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Por Leonardo Miranda

Jornalista, formado em análise de desempenho pela CBF e especialista em tática e estudo do futebol

Reuters

É difícil que a primeira palavra que venha à mente quando falamos em Vadão não seja o Mogi Mirim de 1993. O Carrossel Caipira foi o time mais marcante do técnico, que faleceu nessa segunda-feira (25), em São Paulo, em decorrência de um câncer no fígado. Mas não foi o único.

Em 27 anos de carreira, Vadão passou por 18 clubes e seu trabalho mais longevo foi justamente a Seleção Feminina Brasileira, entre 2014 e 2016 e em 2017 e 2019. Nunca chegou a completar uma temporada, com início, meio e fim, nos clubes. Sempre foi um técnico “de reação”, chamado várias vezes por Guarani, Ponte Preta e Athletico para ajudar em momentos difíceis e evitar um rebaixamento que implicaria nas finanças do clube. Ou para fazer um Paulistão de segurança. Ou ajudar a revelar jovens jogadores numa situação de crise financeira.

Vadão, seleção feminina — Foto: Rafael Ribeiro/ CBF

Os cenários dessa última frase são reflexos do amadorismo e da falta de processo que é uma constante, hoje e sempre, no Brasil. Técnicos são fruto desse meio. Por isso, desenvolvem habilidades que possam cumprir os objetivos dentro desse meio. Eles desenvolvem um "método", pautado na conversa, nos treinos mais simples e num espírito gestor que tenta despertar o talento e organizar o time em torno do que o elenco - normalmente não montado pelo treinador - têm.

Esse método tem algumas etapas de trabalho. Primeiro, uma conversa clara e franca com os jogadores. Dava atenção aos nomes da base deixados de lado, que estavam querendo espaço e poderiam dar velocidade ao time. Depois, ajustava a fase defensiva em um só treino: definia os encaixes (o famoso quem pega quem) e a bola parada. Cobrava atenção máxima de todos. Na fase ofensiva, simplificação de ideias e processos. Explorava o que a base dava, que era a velocidade, com muitos contra-ataques. Para variar, um meia ficava centralizado e cuidava de toda a saída de bola, além de bater escanteios e faltas.

Guarani de 2012 é o grande exemplo do "método Vadão"

Quer um exemplo claro do método? O Guarani de 2012. Vadão chegou para o lugar de Giba (vice-campeão paulista com o Santos em 2000), técnico mais conceitual que não teve tempo de colocar suas ideias. O objetivo era ficar na A-1. Vadão uniu nomes experientes como Émerson e Fumagalli e pratas-da-casa com Bruno Mendes, Neto e Medina. Montou um losango, o 4-3-1-2, com Bruno Mendes e Fumagalli sem obrigações defensivas. Todo mundo marcava a partir do meio-campo, com encaixes bem rápidos. Com a posse, bola em Fumagalli – ele era a entrelinha, o apoio, a profundidade....o "tudo"! Ele era a tática do time. Organizava e cadenciava ou colocava Fabinho, destaque daquele Paulistão, para correr.

Oswaldo Alvarez técnico Guarani — Foto: Rafael Fernandes / GuaraniPress

Contra o Palmeiras, gol olímpíco de Fumagalli (bola parada) e dois contra-ataques pela direita. No Derby do século, duas saídas rápidas e chegadas na área. Os contra-ataques de Fabinho deram trabalho ao Santos, na final do Paulistão no Morumbi.

O Athletico que foi para a Libertadores em 1999 também era assim. Um quadrado no meio-campo com Alberto (Valentim, o técnico) e Ronaldo Vanim nas laterais, dois volantes de contenção (Fabiano e Axel), um meia de articulação que fazia o papel de Fumagalli (Lucas) e três jogadores de velocidade e chegada: Adriano (Gabiru), Kléber (Pereira) e Lucas Severino.

