Abre Aspas: Rafinha revela dificuldade para se aposentar e fala de amor pelo São Paulo
Rafinha chega acelerado no espaço anexo à sala de imprensa do São Paulo. Não era pressa — tanto que ficou por mais de duas horas sentado e com disposição para falar de tudo —, mas é o jeitão intenso do paranaense de Londrina. Caçula de sete irmãos, o Rafinha que leva "bonde" de 20 amigos para os jogos vive os últimos dias de uma trajetória que começou no salão em sua cidade.
Aos 39 anos, com desejo de jogar o máximo de quatro meses em 2025, Rafinha já olha para o futuro: também quer ser treinador. Não descarta se juntar ao amigo Filipe Luís, ex-companheiro de Flamengo, mas revela convites de Jorge Jesus e de outros companheiros da vitoriosa passagem alemã.
Ao Abre Aspas, do ge, lembrou do primeiro contrato de R$ 700 — e da emoção da mãe ao saber do valor para aquele guri então de cabelos cacheados —, foi franco sobre a zoeira com os brasileiros no Bayern depois do 7 a 1 e saiu do sério mesmo quando falou das denúncias de John Textor, que o tinha como um dos potenciais acusados. Próximo ao adeus dos gramados, vai levar esse espírito vencedor — e cobrador — para a beira do campo.
– Sou chato, mas sou campeão. Melhor ser assim do que um simpático que não ganha nada.
Ficha técnica
- Nome: Márcio Rafael Ferreira de Souza;
- Nascimento: 7 de setembro de 1985, em Londrina (PR);
- Carreira: Coritiba, Schalke 04, Genoa, Bayern de Munique, Flamengo, Olympiacos, Grêmio e São Paulo. Fez quatro jogos pela seleção brasileira;
- Principais títulos: pelo Coritiba, bicampeão paranaense (2003 e 2004); no Bayern, entre 2012 e 2019, um Mundial de Clubes, uma Liga dos Campeões, sete Bundesligas, quatro Supercopas da Alemanha, quatro Copas da Alemanha e uma Supercopa da UEFA. No Flamengo, uma Libertadores, dois Brasileiros, uma Supercopa do Brasil, uma Recopa Sul-Americana e um Carioca. No São Paulo, venceu a Copa do Brasil de 2023 e a Supercopa do Brasil. Com a seleção brasileira, foi medalha de bronze em 2008.
ge: Como anda a cabeça para o fim de carreira?
Rafinha: — É difícil, esse momento é o mais difícil para um atleta. Colocar um ponto final, pendurar as chuteiras. Esse ano eu perdi metade da temporada porque tive duas lesões graves e comecei a jogar no final de julho. Então, falei "não é justo", preciso terminar bem. Claro que eu vou querer até o meio do ano que vem ou até depois dos estaduais. Mas quero terminar bem esse ano. Terminar bem fisicamente para, com o São Paulo, chegar a um acordo para que possa ficar mais alguns meses e aí sim terminar minha carreira.
— Mas eu estou tranquilo nessa parte. Quanto a renovar o contrato ou com negociação das coisas, não esquento com isso, não. Estou com 39 anos e acho que essa é a parte mais fácil de se resolver. Acho que é mais uma questão minha mesmo, fisicamente e mentalmente também estar preparado, porque é uma responsabilidade muito grande jogar no São Paulo. Mas eu vou analisar depois que acabar o último jogo do campeonato, a gente senta e conversa com calma.
Pensar em parar é algo que dói ou você também pensa que já está de saco cheio de tudo?
— Tem hora que chego em casa e, não vou mentir, choro ali escondido, porque é complicado, né? São 20, 21 anos de futebol profissional, o jogo ali, é um detalhe. O gostoso é ali, a resenha, o convívio, as amizades que você faz. Claro, as conquistas ficam eternizadas nos lugares, mas o que envolve o futebol é também o ambiente, a parceria, o companheirismo, os amigos que você faz durante essa caminhada.
— Claro, a gente vai continuar no esporte, mas você sair desse meio é complicado. Às vezes dá aquela tristeza de saber que vou ter que parar. Mas também sou consciente que existe vida fora do futebol. Tenho amigos que pararam recentemente e falaram desse lado muito gostoso, sem ter limitação para fazer nada, poder ficar tranquilo, dormir sem ter hora para treinar no outro dia.
Esse processo de parar de jogar é individual ou você compartilha com a esposa, com pessoa mais próximas?
— Eu já conversei com a minha família desde o ano passado. É que quem vê a carcaça aqui por fora acha que está tudo bem, mas, após os jogos, os treinamentos, o corpo já começa a mostrar e ter as reações. Não é a mesma recuperação, as dores aumentam muito. E um lateral, tanto direito quanto esquerdo, com 39 anos, hoje em dia no futebol, não existe. Eu sou um dos últimos moicanos da minha geração de lateral.
– Cara, me sinto privilegiado em ter tido uma carreira como eu tive. É difícil também. Eles (familiares) gostam de me acompanhar nos jogos e sempre por onde passei fui campeão. E eles também sofrem muito. Sofri muito com as derrotas que eu tive na minha vida, que não foram poucas, mas já venho preparando minha família desde do ano passado, estão cientes de que está chegando a hora de me despedir também dos gramados.
O que é que dói em você?
— Eu nunca tive lesão muscular na minha carreira. Só que agora, de um tempo para cá, ano passado, no penúltimo jogo contra o Atlético-MG, no Mineirão, eu acabei tendo uma lesão que rompi o ligamento importante atrás do joelho e aí me complicou muito. Eu tive que fazer um tratamento muito intenso para poder jogar a final contra o Palmeiras, em fevereiro.
– Fiz algumas manobras que, fosse há dez anos, eu não faria para poder jogar aquele jogo, mas depois acabou piorando a situação. Depois daquele jogo contra o Palmeiras eu fiz muito tratamento, infiltração, muitas coisas fortes para poder jogar aquele jogo e aí depois do jogo piorou. Depois não consegui mais correr, fazer as coisas que eu estava fazendo na base de remédio. Então isso aí me travou um pouco. Eu nunca tive lesão muscular de ligamentos, de tendão, nada dessas coisas.
– Quando eu volto, treino duas semanas, joguei contra o Novorizontino em casa, perdemos nos pênaltis. Volto depois de duas semanas, estreia da Libertadores e quebro a perna. Aí fiquei quatro meses parado. Tive problemas de torção de tornozelo ou pancada, mas nunca coisa grave de ficar três, quatro meses parado, e esse ano aconteceu. Hoje eu estou jogando, mas sinto que não estou 100%, porque fiquei muito tempo parado.
