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Por Rafael Carmo* — Salvador


Carol Melo explica mudanças no Bahia em meio à reestruturação do futebol feminino

Carol Melo explica mudanças no Bahia em meio à reestruturação do futebol feminino

O rebaixamento para a Série A2, em 2023, parecia ser mais um capítulo do ciclo de quedas e acessos do time feminino do Bahia. Um ano depois, porém, o cenário é bem mais promissor para o Tricolor, que, após conquistar vaga na Série A1, inicia a disputa o título da Segunda Divisão neste domingo, contra o 3B Sport, do Amazonas. Agora, além de alcançar a conquista, a ideia é trazer receita e construir um projeto sólido para a modalidade.

Elenco do Bahia reunido antes do jogo de volta das quartas de final contra o JC — Foto: Letícia Martins/EC Bahia

Do dia 12 de junho de 2023 (data do rebaixamento) para cá, muitas mudanças aconteceram no futebol feminino do Bahia, que foi completamente reestruturado. O clube se profissionalizou, trouxe novas jogadoras, ofereceu melhor estrutura e mudou a comissão técnica. São os impactos dessas mudanças que fizeram a equipe chegar à final inédita deste domingo, contra 3B-AM, em jogo marcado para as 21h (horário de Brasília).

O que mudou no Bahia?

Em maio de 2023 o Bahia passou por uma virada de chave na sua história com a oficialização do acordo da venda de 90% da SAF do clube ao Grupo City.

À época, a expectativa era grande com a volta do time masculino para a elite do futebol brasileiro e a promessa de grandes investimentos no decorrer dos anos. Mas para muita gente uma pergunta precisava ser esclarecida: o que vai acontecer com o futebol feminino do Bahia?

Ferran Soriano, CEO do Grupo City — Foto: Felipe Oliveira/EC Bahia

Questionado, o CEO do conglomerado, Ferran Soriano, prometeu dar atenção à modalidade.

- A primeira coisa a dizer é que as dificuldades do futebol feminino não são só no Brasil. O futebol feminino está crescendo com algumas oportunidades fantásticas, mas ainda deficitária. Não é fácil. A nossa perspectiva diz que não é futebol feminino ou masculino, mas futebol. Nossa ideia é tratar os dois com a mesma importância - afirmou o CEO do Grupo City, em entrevista coletiva em maio do ano passado.

No início de 2023, mesmo momento da oficialização do acordo de venda da SAF, o Bahia vivia altos e baixos no futebol feminino. Na época, as Mulheres de Aço vinham de acesso para disputar a elite mais uma vez. O Tricolor, inclusive, apostou em jogadoras com rodagem na montagem do time, como as atacantes Yenny Acuña e Nathane.

O Tricolor até começou bem o campeonato e dava a impressão de que poderia avançar de fase entre os oito primeiros times. Contudo, o time caiu de rendimento.

No fim da Série A1, as Mulheres de Aço não conseguiram repetir o desempenho inicial e terminaram a competição com seis derrotas consecutivas, três delas por três ou mais gols de diferença. A derradeira foi contra o Corinthians, na última rodada, por 5 a 1, que decretou o rebaixamento da equipe na 13ª posição, com 13 pontos (16 clubes disputam a Primeira Divisão).

Time feminino amarga rebaixamento para a Série A2 após sofrer goleada para o Corinthians — Foto: Letícia Martins/EC Bahia

Após essa goleada em Pituaçu e o fracasso do primeiro time feminino da era City, a diretoria publicou uma nota que prometia mudanças para a próxima temporada.

A volta por cima

Carol Melo explica mudanças no Bahia em meio à reestruturação do futebol feminino

Carol Melo explica mudanças no Bahia em meio à reestruturação do futebol feminino

De fato, a reformulação prometida aconteceu. Antes da disputa do Campeonato Baiano, ainda em 2023, o Bahia começou a se movimentar nos bastidores para oferecer uma estrutura profissional e independente para o futebol feminino. Talvez a manobra mais importante tenha sido a implementação do departamento de futebol feminino, que começou a ser chefiado por Carolina Melo, ex-Ferroviária e Atlético-MG, que hoje é a gerente de futebol.

