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Por Leonardo Miranda

Jornalista, formado em análise de desempenho pela CBF e especialista em tática e estudo do futebol


Botafogo conquista o Brasileirão 2024

Botafogo conquista o Brasileirão 2024

Imagine trocar sua terra natal e um clube no qual foi campeão por um clube traumatizado após perder um Brasileirão quase certo e em crise. Foi o que Artur Jorge fez ao assumir o Botafogo no dia 12 de abril.

Oito meses depois, o treinador português iguala o feito de Santos de Pelé e do Flamengo de Jorge Jesus ao vencer a Libertadores e o Campeonato Brasileiro na mesma temporada.

Artur Jorge com a taça do Brasileirão — Foto: Thiago Ribeiro/AGIF

Assumir o Botafogo em abril era um risco. Naquele momento, diversos treinadores tinham passado pelo Glorioso, sem sucesso: Bruno Lage, Lúcio Flavio e Tiago Nunes, demitido após desempenhos ruins no Campeonato Carioca. John Textor decidiu que era hora de esperar, e Fábio Matias assumiu a equipe como interino até um nome de consenso fechar.

Artur Jorge chegou em abril. A estreia foi amarga: 1 a 0 para a LDU numa Libertadores que via a classificação cada vez ameaçada.

Ataque mais veloz e destaque para Luiz Henrique

Artur Jorge aproveitou a base deixada por Fabio Matias. Naquele momento, o Botafogo jogava num 4-4-2 sem um centroavante fixo: Júnior Santos e Tiquinho Soares formavam uma dupla de ataque, com Jefinho e Luiz Henrique pelos lados. Um outro esquema testado era um 4-2-3-1, com Eduardo como meia central e Savarino junto a Luiz Henrique na linha de meias.

A primeira providência de Jorge foi tornar o ataque do Glorioso mais dinâmico e rápido para aproveitar o potencial de Luiz Henrique e Júnior Santos. O time começou a tocar a bola mais rapidamente e apostar em variações de posições, como você vê na imagem: Tiquinho abre pelo lado esquerdo e Júnior Santos pelo lado direito.

Um grande espaço é criado para a chegada de Luiz Henrique, que desencantou de vez com dois gols nos cinco primeiros jogos de Jorge.

Botafogo sem referência: ataque móvel e sem um camisa 9 fixo — Foto: Reprodução

O 4-4-2 do Fogão passou a funcionar como um 4-2-4. Ou melhor, um 3-2-5: Hugo era o lateral mais avançado e formava um pelotão junto com Tiquinho e Júnior Santos. Luiz Henrique só melhorava ao ter mais liberdade de movimentação.

O dilema de Jorge era encontrar o volante que pudesse unir visão de jogo e marcação sem necessariamente apoiar o ataque. Ele queria uma peça para acelerar jogadas e realizar lançamentos. Tchê Tchê sempre foi um bom condutor, mas prendia demais a bola. Danilo tinha características mais defensivas. Foi quando Gregore finalmente se impôs no time ao lado de Marlon Freitas.

Ataque do Botafogo: sempre em bloco — Foto: Reprodução

Eduardo como falso-nove e time mais tocador de bola

O Botafogo mostrava nítida evolução. Foram cinco vitórias consecutivas, com destaque para o 2 a 0 no Flamengo, melhor atuação desse período. Com segurança no cargo, Jorge começou a realizae testes na forma de jogar do Fogão.

O primeiro e mais nítido deles foi a entrada de Eduardo como um "falso nove". Ele ficava junto de Júnior Santos lá na frente. Quando o time atacava, buscava a bola do pé dos volantes e armava jogadas e lançamentos para a velocidade do ataque em bloco. Por ser alto, conseguia melhorar a bola parada e também tornar o time mais tocador de bola.

Eduardo jogou como falso nove em vários jogos do Botafogo — Foto: Reprodução

Com apenas uma derrota em maio, o Botafogo ganhou consistência e garantiu a classificação na Libertadores. Entre julho e início de agosto, o 4-2-4 com Júnior Santos e Tiquinho Soares no ataque foi consolidado. A dupla qbrilhou na vitória sobre o Palmeiras no 1º turno, garantindo a liderança isolada no Brasileirão.