A gente está falando da dificuldade no fim da carreira. Mas e o início, foi difícil também?
— O meu começo foi terrível. Jogando futebol de salão com dificuldade, sem ter tênis, sem ter vale-transporte para ir treinar. Se a gente falar em dificuldade, eu vou ficar aqui até amanhã, porque a minha infância foi triste. Passei necessidade, passei apuros mesmo, mas tinha esse sonho. Não vou mentir, nunca tive assim: "ah, quero jogar na Europa, jogar na Seleção, ter aquele título". Não, cara, eu queria virar jogador para poder dar uma vida melhor para minha família.
– Eu gostava de jogar bola, mas sabia que jogando futebol, fazendo aquilo ali, ia ser bem remunerado. Mas não tinha essa ambição. Meu pensamento era totalmente outro. Era poder jogar, ganhar dinheiro para poder levar comida para minha casa. Minha mãe comer, meus irmãos comerem. Somos em sete, e a gente não tinha nem o que comer. Então era esse era meu objetivo maior.
Quando foi que você percebeu que estava ajudando muito em casa, colocando comida na mesa?
— Foi no Coritiba, quando eu assinei meu primeiro contrato profissional. E aí eu falei para minha mãe quanto ia ganhar e ela ficou desesperada: "Meu Deus, não acredito que vai ganhar isso tão novinho. Estou trabalhando aqui há tanto tempo e não consigo".
— Cara, para você ter ideia, meu primeiro salário foi R$ 700. Em 2004. E aí tinham o seu Kruger, que trabalhava no Coritiba e que já faleceu, ele era diretor da base e inteirava também. A gente morava no Couto Pereira, jogava no profissional, mas morava no Couto Pereira. Eu não tinha apartamento para morar e às vezes ele me dava mais uns R$ 200, R$ 300 por mês de presente. "Vai lá, compra tal coisa para você, compra um chocolate, uma camisa, compra alguma coisa".
– Então, nem nos sonhos mais otimistas ia imaginar que a minha carreira ia acontecer. Saí do Coritiba para ir para o Schalke 04 do dia para a noite. Saí de Curitiba para a Alemanha, no norte da Alemanha. Foi uma mudança muito rápida.
O que sua mãe fazia?
— Minha mãe trabalha no banco, era copeira. Ela trabalhou a vida inteira nos bancos em Londrina. Fazia café para o pessoal. O meu pai faleceu em 2002. Logo que eu cheguei no Coritiba. Meu pai era assim... Participava em casa, às vezes tinha uma confusão lá com a minha mãe, aí saía e estava sempre assim, tinha as idas e vindas dele.
– Não ficava muito com a gente, mas tenho maior carinho, sempre tive muito respeito. Não era um pai muito presente, porque éramos em sete e ele também trabalhava muito porque tinha que sustentar, ajudar minha mãe no trabalho. Ele ficava um pouquinho e saía de casa também para fazer os trabalhos dele. A única coisa é que o meu pai não me viu jogar. Meu pai acompanhou quando eu era molequinho, só pegou a fase ruim. Não teve o prazer de poder desfrutar da vida boa que eu pude dar para minha família.
Esse "último dos moicanos" dialoga como com aquele garoto de cabelo cacheado, lateral agudo e jovem?
— Às vezes dá até saudade. Eu tinha cabelo para caramba, agora até meu cabelo caiu. Cabeludo, tirava maior onda (risos). Mas eu procuro passar para os meus filhos. Tenho uma filha de 15 anos, uma de 11, um de cinco e um de dois. Quero dar tudo, fazer tudo pelos filhos, dar sempre o melhor, mas eu sou muito pé no chão. Eu gosto de dar as coisas para os meus filhos, mas mostrando para eles como é difícil ter aquilo ali.
– Quem sabe de onde veio, sabe pra onde vai, né? Faço as coisas, mas sempre: "Olha, para ganhar isso aqui tem que fazer isso". Então, sempre mostrando o outro lado para não ter tudo fácil, porque na minha vida foi tudo difícil.
— Eu tive que fazer o corre para ajudar em casa, para ser o homem de casa, para sustentar minha família toda, para poder dar uma boa vida para os meus filhos. Eu falo para todos eles, até sobrinho: "Dá valor, porque é complicado e para ganhar isso aí é difícil". Eu gosto muito de fazer essa comparação da minha época com a de hoje. É claro que é um tempo totalmente diferente, mas eu gosto muito de deixar essa importância do que significa para você ganhar tal coisa, tal presente, tal brinquedo. Eu gosto muito disso.
Como caçula, imagino que tenha havido sacrifício da família para ajudar na carreira. Como foi?
— Tudo o que vivi na minha vida eu sempre levei todos eles comigo. O que eu vivi, eles tiveram o prazer de viver também. Viajar, andar de avião, ir para a Europa, comer em restaurante bom e conhecer praia legal. Eu pude oferecer para minha família e meus amigos todos.
– Eu achava que era justo fazer isso, porque eles eram muito por mim. Eu não tenho um amigo de 20 anos. Os meus amigos são todos que eram amigos dos meus irmãos e através deles viraram meus amigos. De 50 anos, 55, 60, 40 anos... Eu não tenho amigo de 25 anos. Esses caras que me ajudaram quando eu era criança, vendia garrafa para arrumar vale-transporte. Às vezes dava o vale-transporte para mim e ia trabalhar a pé, trabalhar de bicicleta. Quantos amigos fizeram isso!
– As minhas irmãs às vezes tiravam da cartela de vale-transporte do mês para dar um dinheiro para mim. "Olha, pega esse vale-transporte e troca por um dinheiro para cachorro-quente ou pelo suco". Era complicado, com sete, ainda! Se tirasse de um ali, ia faltar. Minha casa era uma refeição só. Ou era almoço ou era a janta. Não tinham duas refeições. Não sabia o que era isso. Natal, Ano Novo, era uma bandeja de iogurte. Cada um tomava um. E minha mãe nada.
– Não estou exagerando não. Minha família sempre foi assim mesmo, no limite. Eu cansei de ver minha irmã... Não tinha fraldas, essas fraldas de hoje em dia, descartáveis, nunca tive isso. E às vezes, para suprir a falta do leite que não tinha em casa, minha mãe me dava água doce. "Está cansado? Dorme. Dorme que passa a fome". E essas coisas assim marcam muito. Depois que você começa a ver o outro lado, começa a ganhar um dinheiro e ver as coisas isso marca muito. Falar de infância é f... Você me quebra aqui.
