Por Sarah Resende, g1 — São Paulo


Por que os europeus estão revoltados com o turismo de massa?

Por que os europeus estão revoltados com o turismo de massa?

Hordas de turistas dispostos a gastar e fortalecer o comércio local costumavam ser motivo de orgulho para as cidades, que inclusive se esforçavam para receber mais e mais visitantes. Mas, em muitos lugares do mundo, inclusive destinos queridinhos dos brasileiros, o jogo virou. Agora, moradores criam estratégias para espantar turistas, entre elas taxas, limites diários de passeios e até proibição de circular ou tirar fotos em determinados pontos.

✈️ 🧳O fenômeno não tem um nome oficial, mas é chamado informalmente de "turismofobia" ou "overtourism", por exemplo. Na prática, os termos referem-se à presença exagerada de turistas em um determinado lugar.

Para Ricardo Roitburd, docente da área de Turismo do Senac São Paulo, a "turismofobia" reflete a insatisfação dos moradores locais com as consequências que esse excesso traz.

"Essa insatisfação pode ocorrer por diversos motivos, como o aumento da violência e do trânsito e o esgotamento da infraestrutura (água, energia, esgoto etc.)", explica Roitburd.

Protesto contra turistas em Barcelona diz que cidade não está à venda — Foto: Josep Lago/AFP

"A baixa percepção de retorno econômico e social da vinda dos turistas tem fomentado o crescimento expressivo da 'turismofobia'."

Renan Augusto Moraes Conceição, pesquisador e doutorando em turismo pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da Universidade de São Paulo (USP) e professor do Instituto Federal de São Paulo, tende a refutar o termo "turismofobia" — fobia, ao pé da letra, significa "medo exagerado", "falta de tolerância", "aversão".

Ele atribui a popularização da palavra à imprensa — para além disso, os argumentos dele, entretanto, vão ao encontro do que defende Roitburd.

"Não é um ódio ao turista. É contra essa forma de se produzir um fluxo turístico que desconsidera completamente a população que vive naquele lugar", diz Conceição.

"Não é tão simples assim. É o que aparece [na imprensa]. Porque, aí, tem um entendimento mais amplo, mas acaba deixando de fora e desconsiderando os reais motivos da manifestação, que é justamente esse encarecimento da vida, essa impossibilidade de viver onde a pessoa morou a vida inteira, os transtornos e os distúrbios urbanos."

Entre os principais problemas com o excesso de turismo, segundo profissionais que estudam o tema, estão:

  • trânsito em excesso;
  • muito barulho;
  • perda da identidade local;
  • e substituição de comércios locais por grandes empreendimentos.

Espanha, Holanda, Japão, Brasil...

A Espanha é um dos exemplos mais clássicos (e antigos).

Em julho desse ano, moradores protestam com pistolas de água contra turistas em Barcelona sob o lema "Basta! Ponhamos limite ao turismo!". Por lá, o prefeito Jaume Collboni anunciou planos de proibir aluguéis de imóveis de curto prazo a partir de novembro de 2028.

Também na Espanha, outro exemplo é Maiorca. "Muitos turistas têm comprado imóveis na ilha, inflacionando os valores e dificultando a compra pelos moradores locais", avalia Roitburd.

Já em Veneza, na Itália, o governo passou a cobrar uma de taxa diária de 5 euros de turistas. E Amsterdam, na Holanda, proibiu a construção de hotéis como uma tentativa de "manter a cidade habitável para residentes e visitantes".

E, mais recentemente, ocorreu algo semelhante em um local fora do tradicional círculo europeu: o Japão, considerado um destino longe e caro.

"A partir das Olimpíadas de Tóquio, o Japão entrou no radar do turismo internacional, o que incomodou a população. Aí, eles começaram justamente a fazer as mesmas coisas que aconteceram na Europa: fechar ruas para a circulação de turistas, como é o caso de Kyoto, aquelas ruas tradicionais onde ficam as casas de gueixas e tudo mais", diz Conceição.

Em março, Isokazu Ota, um dos principais membros do conselho comunitário local, disse, segundo a agência AFP, que as autoridades não queriam tomar tal atitude, mas que "estavam [todos] desesperados".

Em maio deste ano, outra cidade no Japão inaugurou uma cortina preta de 2,5 metros de altura e 20 m de comprimento para separar os turistas de uma vista do monte Fuji em frente a uma loja de conveniência.

Por aqui, um exemplo clássico e conhecido é Ubatuba, no Litoral Norte de São Paulo. Em dezembro de 2023, a prefeitura deu início à primeira temporada de verão desde a implantação da taxa ambiental — uma cobrança diária para veículos na cidade.

Em todo caso, como defende Conceição, "o cotidiano do morador é profundamente impactado por esse fluxo intenso de turistas."

De quem é a culpa?

Muita gente coloca a "culpa" no pós-pandemia. De certa forma, é um clichê, mas real: a Covid mudou muito o modo de viver e trabalhar de todos. Já se passaram quatro anos desde o ápice, mas ficou a sensação de que é necessário aproveitar mais os momentos em família, evitar o trânsito com deslocamentos ao trabalho e privilegiar o bem-estar.

🏖️ Bem-estar esse que, muitas vezes, está ligado a passeios, viagens...