"Método" Vadão resume, com perfeição, o técnico brasileiro

O método Vadão pode ser aplicado e muitos técnicos brasileiros. Joel Santana é o correlato mais imediato, até por privilegiar nomes da base. Mas Carlos Alberto Silva, Jair Pereira, Oswaldo Brandão e Jorge Vieira faziam igualzinho. Mais recente: Cuca, Abel Braga, Felipão, Marcelo Oliveira. Todos eles são fruto de onde vivem. Do cenário que estão inseridos. É impossível cobrar que um time tenha um modelo de jogo mega complexo depois de três jogos. Não existe comparação com Europa se o clube vende meio elenco na janela.

Por isso que Vadão não fez a Seleção Feminina evoluir. Foi o trabalho no qual teve mais tempo, no qual teve a chance de começar um time do zero. É humano que o técnico não consiga se adaptar num cenário totalmente novo. O 4-2-4, com Marta pela ponta e Bia e Cristiane na frente, era competitivo, só não tinha um bom desempenho. Não era o Vadão que virou ruim do dia pra noite, era o contexto que ele estava que mudou.

“A gente voltou a jogar da forma como jogávamos porque é mais simples a retornar a jogar a atuar em um esquema que você conhece. Como fomos bem, entendemos que não tinha razão para mudar a forma de jogar. Nós temos outra forma de jogar com três atacantes em vez de quatro e ter mais uma atleta no meia, mas esse sistema está funcionando, tivemos 31 gols e sofremos dois na Copa América” – Vadão, em abril de 2018.

Outro exemplo claro é quando foi a grande aposta do São Paulo para a temporada 2001, com promessa de ficar até o fim do contrato. Não resistiu ao 4 a 3 do Grêmio de Tite na Copa do Brasil. No Corinthians, substituiu Oswaldo de Oliveira nos dias seguintes à eliminação na Libertadores, o famoso pênalti do Marcelinho (foi por pura pressão da Gaviões da Fiel, nem cinco meses depois do Mundial de Clubes) e durou 21 jogos. Você já viu esse filme tantas vezes...

Vadão e Kaká São Paulo — Foto: Reprodução/Instagram

A pandemia do Coronavírus está te mostrando que o Brasil é um país como nenhum outro. Só aqui que a racionalidade e o óbvio parecem serem ignorados por inocência, má fé ou simples birra contra “tudo isso que está aí”. O brasileiro precisa, muito, da sala de terapia. E os técnicos se adaptam a esse contexto. São pessoas normalmente mais fechadas por desenvolverem muita resiliência em meio a tantos trabalhos. Estão sempre de malas prontas. Têm a família como um porto seguro. E lidam com muita gente e muitos problemas, o que desperta o lado gestor e "paizão" que tanto conhecemos.

Faça um exercício ao ler esse texto: vá até o Wikipedia, pesquise a relação de técnicos do seu clube e depois me pergunte, no Twitter e no Instagram, porque eles não deram certo. Tudo se repete. Todo mundo já foi Tiago Nunes ou Fernando Diniz (o técnico novo de grandes ideias), chega num clube de ponta e não dura porque não vence (“não é tão bom assim”) e, em algum momento, compreende a mesma fórmula do Vadão e passa a ser chamado de retranqueiro e medalhão como Abel Braga ou Cuca. Não falha nunca!

O texto sobre Vadão termina como começou: com o Carrossel Caipira. A ausência de jogos completos impede uma análise precisa. Numa rápida procura pelos gols, vemos sempre jogadas em velocidade e contra-ataques. Vadão sempre disse que se inspirou na Holanda de 1974 no quesito rotação de posicionamento, e os gols comprovam isso: num dos gols, o volante Sandro começa na defesa e aparece de surpresa no ataque para fazer o gol. Foi um time que marcou época, mais rápido e dinâmico que os demais da época, mas não exatamente revolucionário – até porque nenhum outro time se inspirou naquilo. Deixou boas lembranças de quem viu de perto - exatamente como Vadão.

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