E você carrega muitos deles no seu dia a dia?
— Então muita gente fala: "Pô, o Rafinha só anda com 10, 15". Levo mesmo, levo para todo lado. Tem amigo meu que não tem um chinelo para usar e eu levo pra todo lado. Levo para a Alemanha, levo para a França. E às vezes minha mãe: "Pô, você prefere levar os amigo do que os de casa?". Os caras me ajudaram tanto, estavam comigo na fase ruim, estão comigo até o fim.
Isso às vezes é malvisto nos clubes, no ambiente do futebol?
— Não é malvisto, mas assusta. Porque jogador é visto como o cara que tem sempre 20 pessoas do lado. E os caras acham que a pessoa só quer aproveitar. "Ah, o cara só anda com dez, 15. Se ele tiver dinheiro, está todo mundo perto dele". Não, no meu caso não. E eu também não julgo ninguém. Quem sabe? Você conhece o cara desde criança para falar? Ninguém conhece.
– Esses caras estão comigo desde quando eu era criança, moleque. E às vezes assusta, por exemplo, quando cheguei aqui no São Paulo, eu falei: "Meu bonde é grande". Eu ia falar: "Olha, preciso de ingresso".
Você acha que a garotada hoje chega com essa mesma fome que você, um garoto que ganhava R$ 700, chegou naquela época?
— Chega, sim, a molecada chega com vontade de vencer, de triunfar na vida, de chegar a virar um profissional. Mas, assim, claro, com outras situações. Tem umas coisas que, no meu modo de ver, atrapalham um pouco, que é a rede social, às vezes muita informação, entendeu? Às vezes o moleque não tem mais aquela dificuldade que tinha na época que eu subi pro profissional.
"Estão deixando a identidade ser moldada pela rede social", diz Rafinha
– Hoje o moleque sobe para o profissional ganhando muito dinheiro. Não são todos, mas tem alguns que acham que já está resolvido. Não estou falando do São Paulo, estou falando no geral. Tem muita informação de rede social, de empresário, de clube. Às vezes o clube também faz muita coisa por esses atletas e deixa o moleque tranquilo, numa situação privilegiada.
— Não é que falta fome, mas se deixa levar um pouquinho, entendeu? Às vezes o torcedor fala bem, fala mal e a molecada está aí no meio nessa coisa de rede social. Isso aí hoje é uma coisa que pode atrapalhar. E atrapalha. Mas pode atrapalhar no futuro também, porque não são todos que têm cabeça.
–O cara fala ali na rede social, ele pode ter jogado uma merda de jogo, não fez nada, não acertou um passe no jogo. Mas vai na rede social e todo mundo fala que ele jogou bem, ele acredita que está tranquilo. E se ele arrebenta no jogo, mas na rede social, no Instagram, falam que jogou mal, ele vai acreditar. Eu conheço vários que estão tentando desligar um pouquinho da rede social e está melhorando muito o desempenho em treinos e jogos. Acho que isso é coisa que pode atrapalhar essa garotada que está subindo. Na minha época não existia isso, então é diferente. Não tem como julgar também.
Você já precisou pegar no pé, na orelha de um, para alertar?
— Já, eu só não falo o nome porque não é legal. Mas já. Muito, muito, muito, muitas vezes. O cara nem fala nada, mas você nota no semblante. Joga o jogo mal, outro dia chega com a cabeça baixa. Aí quando faz um gol, joga bem, chega no jogo, faz um monte de jogada boa, já chega... Então a gente sabe, não precisa falar. Eu falo pra eles: "Está te fazendo bem ficar vendo alguém te xingando, te esculachando? Se não faz bem, para que você vai ficar vendo?".
— Às vezes o que eu não gosto é quando acaba um jogo, porque tem jogador que já vai direto para o telefone, ver o que falaram... Cara, isso não é saudável. Não é só moleque não, viu. Jogadores experientes fazem isso. Não é aqui no São Paulo, é em todo lugar. Na Europa faz. Acaba o jogo, vai ver o que os caras estão falando, se estão falando bem, se estão falando mal. Hoje em dia, muitos estão deixando a identidade ser moldada pela rede social.
— Se o cara fala que você é bom, você acredita que é bom. Se o cara fala que você é ruim, você acredita que é ruim. Não é o que você faz durante a semana inteira, o trabalho que você faz ou o esforço que você faz. O sacrifício que passou no começo da tua vida... Pô, com todo respeito, a gente respeita jornalistas, esses que têm canal no Youtube, respeito tudo, mas como que eu vou deixar de fazer o que eu faço, mudar minha carreira, mudar minha vida, meu jeito de jogar, por que um torcedor que tem um canal no YouTube falou que eu tenho que bater na bola mais fraco, mais forte?
– Eu jamais vou fazer isso. A gente respeita, cada um pode falar o que quiser. Mas, assim, a minha personalidade, minha identidade ninguém vai mudar. Eu escuto, pode falar. Mas vou deixar de fazer porque alguém falou, da internet? Ah, com todo respeito, nunca. Nunca na vida!
– Ex-jogador eu gosto de escutar. O cara que já viveu o que eu já vivi. "Pô, se tivesse batido na bola desse jeito, se tivesse marcado aqui...". Aí é legal. Mas tem uns também que falam algumas besteira, mas também a gente respeita, cada um tem sua opinião. O cara falou coisa boa, eu gosto de escutar. Mesmo que seja um cara que não ganhou nada na vida, mas se é um cara mais velho, eu gosto de escutar. O que jogou futebol merece respeito. Agora, torcedor ou pessoa que tem canal aí de clube e falar o que o cara tem que fazer, o que o cara é incapaz de fazer? Não, isso não dá valor.
Como você consegue se blindar das críticas?
— Eu não vejo. Até brincam comigo que chego todo dia sorrindo. "O Rafinha está com a vida boa". Não é, por que eu vou ficar vendo uma coisa se eu sei que não vai me ajudar em nada? Se o cara fala que eu sou bom demais ou ruim demais, no outro dia vou ter que treinar igual, jogar igual, fazer as minhas obrigações iguais.
— Para que vou me estressar com isso? Rafinha não joga nada? Paciência. Rafinha está velho? Paciência. Rafinha é craque, vou fazer o quê? Eu levo a minha vida. O que eu tenho que fazer, eu tenho traçado. Treino todos os dias, me dedico ao máximo, sou profissional. Então assim, eu vou deixar de ir? Não, jamais, estou fora. Isso não me pega, deste veneno eu não tomo não (risos).