"No pós- pandemia, os locais turísticos tiveram um aumento expressivo de turistas que, por um lado levaram emprego e crescimento econômico, mas, por outro, inflacionaram os preços e ocuparam os espaços outrora dos moradores", diz Roitburd.

Para além da pandemia, há quem defenda que a facilidade proporcionada pela internet, que se disseminou ao longo dos anos, tenha peso nessa discussão. Por quê? Com mais acesso a informações, fica mais fácil encontrar destinos, fazer reservas, comprar voos, trocar moedas etc.

Além disso, a popularização de séries e filmes ambientadas em lugares fora do comum podem ter dado um empurrãozinho.

Segundo a agência de notícias AFP, o fascínio pelas gueixas de Kyoto cresceu desde a estreia da série "Makanai, a cozinheira maiko", no início de 2023, na Netflix.

Tem solução?

Se discutido de forma ampla, com autoridades, estudiosos do tema e os próprios moradores, pode ser que sim — o que não significa que a tarefa seja fácil.

O professor Roitburd defende que o assunto seja debatido, também, em sala de aula.

"Os futuros profissionais do setor precisam perceber este movimento e principalmente refletir sobre isso, não só para ficarem atualizados, mas, principalmente, para ajudarem a encontrar soluções inovadoras para estes conflitos."

Quanto a cobranças de taxas, por exemplo, há quem defenda que isso elitiza o acesso a lugares turísticos importantes, já que a viagem tende a ficar mais cara.

"São formas eficientes, mas, ao mesmo tempo, excludentes, causando uma discriminação entre os mais rápidos para reservar ou os de maior poder aquisitivo", diz Roitburd.

Onde menos é mais (para os habitantes locais)

Na ponta dessa lista estão Espanha e Itália como os lugares mais famosos na batalha contra malas e selfies para redes sociais em excesso.

Mas, fazendo escola pelo mundo, esses não são os únicos países com cidades nessa situação... A seguir, conheça alguns lugares onde "menos (turistas) é mais":

Veneza

Pioneira na prática, a cidade de Veneza iniciou, em abril, a cobrança de uma taxa de entrada diária de 5 euros (cerca de R$ 30). A cidade recebeu, em 2023, 20 milhões de turistas, em uma área de 5 km² e que conta com 49 mil leitos turísticos.

Na contramão do risco de mais turistas em uma cidade que corre risco de "desaparecer", há moradores que temem que o local se transforme em um "museu".

Imagem de arquivo mostra Veneza — Foto: Reprodução Jornal Nacional

Cinque Terre

Ainda na Itália, autoridades de Cinque Terre, um conjunto de vilas encaixadas entre a costa da Ligúria e montanhas íngremes, trabalham urgentemente para garantir que o local, também um patrimônio da Unesco, não corra o mesmo risco que Veneza.

Segundo o jornal britânico "The Guardian", as medidas testadas até agora incluem tornar unidirecional a trilha mais congestionada do parque nacional, o Sentiero Azzurro, que se estende entre Monterosso al Mare e Vernazza, em feriados públicos.

Manarola, Cinque Terre — Foto: Reprodução/Twitter/@cinque_terre

Mas o maior desafio de Cinque Terre é gerenciar as multidões que lotam suas pequenas vilas. Os 4 milhões de visitantes que estiveram lá no ano passado estavam concentrados em uma área de 1 km, apenas 3% de todo o parque nacional, também segundo o "Guardian". A maioria chega de trem, mas milhares de passageiros por dia desembarcam por ferries que transportam passageiros de navios de cruzeiro atracados na vizinha La Spezia.

O parque de Cinco Terras também vai cobrar ingresso para famosa passarela costeira conhecida como o Caminho do Amor. Haverá visitas com horários determinados e vagas limitadas. O preço ainda não foi estabelecido.

Dubrovnik

Dubrovnik, na Croácia, em foto de junho de 2022 — Foto: Oktoober/Wikimedia Commons

A cidade croata de Dubrovnik proibiu que viajantes desembarquem na região com malas de rodinhas.

A proibição inusitada, que dividiu opiniões na internet, veio depois de diversas reclamações de cidadãos locais por causa do barulho.

Barcelona

Imagem ilustrativa mostra a cidade de Barcelona — Foto: Reprodução Jornal Nacional

O prefeito de Barcelona anunciou que vai proibir aluguéis por temporada para combater a falta de moradias. Essa medida, segundo a associação de proprietários, entretanto não vai resolver a crise dos alugueis na cidade — que, em geral, aumentaram quase 70% na última década.

Bali

Desde fevereiro, os visitantes da ilha indonésia de Bali são obrigados a pagar uma taxa de 150 mil rupias indonésias por visita.

O montante arrecadado é utilizado para apoiar a preservação dos bens culturais e naturais da ilha, onde o turismo tem traz desafios que vão do lixo ao abastecimento de água, para além da sobrelotação.

Fuji-Kawaguchiko

No Japão, as autoridades da cidade onde fica o Monte Fuji, chamada Fuji-Kawaguchiko, passaram a limitar o número de visitantes a 4.000 por dia. Eles também impuseram uma taxa de 2 mil ienes (cerca de US$ 13) para acesso ao icônico cume.

A população local, com menos de 25 mil habitantes, reclama de sujeira, falta de educação, riscos de atropelamento e estacionamento ilegal.

Turista na frente da loja de conveniência com o monte Fuji ao fundo — Foto: Reuters

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