Em entrevista exclusiva ao ge, Carol relembrou sua chegada ao clube há um ano e explicou em qual situação encontrou a equipe.

- Começou comigo [a reformulação], com a minha chegada para a criação dessa estrutura. Essa criação do departamento de futebol feminino dentro do clube foi um dos primeiros atos. A partir daí tive um tempo para olhar como estavam as coisas, fiz uma análise e pude passar o diagnóstico da situação para começar um planejamento de curto, médio e longo prazo. A primeira meta que nós tínhamos era colocar o Bahia na elite do futebol feminino. Esse era o objetivo a curto prazo. Dentro desse diagnóstico foram priorizados os passos para que a gente conquistasse esse objetivo. A ideia era solidificar o futebol feminino dentro do clube. Houve uma reformulação da comissão técnica, contratações para cargos de pessoas dedicadas para o futebol feminino, cargos que nós não tínhamos até o momento - reiterou Carol.

Eu encontrei um cenário de futebol feminino que é muito corriqueiro dentro dos clubes, em que existe uma comissão técnica, mas nem sempre há todas as funções. Às vezes essa hierarquia com gerente de futebol, diretor (a), supervisor (a) não existe. Nós temos isso hoje dentro do Bahia, processos foram instalados. Porém, eu encontrei um ambiente muito favorável para o desenvolvimento do futebol feminino".
— Carolina Melo, gerente de futebol do Bahia
Diretora relembra como encontrou a estrutura do futebol feminino do Bahia há um ano

Diretora relembra como encontrou a estrutura do futebol feminino do Bahia há um ano

O Bahia também modernizou toda a sua estrutura e ofereceu melhores condições de trabalho para as jogadoras. Os resultados começaram a vir ainda em 2023, quando as Mulheres de Aço venceram o estadual invictas e confirmaram a hegemonia na região com o quarto troféu consecutivo ao passar pelo Vitória na final.

Jogadoras do Bahia celebram título do Campeonato Baiano Feminino 2023 — Foto: Letícia Martins / EC Bahia / Divulgação

Esse foi só o início da reformulação até a disputa da Série A2, no início deste ano. De olho na competição nacional, o Bahia investiu em 13 contratações, renovou com 14 atletas e trouxe uma nova comissão técnica chefiada por Lindsay Camila, treinadora campeã da Libertadores pela Ferroviária em 2020. Lindsay tem contrato até dezembro deste ano.

"Eu tive algumas sondagens, meu contrato acaba em dezembro. Mas, sendo sincera, eu estou pensando exclusivamente nesses dois últimos jogos [finais da Série A2], quero muito entrar para a história com essas meninas".

Lindsay Camila em entrevista coletiva após passar pelo Sport nas semifinais da Série A2 — Foto: Letícia Martins/EC Bahia

Confira abaixo todas as contratadas do Bahia para 2024:

  • Goleiras: Nágila e Yanne;
  • Laterais: Liriel e Thais Prado;
  • Zagueiras: Hilary e Wendy;
  • Meias: Luana, Treyci, Angela e Jaqueline;
  • Atacantes: Raissa, Letícia e Kamile.

Além dessas atletas, outras quatro que disputaram o sub-17 em 2023 foram integradas ao elenco principal. São elas: Lara Moraes, Lorena Conceição, Lorena Melo e Vivia, que desde quando chegou ao clube foi convocada para a seleção sub-17 três vezes.

Treino da equipe feminina do Bahia — Foto: Rafael Rodrigues/EC Bahia

Segundo a própria Lindsay, em conversa com o ge, dentre os clubes que ela passou, o Bahia foi o que ofereceu melhores condições de trabalho.

- Eu tive a sorte e a oportunidade de trabalhar nas categorias de base do Lyon, no fim de 2010. A seleção brasileira é outra história, mas, a nível de clube, pelo que me proporcionam fisicamente e a quantidade de profissionais envolvidos no futebol feminino, é sim a maior e melhor estrutura que eu já tive como treinadora. Não consigo comparar com a Seleção, porque tem a Granja (Comary), o topo do nível mundial, mas eu ainda não tive experiência em nenhum outro clube com estrutura melhor que a do Bahia - afirmou a treinadora.