Aqui no Brasil você virou alvo de comentários maldosos nas redes sociais por, supostamente, ter sido "entregador de isotônico" no Bayern. No título carioca de 2021, você comemorou entregando isotônico para os companheiros. Aquilo te irritou ou você leva essas coisas na brincadeira?
— Isso aí foram uns caras que começaram a brincar lá no Rio de Janeiro falando que eu era entregador de Gatorade. Eu falei: "Pô, velho, que loucura". Cara, que Deus o tenha, tinha o Jorginho e o Denir (massagistas do Flamengo, já falecidos), os caras brincavam muito comigo: "Que história é essa de Gatorade?". Começaram a falar, mas eu não estava ligado em qual era o motivo.
– Depois que eu fui entender que os caras falaram que era porque eu ficava no banco no Bayern e ficava entregando água para os caras. Aí no dia da final que fomos campeões cariocas, tinha uma bolsa e um carrinho de Gatorade, e os cara lá: "Vai, Rafinha, entrega para a rapaziada". Aí eu peguei o carrinho, comecei a entregar para todo mundo. E aí viralizou.
– E foi bom demais, depois eu arrumei um patrocínio fera da Gatorade, me contrataram, fiz propaganda na Copa do Mundo. Fiz um contrato de dois anos, coisa mais linda do mundo (risos). Fiz um contrato fera. Mas vou fazer o quê? Vou brigar? Vou achar ruim? Até hoje brincam, mas foi bom demais, me deixou grande (risos). Fiz muitos jogos pelo Bayern, isso não existe.
Essa imagem do alemão durão, a Copa de 2014 meio que desmistificou, né? Com os caras brincando, todos simpáticos aqui no Brasil. Você tinha uma impressão e mudou quando conviveu com eles?
— As pessoas vendem uma imagem de que alemão é frio, que eles não gostam de dar risada. Mas eles tiveram duas guerras, é normal, o pessoal mais antigo é muito sério, de disciplina. Alemão é trabalho e casa, casa e trabalho. Não tem esse calor humano igual aqui.
– No Brasil você conhece alguém num dia e parece que é o melhor amigo do cara. Alemão para te levar na casa dele você tem de conhecer há cinco anos. Para ter confiança em você, leva tempo. Mas eu amo aquele país, tenho muitos amigos, e os caras brincam, ainda mais jogador, tiram onda, tiram sarro. Um país espetacular. Claro, cultura, civilização dos alemães é de outro mundo. Um país espetacular.
Qual a leitura que você faz do ambiente do futebol brasileiro? Acha um ambiente hostil?
— Ah, cara, essa pressão é gostosa de viver, de torcida, de campeonato, de decisões, de sempre ter de estar ganhando, isso á uma delícia, todo jogador sonha em viver essa pressão.
– Tem torcedor que acha que tem o direito de fazer cobranças que não existem, botar dedo na cara, tacar pedra, chutar carro, bater. Isso não existe. O cara perde um jogo e não pode ir no restaurante. Você trabalha de Uber, errou o caminho ontem e hoje vou te matar porque errou o caminho? Todo mundo só acerta? O atleta de futebol no Brasil tem isso, se ele erra alguma coisa, tem se ser cobrado pelo treinador, mas torcedor ameaçar, bater, ameaçar filhos, isso aí é um absurdo.
Você passou por algo assim no Brasil?
— Não passei, às vezes pega pressão de torcida que quer cobrar resultado, aí sim. Mas quando vai para a violência, perde a razão. Isso eu sou contra.
E aquele tipo de visita de líderes torcedores organizados no CT?
— Não, isso aí acontece. Time grande é isso, joguei no Flamengo, Grêmio, Coritiba, estou no São Paulo. Os caras querem que o time seja campeão. Cobrar é legal, no estádio, acha que o time não está rendendo. Mas às vezes o cara vem cobrar no CT com respeito, conversar, se ele ver o que a gente faz na semana, com certeza não vai protestar. Mas é errado, imagina a gente vai no trabalho do torcedor protestar? Tudo tem que ter limite. Ele paga ingresso, sem a torcida a gente não é nada. Mas nada de ameaçar e bater em jogador. Isso não é futebol. No Brasil, isso tinha que melhorar muito.
E como foi pra você os últimos meses antes do rebaixamento no Grêmio em 2021?
— Eu tenho um carinho grande pelo Grêmio, tinha muita vontade de jogar no Grêmio, e em 2021 fui para lá. Cara, ficamos seis meses, do começo ao meio do ano, top. Campeões gaúchos, ganhamos a Recopa Gaúcha, classificamos em primeiro na Sul-Americana, estava tudo perfeito. Era pandemia, não tinha torcida, e o time ganhando. Perdemos alguns jogos no Brasileiro, primeiro saiu o Renato Gaúcho porque o Grêmio saiu na pré-Libertadores, Thiago Nunes chegou, fomos campeões, perdeu quatro jogos no Brasileirão e foi mandado embora.
– Chegou o Felipão, ficamos um período sem ganhar e foi muito difícil. Não conseguia ganhar e, quando ganhava, os outros também ganhavam. Vou confessar, foram os cinco meses mais difíceis da minha vida. Nunca tinha passado por aquela situação, o Grêmio só com fera, um ambiente espetacular, um time de pessoas boas. E aí o pessoal de fora insistia em criar uma imagem que era um grupo que não estava nem aí com nada, mas pelo contrário. Sofremos muito naquele segundo semestre, o que terminou no rebaixamento. Não merecíamos passar por aquilo.
– Mas tenho só gratidão ao Grêmio, salário em dia, nunca atrasou, o time na zona do rebaixamento e tudo em dia, os torcedores na rua reconheciam nosso comprometimento. Foram meses de sofrimento. Fico triste ter terminado daquele jeito, mas tenho um carinho grande. Tenho muitos amigos lá. Prefiro ficar com as lembranças boas.
Qual o tamanho do Bayern de Munique na sua vida?
— Ah, eu vivi um sonho. Vivi o auge da minha carreira lá. Trabalhei com Guardiola, Ancelotti, Jupp Heynckes e Niko Kovac. Eu desfrutei muito do futebol, foi onde mais vivi o futebol, era campeão todo ano, ganhei os maiores títulos do futebol, a Liga dos Campeões, fui campeão do mundo, Supercopa da Europa, ganhei muitos Campeonato Alemão, Copa, Supercopa...