O ataque seguia organizado em bloco: enquanto um lateral permanecia mais recuado, o outro avançava ao lado do veloz quarteto ofensivo composto por Savarino, Júnior, Tiquinho e Luiz Henrique. O time abusava de lançamentos e começava a ver Bastos e Barboza se destacaram pela capacidade de ajeitar bons passes lá de trás. A correria era o tom das vitórias no período.

Botafogo colocou o quarteto ofensivo para trabalhar — Foto: Reprodução

Reforços encaixam como uma luva e mudam o time

John Textor não quis repetir os erros de 2023 e decidiu fortalecer o elenco. Thiago Almada chegou por 20 milhões de euros, a maior contratação da história do futebol brasileiro, enquanto Cuiabano, Matheus Martins, Alex Telles, Vitinho e Adryelson vieram para reforçar as ambições do Botafogo na temporada.

Mesmo líder, Artur Jorge começava a ver dificuldades pela frente. O Botafogo carecia de um camisa 9 capaz de destravar jogos contra defesas mais difíceis. As más atuações contra o São Paulo e Cruzeiro ligaram um alerta para um problema recorrente: o excesso de correria fazia o time ficar muito exposto em diversas situações. O time que melhor aproveitou essa vulnerabilidade foi o Bahia na Copa do Brasil e o Juventude, que fez três gols em contra-ataques.

Nesse momento, entre julho e agosto, o treinador tinha dois desafios: como tornar o time mais tocador de bola sem deixar o ataque de velocidade de lado? Como melhorar a defesa nos momentos após perder a bola?

A resposta veio numa nova configuração de time. Savarino foi deslocado para o centro do campo, e Thiago Almada entrou como meia pelo lado esquerdo. Com Marçal, Cuiabano e Telles como opções na lateral, Jorge passou a alternar a forma como o Glorioso saía jogando:

  • em alguns momentos, um dos volantes buscava a bola e os dois laterais avançam
  • em outros, um dos laterais buscava a bola e o resto do time avançava

Construção do Botafogo: não é nem posicional, nem aposicional: o que importa é conceito — Foto: Reprodução

Entre agosto e setembro, Thiago Almada cresceu ao executar a função de "falso ponta": ele vinha buscar a bola para dar opção de passe aos volantes. Com a lesão de Eduardo, passou a ser um dos únicos no elenco a ter características mais de meia. Na frente, Igor Jesus caiu como uma luva ao dar mobilidade e velocidade sem perder o faro de gol que Tiquinho já não conseguia mostrar.

Na zaga, Bastos e Barboza ajudavam o ataque a ser mais rápido com passes verticais, direto ao ataque. Marlon Freitas e Gregore cresciam como "quarterbacks" do time, uma analogia com o futebol americano para o jogdor que organiza, de trás, as jogadas.

Movimentações rápidas e bola no espaço marcam o ataque do Botafogo — Foto: Reprodução

Estava formada a escalação clássica do Botafogo: Igor Jesus na frente, Almada, Savarino e Luiz Henrique na linha de meias, Gregore e Marlon Freitas como volantes e Ponte e Allex Telles como laterais.

Foi esse time que mostrou força ao eliminar o Palmeiras na Libertadores e seguir líder do Campeonato Brasileiro. Na Libertadores, São Paulo e Peñarol, times de tradição, caíram para um Botafogo que sabia ser copeiro e dar respostas no momento certo. Como jogar uma final de Libertadores com um a menos desde os 40 segundos do primeiro tempo, ou aplicar um sonoro 3 a 1 sobre o Palmeiras em pleno Allianz Parque.

O Botafogo que iguala recordes é um feliz encontro entre um treinador encantado, jogadores de acordo com o modelo de jogo proposto e investimentos certeiros. Um quebrador de recordes em série, para ninguém mais botar defeito.

Assista: tudo sobre o Botafogo no ge, na Globo e no sportv

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