Manchester City como exemplo

Treinadora afirma que o Bahia é a equipe de melhor estrutura em que já trabalhou

Treinadora afirma que o Bahia é a equipe de melhor estrutura em que já trabalhou

Aos poucos o Bahia também começou a assimilar o modo como o Grupo City lida com o futebol. O Manchester City, por exemplo, é um dos principais times da modalidade na Europa e serve como modelo para a reorganização do Tricolor.

- O Manchester City é uma das equipes que tem futebol feminino dentro do grupo. Nós tivemos um primeiro contato, mas precisamos aprofundar mais. Hoje, dentro do Bahia, quando falamos em saúde e performance e fisiologia, tudo já segue uma metodologia do Grupo City. Isso já é implementado em todas as áreas de saúde e performance dentro do Bahia, seja no feminino ou na base. Então a gente já segue uma metodologia definida pelo Grupo, e é uma metodologia que foi testada, aprovada e que teve sucesso em outros setores, o que não é diferente para o futebol feminino - detalhou Carol Melo.

Nova estrutura para o futebol feminino do Bahia:

Inauguração de nova ala destinada ao futebol feminino do Bahia, no início de julho — Foto: Rafael Rodrigues/EC Bahia

Jogadoras do Bahia aproveitam nova estrutura para descanso — Foto: Rafael Rodrigues/EC Bahia

Detalhes da estrutura da nova ala para o futebol feminino do Bahia — Foto: Rafael Rodrigues/EC Bahia

Mas nem tudo foi perfeito nesse processo de reformulação, como apontado por Lindsay. Antes da campanha de sucesso na Série A2, o Bahia ficou muito tempo longe dos gramados e teve poucos jogos para preparar as atletas de olho na competição mais importante da temporada que estava por vir.

- Alguns fatores trouxeram dificuldades, o primeiro foi ficar três meses sem campeonato. É algo absurdo, o clube paga 12 meses para as atletas, não pode pagar 12 meses e deixar elas dois meses "em casa". A gente precisa trabalhar e se preparar para o campeonato. Nos apresentamos em janeiro, minha comissão chegou em janeiro também, e nosso primeiro jogo só foi em meados de abril, foi muito tempo de intervalo em que só treinamos - lamentou a treinadora.

Campanha na Série A2

Mesmo depois de muito tempo sem partidas oficiais, o Bahia começou a Série A2 com o pé no acelerador e engatou cinco vitórias consecutivas nos primeiros jogos, resultados que levaram a equipe à liderança e garantiram vaga na segunda fase. Já classificadas, as Mulheres de Aço tropeçaram contra Taubaté e São José, mas nada comprometeu a liderança isolada do Grupo A, com 16 pontos.

O destaque da primeira fase foi a vitória contra o Juventude, na 5ª rodada, em compromisso que as Mulheres de Aço voltaram à Casa de Apostas Arena Fonte Nova depois de dois anos e inauguraram o novo uniforme do clube em uma partida oficial pela primeira vez.

Bahia vence o Juventude em retorno do futebol feminino à Fonte Nova depois de dois anos — Foto: Rafael Rodrigues/EC Bahia

Como passou em primeiro, o Tricolor enfrentou o JC-AM nas quartas de final, que terminou na quarta colocação do Grupo B. O Bahia venceu o primeiro jogo por 2 a 0 em Itacoatiara, no Amazonas, e empatou sem gols em Pituaçu para conquistar o acesso à elite do futebol feminino. Infelizmente, a partida ficou marcada por um caso de injúria racial do técnico do JC contra a meio-campista Suelen, depois do apito final.

Já nas semifinais, o Bahia superou o Sport, com vitórias nos jogos de ida e volta e garantiu uma vaga na final da Série A2 do Campeonato Brasileiro de forma inédita.

Jogos do Bahia na Série A2:

Fase de grupos:

  • 1ª rodada: Bahia 2 x 0 Minas Brasília;
  • 2ª rodada: Mixto 1 x 2 Bahia;
  • 3ª rodada: Doce Mel 0 x 4 Bahia;
  • 4ª rodada: Bahia 4 x 1 Athletico-PR;
  • 5ª rodada: Bahia 3 x 0 Juventude;
  • 6ª rodada: Taubaté 0 x 0 Bahia;
  • 7ª rodada: Bahia 1 x 2 São José-SP.