– Fora os títulos, que marcam, o respeito que consegui ganhar naquele time, nos últimos quatro anos, de 2015 a 2019, virei o terceiro capitão, foi um período especial, joguei só com fera do lado, a bola chegava redonda, todo fim de semana a Allianz Arena com 80 mil pessoas, cara, de verdade... É um filme que eu queria voltar e começar do começo. Não me arrependo de nada, vivi intensamente, não via a hora de ir treinar, o time era muito bom, unido fora de campo. Ganhei tudo o que tinha de ganhar no Bayern.
E existe um combinado que você fará um jogo de despedida?
— No meu último jogo, eu não joguei. E aí o Rummenigge falou: "Você tem que jogar um último jogo no Bayern". O treinador fez as escolhas dele, um cara nosso foi expulso e ele não me botou no meu último jogo. Tivemos essa conversa. O Bayern me deixou essa porta aberta para eu fazer o último jogo. E fui para lá no ano passado, o jogo dos dez anos de tríplice coroa, e falaram que estão me esperando para eu fazer o último jogo.
E daí vem o reconhecimento sobre você num trecho grande da biografia sobre o Guardiola, né?
— Ali foi o carimbo. Eu até brinco, o Guardiola só carimbou, botou no livro dele, reconheceu firma ali que aquele momento para o clube, para o time, para aquela grupo eu era muito importante. Ele coloca no capítulo do livro dele: "Rafinha, o mais importante". É complicado falar, quem sou eu para falar uma coisa dessa, quem falou foi ele, o melhor de todos (risos). Brincavam comigo: "Só porque o Guardiola falou".
– Mas é o carinho e respeito que teve por mim, de me colocar neste pedestal como o mais importante daquele time que só tinha fera, eu era peixe pequeno, mas com ele foram mais de 120 jogos em três anos, foi o treinador que eu mais joguei na minha carreira. Ele falava que eu era um jogador que ele podia contar sempre, que jogando ou não jogando eu estava sempre com a mesma cara.
– Eu estava no Bayern, sendo treinado pelo Guardiola, meu concorrente era o Philipp Lahm, aí ele coloca o Lahm no meio-campo para eu jogar de lateral-direito. Vou falar o quê? Abracei aquela situação, foram três anos de aprendizado, onde desfrutei do futebol. É gostoso demais jogar em time bom, com treinador bom, sabendo que você vai ganhar.
Neste ano tivemos os dez anos da vitória da Alemanha por 7 a 1 contra o Brasil na Copa do Mundo de 2014. Como foi viver isso lá do outro lado?
— Eles tiraram muita onda, meu Deus do céu. O Thomas Müller nem se fala. No começo tudo bem, o Dante estava de férias, mas quando ele voltou o negócio ficou sério, o cara estava ferido. Eles brincavam: "Aí Rafinha, escapou". O Dante ficava no veneno. Eu falava: "Calma, Bahia". Toda hora soltavam piadinha.
– Às vezes falavam: "Olha, Rafa, dia 7". O Dante um dia falou: "Por favor, parem com essa brincadeira que não é legal". Mas não tinha como. Eu não participei, então eu falava: "Para, o Dante está triste". Mas no começo eles tiravam onda. Tinham dez deles lá, não tinha como achar ruim. Foram campeões do mundo, ganharam do Brasil e depois da Argentina. Filho, vai falar o quê? Boateng, Neuer, Philipp Lahm, Schweinsteiger, Toni Kroos, Müller, Götze, Mario Gómez... Todo mundo estava lá.
Rafinha relembra passagem no Bayern de Munique e zoação de alemães por 7 x 1
E você vendo o jogo, o que achou?
— Então, eu não vi o jogo, estava no avião voltando para a Alemanha. Não esqueço quando o piloto falou que o Brasil tinha perdido por 7 a 1, ninguém achou que era verdade. Todo mundo achou que era brincadeira. Infelizmente aconteceu, é triste, tinha muito amigo nosso, desvaloriza a gente, né? Quem está fora do Brasil sente. Complicado.
Mas você consegue entender aquele jogo?
— Os caras já sabiam muita coisa, desde 2006 quando perderam a Copa na Alemanha, reformularam a seleção, em 2010 perdem a semifinal para a Espanha e em 2014 eles estavam preparados. Lembro que o Klose falava: "Rafinha, a gente já sabia o que ia fazer".
– Estava tudo desenhado, não fizeram força para fazer gol. Mas é triste, não gosto de falar disso, falar de fora é fácil, quem estava lá fica marcado, é ruim, os caras têm história linda no futebol, não pode acabar a carreira dos caras por causa de um jogo. Falam que o jogo mais difícil na Alemanha foi contra a Argélia. Eles falavam lá. Os alemães estavam preparados para ganhar aquela Copa.
Você tem uma coisa meio mal resolvida com a seleção brasileira? Fez a base inteira, Mundial Sub-20, medalha de bronze nas Olimpíadas, teve a dispensa. É algo mal resolvido para você?
— Não é mal resolvido. Uma vez eu pedi para ser desconvocado da Seleção. Quem sou eu para falar de Seleção, né? Minha história em Seleção é muito curta. Eu joguei oito anos no Bayern e tive muito pouca chance, essa é a coisa. Eu tenho de agradecer ao Dunga, a ele eu sou grato. Quando eu estava no Schalke 04, ele me acompanhava e me levou em 2008, competindo com Maicon e Daniel Alves.
– E me levava várias vezes para a Seleção. A ele eu sou grato, me convocou e me botou para jogar. Mas faltou uma Copa do Mundo para mim, eu tinha que ter jogado uma Copa do Mundo. Foram 14 anos de Alemanha, um na Grécia, um na Itália, tinha experiência, joguei muitas decisões, faltou uma Copa.
Qual Copa?
— A de 2014, o Maicon estava bem, mas estava machucado, mas Maicon e Daniel Alves eram superiores a mim naquele momento. Agora em 2018 eu tinha que estar naquela barca, respeitando quem foi, mas eu estava muito preparado, na preparação da Copa eu tinha de ter tido mais oportunidades. Aí, Felipão me levou numa convocação antes da Copa de 2014, mas o grupo já estava fechado, o Parreira mesmo me falou, Felipão queria me testar, mas o grupo estava fechado...
Mas você entende quando acontece uma convocação por afinidade?
