Trabalho registrado x Influenciador digital: conheça os ‘Blogueiros CLTs’
Acordar cedo, pegar transporte público lotado e passar duas (ou mais) horas para chegar ao trabalho. Essa é a rotina de boa parte da população das grandes cidades brasileiras. Mas tem gente que viu a oportunidade de fazer uma grana na internet mostrando a dura realidade do trabalhador.
São chamados “blogueiros CLTs”. Como bem diz o nome, são empregados comuns que decidiram criar conteúdo para as redes sociais, mostrando os perrengues do dia a dia de quem tem carteira assinada.
Quem conseguiu juntar um bom número de seguidores passou a conciliar a vida de influenciador digital com o trabalho formal. Mesmo já tirando uma renda com a internet, os blogueiros ouvidos pelo g1 não pretendem abandonar tudo para viver disso, porque não querem abrir mão dos diretos trabalhistas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
“Meu conteúdo é muito sobre a minha rotina, sobre como é ser CLT e pegar metrô lotado todos os dias. As pessoas se identificam muito com isso”, explica o carioca Pedro Bonvivant, de 27 anos, que acumula mais de 11,5 milhões de curtidas no TikTok.
Pedro é formado e trabalha com marketing. Ele cria conteúdo desde 2019, e agora mantém as duas profissões. Com mais de 607 mil seguidores, o influencer faz sucesso ao mostrar as clássicas situações engraçadas que todo trabalhador CLT já vivenciou.
“Tem gente que acha que eu vou para o metrô só para gravar, de brincadeira, só pelo conteúdo. Mas não, eu estou indo e voltando para o trabalho de verdade”, conta Pedro, que roteiriza e edita todo os conteúdos no trajeto de uma hora entre casa e trabalho.
Nos dias de folga e aos fins de semana, o influencer destina parte do tempo para gravar vídeos de publicidade e parcerias. Pedro não pensa em deixar o trabalho registrado, e todo o dinheiro que ganha com as redes é guardado para a compra de uma casa própria.
“Hoje em dia, eu torço para o metrô estar sempre lotado porque é isso que faz ser engraçado”, completa o criador de conteúdo, que fatura mais de R$ 5 mil por mês com a produção de conteúdo para as redes.
Pedro Bonvivant tem mais de 607 mil seguidores no TikTok compartilha a rotina de trabalho. — Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal
Quem também decidiu mostrar a realidade do trabalhador brasileiro nas redes sociais é Rodrigo Lima, de 26 anos. Formado em administração, o paulista acumula mais de 8 milhões de curtidas no TikTok, além de ter 136 mil seguidores na rede social.
Atuando como analista de planejamento, Rodrigo passa mais de quatro horas diárias no transporte público entre ida e volta do trabalho. Morador de Itapecerica da Serra (SP), ele também tira bastante material das situações que passa no percurso e compartilha tudo nas redes.
“Todas as histórias são empíricas, são contadas a partir da minha vivência. O CLT me traz muito do conteúdo que eu falo. Talvez eu não conseguiria falar sobre como é ser CLT sem ter a vivência”, explica Rodrigo, que também não pensa em deixar o atual emprego.
Sem contrato com nenhuma agência, o influenciador é quem administra as próprias publicações e por enquanto nunca fechou publicidades com grandes marcas. Mas, hoje, ele tira mais de R$ 2 mil por mês com monetização no TikTok. (veja como funciona)
“Eu sempre me policiei para não dar nome aos bois, para não dar situações muito específicas, e não expor ninguém que não seja público”, afirma Rodrigo sobre cuidados que toma ao compartilhar sobre o trabalho na internet.
Rodrigo Lima ganha dinheiro extra com monetização no TikTok. — Foto: Reprodução/Instagram/Arquivo Pessoal
Por fim, Thaisa Valdez, de 26 anos, mostra uma outra face dos trabalhadores modernos: o CLT que trabalha 100% remoto. Natural de Porto Alegre (RS), a coordenadora de marketing começou compartilhando textos no LinkedIn.
“Eu comecei a me sentir muito travada porque lá o pessoal é superformal. Então, resolvi migrar para vídeos, porque eu acho que posso me expressar de um jeito mais fácil, mais engraçadinho”, explica.
Com mais de 113 mil seguidores no Instagram, Thaisa retrata as aflições e benesses do home office, e já mostrou, por exemplo, quando viajou para fora do país enquanto seguiu trabalhando remotamente. (lembre aqui como funciona o "workation")
Apesar de ganhar mais de R$ 20 mil por mês como influenciadora, ela também não pensa em deixar o trabalho CLT.