Quartas de final:

  • Ida: JC 0 x 2 Bahia;
  • Volta: Bahia 0 x 0 JC;

Semifinal:

  • Ida: Sport 1 x 2 Bahia;
  • Volta: Bahia 2 x 0 Sport.

Busca pelo título

Lindsay projeta final contra o 3B e pede para a torcida chega junto com o time

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Mas busca pelo título não será fácil. As tricolores irão enfrentar o 3B-AM, clube que investe pesado no futebol feminino e garantiu a melhor campanha da primeira fase da Série A2. Além disso, elas são donas do melhor ataque, com 32 gols marcados, e da melhor defesa, com apenas quatro gols sofridos. Nas semifinais, a equipe amazonense perdeu o primeiro jogo contra o Juventude, mas descontou em casa com um sonoro 5 a 0. Nas quartas, o 3B passou do Mixto nos pênaltis após dois empates.

Por isso, Lindsay pregou cautela contra o 3B e afirmou que a final será o jogo mais difícil do campeonato.

- Na primeira fase elas tiveram a melhor campanha, mas a melhor campanha no geral é a nossa, por isso vamos decidir a final em casa. Mas elas têm o melhor ataque da competição. Tem meninas lá com quem já trabalhei, já disputaram e venceram a Libertadores, elas sabem jogar o jogo. É uma equipe muito forte, não à toa chegaram na final. Mas é um jogo com 50% de chance para cada. Precisamos estudar o adversário e entender o que vamos fazer contra elas. Errar o mínimo possível e acertar o gol, ser mais efetivas nas finalizações. Acho que vão ser os jogos mais difíceis do campeonato, contra uma equipe forte e valorizada. Mas estamos na final. São jogos diferentes de todo o resto do campeonato.

Diante disso, o Bahia deve ir a campo com o que tem de melhor no elenco. As únicas baixas são por lesão. A lateral Thais Prado desfalca o time por causa de uma lesão no joelho, assim como a atacante Ellen. Já a atacante Kamile Loirão fica fora por lesão na coxa.

O provável time neste primeiro jogo contra o 3B tem: Yanne; Dan, Aila, Tchula e Ary; Angela, Treyci, Vilma; Juliana, Letícia e Raissa.

Treino do Bahia comandado pela treinadora Lindsay Camila — Foto: Rafael Rodrigues/EC Bahia

Aila, capitã do time e cria da base Tricolor, reforçou o compromisso da equipe em busca do título que pode ser histórico para a modalidade.

- A gente vem fazendo uma boa campanha, sabemos que deixamos a desejar em alguns pontos nesse caminho. Mas a gente vem fazendo uma boa campanha, é uma campanha jamais vista no futebol feminino do Bahia. A gente vem trabalhando muito forte para conquistar esse título que jamais foi conquistado pela modalidade. Podem ter certeza que vontade e entrega não vai faltar - afirmou em entrevista coletiva na última terça-feira.

Zagueira Aila chora após classificação do Bahia para a final da Série A2 — Foto: Letícia Martins/EC Bahia

Neste domingo, a história do Bahia no futebol feminina vai ser escrita com um capítulo inédito. Vai ser o primeiro passo da final, que tem o confronto decisivo marcado para uma semana depois, às 11h do próximo domingo, em Pituaçu. Para este momento, nada melhor para as Mulheres de Aço que fecharem a campanha contando com a força da torcida tricolor.

A gente precisa muito de vocês. Foi muito especial ter a quantidade de torcida que tivemos na Arena, a torcida está sempre presente em Pituaçu. Tudo o que a gente faz é para que a torcida esteja presente. A presença de vocês vai ser a parte mais importante do nosso jogo".
— Lindsay Camila, treinadora do Bahia
A torcida nos impulsiona demais, a gente ganha momento e nos sentimos pertencentes. O carinho transborda no dia a dia também, seja nos treinamentos ou em jogos. Espero que os torcedores do Bahia acreditem no futebol feminino assim como eles acreditam no futebol masculino".
— Carol Melo, gerente de futebol

*Estagiário sob supervisão do editor Ruan Melo

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