— Difícil falar. Cara, a seleção brasileira é o ponto mais alto para nós, nem sempre vão os que estão melhores no momento. Conta muito confiança do treinador, isso também é válido, mas acho que a Seleção precisa ser momento.
Ser mais contestador te atrapalhou com Tite?
— Não, meu negócio com o Tite foi diferente. Ele me ligou uma vez, disse que acompanhou a pré-temporada no Bayern nos Estados Unidos, me elogiou, gostaria de saber meu sentimento com a Seleção. Eu fui claro: "Olha, professor, obrigado, só de estar me ligando já está ótimo. Mas eu pedi para ser desconvocado porque não me via concorrendo. Eu era quarta opção. Dois machucaram e o quarto era eu. Eu não fazia parte da disputa".
– Às vezes improvisavam o Fabinho, do Monaco, e não me convocavam. Então eu falei: "Se você me convocar, eu gostaria de ir se tivesse continuidade, se me desse umas duas ou três convocações para me ver jogar". Se ele me levasse, eu ia fazer minha parte, confio muito em mim, eu ia ajudar, estava de titular no Bayern. Ele disse que não garantia convocação, mas entendeu meu desejo. A gente estava indo num jantar, eu e o Lincoln, que é meu amigo. Ele entendeu. Teve umas duas convocações, ele não chamou, e em junho de 2017 ele me convoca para dois amistosos na Austrália, nossa que viagem pertinho, lá na Austrália, contra a Argentina e a Austrália.
Abre Aspas: Rafinha se ressente de não ter jogador Copa e mostra mágoa com Tite por 2018
– Beleza, joguei uns três minutos contra a Argentina e depois contra a Austrália joguei o jogo inteiro. Na minha concepção, fui bem. Volto para a Alemanha e na convocação seguinte ele não me convocou. Outra convocação, ele não me convocou. Eu falei: "Cara, tem algo errado". Ele falava que eu estava no radar. No final do ano de novo, a penúltima antes da Copa, aí eu desisti, larguei.
— Eu tinha falado para ele no telefone que só gostaria de ir se tivesse sequência. Assim, aconteceu, não me chamou mais, não tive mais oportunidades, fiquei chateado. Faltou uma Copa do Mundo. Joguei Sub-17, Sub-20, mas faltou. Podia ter ajudado todo mundo, estava jogando num nível altíssimo no Bayern. Merecia, né? Fiz uma carreira espetacular.
Você teve convites da seleção da Alemanha? O seu pedido de desconvocação em 2015 foi por isso?
— Não, isso foi depois, eu pedi a desconvocação antes. Aí o Joachim Low e o Hansi Flick (auxiliar) foram no Bayern, e o Philipp Lahm estava saindo da seleção e disse que o cara que poderia substituí-lo era eu. Eles vieram, falaram que iam fazer todo projeto, eu já estava com o passaporte na mão, eu abracei, falei: "Estou dentro". Falei por telefone, que eu queria jogar pela Alemanha, que estava zangado, que no Brasil não tinha oportunidade. Eles vieram firmes. Aí final de 2015 ia ter uma convocação, Alemanha contra a Bósnia. E lá eles avisam um mês antes, falaram que eu seria convocado. Mas fui bunda-mole, pulei para trás. Eu tinha vontade de jogar pelo Brasil uma Copa do Mundo, não pela Alemanha.
– Fiquei em cima do muro. Os jogadores falaram que queriam que eu jogasse. Mas quando surgiu o boato que ele ia me chamar, o coração falou mais alto. Não é que me arrependo, mas queria jogar no Brasil. Falei para os caras do Bayern que eu não me sentia confortável. E já tinha feito tudo.
Faria diferente hoje?
— Ah, se soubesse que eu não ia ser convocado, eu teria ido, teria jogado a Copa do Mundo de 2018 pela Alemanha, mas eu queria pelo Brasil. Fui convocado (para as Eliminatórias), mas para a boa que era a Copa, eu não fui.
Como torcedor do Brasil, como vê a Seleção e o momento do Neymar?
— Eu comecei a torcer muito mais para a Seleção agora que o Dorival está no comando. Com o Fernando Diniz também já estava torcendo bastante. A gente tem que torcer para o Brasil voltar a vencer, a conquistar títulos. É o país do futebol, o mundo deve ao Brasil, a gente precisa voltar aos trilhos e tenho certeza que o Dorival fará um grande trabalho, que os jogadores rendam na Seleção o mesmo que rendem nos clubes. A Seleção está bem servida.
— E sobre o Neymar, a gente tem que tratar o Neymar com muito mais carinho, o torcedor e a imprensa às vezes pegam muito forte com ele. Neymar é o melhor que nós temos agora depois de Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo, essas feras que passaram, ele é o melhor que temos.
"A gente tinha que tratar o Neymar com mais carinho", diz Rafinha
– Temos que cuidar do Neymar, igual Portugal cuida do Cristiano Ronaldo, igual a Argentina cuida do Messi. Não estamos fazendo isso. Todos que estão na Seleção são bons, mas igual o Neymar não tem, é o melhor que nós temos. Temos que fazer de tudo para sele voltar em alto nível, aí teremos grandes chances de trazer algo para o Brasil. Ele é o único que nós temos que faz diferença.
– Querem criticar? Critiquem quando ele jogar mal. Parem de falar da vida privada. Se pinta o cabelo de amarelo ou azul, se a chuteira dele é verde, deixa ele à vontade. O Neymar é nosso craque, joguei contra e a favor. Tem de cuidar deste moleque, se ele não jogar bem, aí falem. Não tem ninguém igual ao Neymar. Ele 50% é melhor que muitos. Torço para que esteja bem de novo. Ele é a nossa salvação.
Você trabalhou com Guardiola e Ancelotti, que já foram especulados para treinar a Seleção. Qual sua opinião sobre treinador estrangeiro para comandar o Brasil?
– Não, não, não, não gostaria. Pode ser o Guardiola, qualquer um, que eu não gostaria. Temos bons treinadores e treinador da Seleção tem que ser brasileiro. Com todo respeito aos de fora, mas nós temos boa escola de treinadores, bons treinadores aqui. É que o nosso torcedor, a imprensa quer resultado imediato e isso é o que falta para nós.
No relatório do Textor no ano passado, do 5 a 0 do Palmeiras sobre o São Paulo, você é um dos citados. O que você achou daquilo?
– Eu tive vontade de falar algumas boas para ele, viu? Vou ficar quietinho, não vou responder, não. O São Paulo já fez a parte dele, mas ele foi um irresponsável, né?! As falas dele, o que ele diz é de uma irresponsabilidade muito grande. Um cara do calibre dele, respeitado no futebol europeu, dar umas falas daquelas e acusar essa situação foi bem irresponsável, mas não foi falar, não.
