônica, não tem cura, mas tem tratamento. Autoimune, caracteriza-se por levar o sistema imunológico da pessoa a identificar estruturas do próprio corpo como o inimigo (como se fosse um vírus ou bactéria) e a atacar essas estruturas, no caso localizadas no cérebro e na medula. Ataca especialmente a mielina, capa de gordura que envolve os neurônios. A neurologista explica com uma analogia:
- Os neurônios são fios condutores de impulsos elétricos, eles conduzem esses impulsos, que levam ordens do cérebro de um lugar A para um lugar B. O cérebro "manda" que nossas pernas se movam para andar, por exemplo, através desses impulsos. E a mielina é a capa isolante desse fio - ensina Inara.
Sem essa capa, os impulsos elétricos causam choques que levam a surtos de esclerose múltipla.
- A esclerose múltipla tem essa característica de acontecer por surtos, que são crises de inflamação. Esses episódios duram algumas semanas e podem deixar sequelas permanentes ou não, e se repetem de tempos em tempos. São episódios de surto e remissão. E é uma doença tratável - descreve a médica.
Sintomas
Os vários sintomas da esclerose múltipla podem até acontecer ao mesmo tempo. Mas o mais comum é que cada surto atinja mais uma área do cérebro ou da espinha, tendo sintomas diferentes de acordo com a parte atingida. Esses sintomas começam fracos, vão aumentando, até que se estabilizam e começam e diminuir, até passar. Em média, a pessoa passa um mês em cada surto.
- Fraqueza muscular, principalmente em membros como pernas e braços, com perda de força muscular e aumento de sensações como dormência ou perda de sensibilidade;
- Dores articulares causadas pela fraqueza;
- Neurite óptica, uma inflamação no nervo ocular que causa dor e perda parcial ou total da visão - ocorre quando a área do cérebro atingida é a que comanda a visão;
- Dificuldade de urinar ou escape de urina, caso a medula seja afetada;
- Constipação ou diarreia também no caso de a medula espinhal ser o alvo;
- Alteração do equilíbrio e coordenação motora, com perda da destreza. Segundo a médica, até colocar a tampa em uma caneta pode se tornar difícil.
Além disso, há um sintoma que aparece não só durante as crises, mas principalmente entre elas:
- Fadiga.
- A fadiga é algo mais contínuo, não é uma característica das crises em si. É uma exaustão de mente e corpo, a pessoa se cansa facilmente. E está muito associada ao calor: quanto mais quente, mais cansada a pessoa fica. Por isso, recomendamos sempre o uso de roupas leves, e que se beba água gelada - comenta a médica.
Guta, em seu depoimento, comenta que começou "a esquecer palavras bem básicas, como copo e cadeira". Inara de Almeida explica que esses esquecimentos costumam ter a ver com um "distúrbio atencional", e são mais consequência da fadiga causada pela doença do que da doença em si. Mas a esclerose múltipla pode atingir memória e fala em uma fase tardia.
Diagnóstico
- Histórico de crises de inflamação nas regiões de cérebro e medula;
- Exame neurológico;
- Ressonância magnética.
Por que ocorre
Sabe-se que, na esclerose múltipla, há um anticorpo atacando as estruturas que protegem os neurônios. No entanto, ainda não foram identificadas causas para essa reação ser desencadeada. O que se sabe é que algumas características aumentam a possibilidade de surtos, que ocorrem mais em pessoas:
- Jovens - Quando a gente envelhece, nosso sistema imunológico também envelhece e tem a capacidade de atacar os "inimigos" reduzida, valendo também para a capacidade de atacar as próprias estruturas;
- Brancas;
- Mulheres;
- Com uma combinação genética específica - A doença não é genética, mas há uma combinação de genes que pode estar associada a ela.
Tratamento
Existem dois pilares de tratamento, que devem ser complementares:
- Medicamentoso - Com remédios imunomoduladores, que buscam regular e equilibrar o sistema imunológico, ou, quando necessário, imunossupressores, que buscam reduzir a atividade do sistema imunológico;
- Não medicamentoso - Divide-se em três outros pilares:
- Atividade física regular - A combinação de exercícios aeróbicos e de força é ideal. É importante que, no tratamento da doença, um fisioterapeuta ou profissional de educação física faça parte da equipe multidisciplinar;
- Alimentação com pouco sódio - Não existe uma dieta específica para a esclerose múltipla, mas é necessário que se faça uma alimentação balanceada e, principalmente, que se evite o excesso de sal. Alimentos ricos em sódio, especialmente os ultraprocessados, devem ser excluídos da dieta;
- Tratamento de problemas cardiovasculares - Manter a pressão arterial e os níveis de colesterol ideais ajuda a reduzir os surtos, enquanto a hipertensão e o colesterol alto contribuem para que eles aconteçam.
- A orientação é que essas medidas sejam tomadas bem cedo, logo que a doença seja diagnosticada, porque o tratamento precoce faz toda a diferença. No caso dos exercícios físicos, sabemos que afetam muito positivamente a progressão da esclerose múltipla. Melhoram o humor, o sono e os sintomas da pessoa com a doença. Se a pessoa já era ativa, deve seguir seu programa de treinos na medida em que for possível. Se era sedentária e estiver sentindo a fraqueza e as dores, não dá para começar com um treino de uma hora. Pode-se começar com 15 minutos e aumentar 5 a 10 minutos por mês, no ritmo dela, até chegar a um tempo ideal - orienta a médica.
Fonte:
Inara Taís de Almeida é médica neurologista e neuroimunologista, membro titular da Academia Brasileira de Neurologia, com especialização em neuroimunologia no Ambulatório de Doenças Desmielinizantes na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Instagram: @inara.neuro
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