– O São Paulo vai tomar as providências. Um dia vou encontrar com ele pessoalmente e converso, estou com o inglês em dia e ele vai entender. Mas foi irresponsável, porque não pode acusar um jogador profissional e o São Paulo Futebol Clube de uma situação daquelas.
Rafinha rebate acusações de John Textor: "Irresponsável"
E de que maneira você vê esse novo cenário de realidade das apostas no meio do futebol, que tem causado episódios delicados?
– Eu vivi isso em 2010 na Itália. As pessoas falavam e eu não acreditava. É chato, estraga o futebol. Eu estava no Genoa quando teve esse escândalo na Itália. É uma coisa que a gente entende a situação de cada um, mas não apoio e não passo pano, é horrível. Mas vi alguns garotos falando que estavam sem dinheiro, salário atrasado, isso e aquilo e vem a tentação, sem comida para a família, vem a fraqueza para abraçar a situação que acaba a carreira dele.
– É certo? Horrível, erradíssimo. Tem tanto pai de família que sofre, não tem um centavo no bolso e não faz nada de errado, não rouba. Não é certo, quem errou tem que ser punido e mancha o espetáculo. Imagina você entrar no campo para dar a vida e o outro estar na intenção de fazer um pênalti, fazer uma coisa.
– E mais errado ainda quem induz o outro a fazer uma merda dessa e estraga a carreira por causa de R$ 30 mil. É um dinheirão? É, mas vai acabar a carreira por causa desse valor? Então, as pessoas que participam são erradas, mas também muito errado é quem induz.
Já falamos de Bayern, Seleção, Grêmio, e agora vamos falar de Flamengo... O que você tem no seu coração de tudo o que viveu neste mundo Flamengo?
– Quando vi onde eu estava me metendo, eu vi que o negócio era muito maior do que eu imaginava. O Flamengo é um absurdo. Naquele momento, era a vontade dos torcedores que o Flamengo conquistasse uma coisa grande.
– Começamos a treinar durante a Copa América, e as pessoas parando na rua, por todo lado o Rio de Janeiro inteiro Flamengo. Estreei contra o Goiás um domingo 11h da manhã. Nunca tinha jogado neste horário na minha vida. Primeira bola que eu pego, eu domino, dou chapéu em um, chapéu no outro, dou uns toques de cabeça e foi meu cartão de visitas. Ganhamos por 6 a 1 e o bicho pegou. Na quarta-feira, já era jogo de volta contra o Athletico-PR e perdemos nos pênaltis.
Rafinha relembra Flamengo de 2019 e crava: "A gente sabia que iria ganhar"
– No fim de semana, fomos jogar contra o Corinthians e a torcida foi pegar a gente no aeroporto, protesto. Pensei: "Rapaz do céu, o que é isso? Duas semanas só que estou aqui". Fomos enfrentar o Emelec em Guayaquil. Eles fizeram 1 a 0. O Diego quebrou a perna e no fim ainda tomamos um gol: 2 a 0. Falei: "Meu irmão, a casa caiu". Não podíamos ser eliminados.
– Fomos para o jogo do Emelec, depois do Morro da Mangueira era sinalizador para caramba, uma loucura. Abrimos 2 a 0 no primeiro tempo e acabamos levando para os pênaltis. Logo pensei do jogo com o Athletico-PR. Antes de eu bater, o cara errou o pênalti, eu fui bater firme cruzado e fiz. Em seguida, o Emelec errou e depois daí eu realmente cheguei. Começou a minha vida no Flamengo.
Quem mais te impressionava naquela time?
– Era muito cara bom. O nosso ataque era a cara daquele time. Everton (Ribeiro) comigo na direita, Arrascaeta com Filipe na esquerda, Bruno Henrique e Gabigol. A "cozinha" era muito arrumada, o time encaixou. Aí, ninguém segurou mais a gente. Daí para frente, foi só alegria. Mas é aquilo: oito anos e meio de Bayern de Munique e em um mês de Flamengo vivi tudo isso que contei. Imagina se sai da Libertadores?
Vocês têm um grupo de Whatsapp deste elenco. Conversando entre si, vocês têm noção do tamanho do que esse time representa?
– Hoje, depois de alguns anos e muitos saíram, outros já pararam, temos noção do que foi aquilo ali. Para nós, vivendo aquilo ali, foi muito intenso. É difícil você jogar no Brasil esses campeonatos longos e jogar com a certeza... Era difícil imaginar que tinha alguém melhor que nós. Não. A confiança era tão grande que a gente até brincava. O Gabigol falava que ia fazer dois, o Bruno Henrique também, então vai ser quatro. Era garantido.
– O Flamengo ganhou a Libertadores de 2022, mas quem fala? E com uma campanha até melhor. Ganhamos Supercopa, Recopa, Carioca, Guanabara, Libertadores, Brasileiro, e jogando bem, o que é difícil. Manter um padrão no Flamengo, que é um clube gigante. Hoje, temos noção do que representa e que ficamos marcados não só pelos títulos, que é gostoso em clube grande, mas pelo que a gente jogava, se divertia em campo, pelo que desempenhamos no Flamengo, a preparação, a caminhada...
A decisão da Libertadores completou cinco anos recentemente e mobilizou os torcedores nas redes sociais. Há ainda alguma história de bastidores daquele dia em Lima que nunca foi contada?
– Para mim, foi a primeira de Libertadores, mas tinha jogado na Europa, Liga dos Campeões, Mundial, um monte de jogo grande, já tinha vivido e para alguns não. Um dia antes do jogo, eu falei: "Fizemos samba o ano inteiro, churrasco ano inteiro, e agora na final não vamos fazer? Na boa nós vamos quebrar o patuá? Não, não, não". Falei com os roupeiros para levarem os instrumentos para o vestiário e quando acabar o treino ia ter samba, as dez mais para quebrar o gelo e ficar tranquilo.
– Estava todo mundo tenso e preocupado, mas os caras não queriam. Cada um foi para o chuveiro, banheira, todo mundo de toalha, e eu comecei o samba. O mais legal naquele momento foi que precisávamos quebrar aquela ansiedade. Saímos do Rio com a torcida levando a gente até o Galeão, avião saindo, helicóptero no Ninho. Nem eleição nos EUA tinha aquilo ali. Para sair de Vargem Grande foi quase duas horas. Não dava para fazer nada. Isso gera o quê? Ansiedade.
– Foi bacana demais, foi muito legal. Esse samba também foi maravilhoso, todo mundo veio, o Mister veio, o Braz participou, diretoria, comissão... Foi um samba legal mesmo e deu uma quebrada. Foi isso que ganhou o jogo? Não, mas deixou a gente mais tranquilo para a situação que estávamos vivendo e ficamos mais de boa para o dia do jogo.
Teve samba também na final da Copa do Brasil, um título que o São Paulo nunca tinha vencido?
– Fizemos também, fizemos ali no barbeiro antes do jogo. Alguns não gostaram, ficaram meio tensos achando que estávamos contando vitória, mas não... Isso faz bem, dá uma descontraída, foi um samba legal.
E qual foi a pressão naquele momento?
– Aqui foi pior ainda. O que eu vivi no Flamengo na Libertadores, o São Paulo fez na final da Copa do Brasil. O que fizeram na saída para o primeiro jogo, nunca existiu no São Paulo na história, nem quando foram campeões do Mundial.
Na véspera da semifinal com o Corinthians, havia uma decisão da Polícia para impedir esse tipo de manifestação e soubemos que você tentou reverter isso...
– Na verdade, foi o (Carlos) Belmonte (diretor de futebol do São Paulo). Eu e o Calleri falamos com ele que precisávamos da torcida. A torcida do São Paulo faz essa recepção como ninguém. Na arquibancada, eles dão show, sem querer fazer média com a torcida. Mas o que eles fizeram ali, pelo amor de Deus, os caras incendiaram o Morumbi. Não tinha como. Estávamos a uns 300 metros do estádio e começou os caras empurrando o ônibus, rojão, bandeira para tudo quanto é lado.
Você falou que participou da vinda de jogadores para o São Paulo, houve também o caso do James... Vai trabalhar muito nas férias em busca de mais reforços?
– (risos) Quando o pessoal da diretoria pede ajuda, a gente liga, mas temos dirigentes e diretores muito competentes para isso, analistas. Quando dá, a gente liga... Liguei para o James, Lucas, Ferreirinha, Luiz Gustavo, para todo mundo. Mas o pessoal do clube é muito capacitado para isso, está monitorando todo mundo. Se precisar de uma ajuda, pode ter uma ligação chamando para o nosso lado. Isso faz diferença também.
Você é um cara marcado pela liderança. Estamos falando de tabus no meio do futebol e um deles é a dificuldade que jogadores gays têm de externar a orientação deles. Em um caso hipotético, se um colega no vestiário te pedisse uma opinião, você aconselharia a sair do armário?
– Eu não tenho preconceito nenhum com essas coisas, não. Eu vi na Alemanha, um país que o futebol feminino é gigante, mas aqui fica isso de futebol ser só masculino e tem esse problema. Mas cada um tem sua vida. O cara está feliz e quer seguir a vida assim? Respeito. Eu vou saber o que o cara faz da vida pessoal? Não me interessa.
– O ambiente atrapalha, porque tem muita gente que não tem essa maturidade em um vestiário só com homem. Não vou ser hipócrita, eu sei que é difícil e passei por isso na Alemanha. Alguns jogadores assumiram no Sttutgart e depois tiveram problemas até entre eles. O futebol é uma escola da vida e às vezes o cara tem um preconceito e não gosta. Falando por mim, se um dia alguém perguntar, eu falo para levar a vida feliz, mas os caras têm medo também da sociedade, o torcedor...
– Não vamos ser hipócritas de falar que tudo é bonzinho, porque não é. Temos um país que tem a mentalidade de futebol para homens e tem gente que não aceita. Falando por mim, cada um leva sua vida, se é gay ou não, se quer se abrir ou não, eu respeito. Quem sou eu para julgar ou falar o que cada um tem que fazer. Se viesse me consultar, eu daria minha opinião na boa sem preconceito. Às vezes, tem alguém com a gente ali no dia a dia, é gay, e ninguém sabe de nada.
Voltando para essa reta final de carreira, você já decidiu o que fazer depois que parar? Pensa em ficar no futebol?
– Eu quero virar a chave do atleta de futebol profissional, sair e me preparar. Fazer estágio na Alemanha, Inglaterra, Espanha, ir nos treinadores que trabalhei e fazer estágio. Aqui no Brasil também... Em 2026, quero começar minha carreira como treinador. Sei que a caminhada é difícil, mas vou trabalhando, me dedicar, fazer o que tiver que fazer, para em 2026 estar na beira do campo como treinador.
Você já comentou sobre trabalhar com o Filipe Luís. É realmente uma possibilidade?
– Tem a possibilidade de um dia trabalhar junto. O Filipe é meu irmão, mas tenho convite do Jorge Jesus, do Xabi no Leverkusen... Tenho bastante convite para ser segundo, estar junto e aprender. Vou decidir ainda, começar como auxiliar, fazer estágio.
São 32 títulos, entre eles Champions, Mundial e Libertadores. Qual o tamanho do Rafinha para o mundo do futebol?
– Em relevância? Sou suspeito para falar isso, mas tem que respeitar o velhinho, né?!
Como o Márcio definiria o Rafinha?
– É cobra criada, né?! É um vencedor, tem que respeitar. Um privilegiado. É difícil você ser campeão uma vez, tem jogador com dois, três títulos na carreira toda, olha quantos eu tenho? Eu agradeço muito a Deus e não peço nada. E tem que respeitar o nego velho, para ganhar tudo isso aí não é fácil, não. Dá para contar história. Até brinco com o Doutor Sanchez que se juntar nós dois, todos os títulos, dá para enrolar umas cinco múmias de tanta faixa.
– Eu sou um privilegiado e vencedor na minha vida, principalmente. Os títulos são consequência do que fiz na carreira, mas sou privilegiado. É o que eu falo para os moleques que eu sou um cara chato, mas se eles forem chatos como eu e vencedores, ótimo. Sou chato, cobro, mas sou vencedor. Tiro onda, faço um samba, mas quando é para pegar doído, eu pego.
– De que adiante ser simpático e não ser vencedor, não ganhar título? Aí, não. Sou chato, cobro, procuro ser exemplo em todos os sentidos, chegar cedo, dedicação, eu sou chato e todo mundo do São Paulo sabe. Pego no pé de tudo, reclamo de tudo, mas sou campeão. Prefiro ser assim: um chato vencedor do que um simpático que não ganha nada.
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