“Eu não tenho a intenção principalmente por gostar muito da área que eu trabalho. Eu tenho conseguido administrar bem a agenda, então vou manter os dois tranquilamente”, completa.
Thaisa Valdez acumula mais de 113 mil seguidores no Instagram e não pensa em deixar o trabalho registrado. — Foto: Reprodução/Instagram/Arquivo Pessoal
🤔 O que o trabalhador NÃO pode compartilhar nas redes sociais?
Carolina Dostal, diretora regional da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-SP), alerta que é importante tomar alguns cuidados ao compartilhar conteúdo do trabalho nas redes.
- 🚫 Não publicar dados confidenciais da empresa;
- 🚫 Evitar compartilhar produtos ou serviços que são lançamentos;
- 🚫 Não postar a tela do computador;
- 🚫 Não divulgar reuniões estratégicas;
- 🚫 Evitar abordar assuntos polêmicos;
- 🚫 Tomar cuidado com erros de português;
- 🚫 Não compartilhar notícias falsas;
- 🚫 Não falar mal do patrão ou da empresa publicamente;
- 🚫 Não compartilhar fofocas do trabalho;
- 🚫 Não publicar conteúdos que são contra ao posicionamento da companhia;
- 🚫 Evitar qualquer informação que possa prejudicar a imagem do empregador.
“O trabalhador precisa estar muito alinhado com a empresa, com os mesmo valores e cultura da empresa”, explica Carolina Dostal. Segundo a especialista, os empregadores precisam enxergar o trabalhador influencer como um benefício.
“Quando se fala bem da empresa nas redes, posta que tem orgulho de trabalhar ali, aquela pessoa está sendo um advogado da marca. A questão toda é: a companhia deve treinar o colaborador para que ele faça isso”, explica.
A especialista defende que o empregador deve oferecer treinamento para os funcionários que fazem publicações referente ao trabalho nas redes socais. Por outro lado, o funcionário precisa organizar bem a rotina entre o CLT e a vida de influencer.
“O colaborador deve ter uma organização pessoal muito boa, para que ele consiga ter tempo de trabalhar e usar as redes sociais a favor dele e da empresa”, completa a especialista.
'Blogueiros CLTs' mostram rotina e perrengues nas redes
❌ A empresa pode proibir as publicações nas redes sociais?
Legalmente, não existe nenhum impedimento. Porém, o trabalhador não pode expor informações que possam ser consideradas confidenciais ou que prejudiquem a imagem da empresa. É o que afirma advogada trabalhista Juliane Facó, sócia do Pessoa & Pessoa Advogados.
“A proibição pode ser disciplinada em norma interna, sendo válida desde que tenha motivação razoável, como, por exemplo, exposição de terceiros ou colegas de trabalho sem consentimento, informações de clientes, ou que possa prejudicar empresa”, explica.
De acordo com a especialista, também não há proibição legal ao fato de o funcionário atuar no regime CLT e ter uma renda extra como influenciador digital. No entanto, é importante verificar se existem impedimentos no contrato assinado entre empregador e trabalhador.
“O que não pode é comprometer o exercício da atividade ou que cause concorrência ou danos à imagem da empresa”, afirma a advogada. A especialista orienta que é importante resguardar o direito de intimidade e privacidade dos empregados, clientes e prestadores de serviço.
👎🏽O funcionário pode ser demitido por má conduta nas redes sociais?
Sim, segundo afirmam os advogados trabalhistas José Santana, do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, e Ricardo Pereira de Freitas Guimarães, professor da PUC-SP. E a empresa pode demitir por justa causa se a má conduta nas redes sociais difamar sua imagem.
Na demissão por justa causa, o trabalhador receberá apenas o saldo do salário e as férias vencidas, deixando de receber férias e 13º proporcionais. Além disso, não terá direito à multa do FGTS, nem ao dinheiro do aviso prévio.
A advogada trabalhista Marcella Mello Mazza, do escritório Baraldi Mélega Advogados, esclarece que a empresa zela por sua imagem perante a sociedade, e o empregado é um representante da organização.
“O comportamento imoral nas redes sociais, que atente contra a honra do empregador, pode ser a base para que uma dispensa com justa causa ocorra.”
Em relação à demissão sem justa causa, a empresa não precisa apresentar o motivo da dispensa. Portanto, a postura inadequada pode levar a essa decisão, mesmo que a razão não fique clara.
➡️ Quais as dicas para quem está começando como ‘blogueiro CLT’?
O Influenciador Gabriel Nascimento, de 19 anos, começou mostrando a rotina de estagiário nas redes sociais. Nascido e criado em Campo Grande, no Rio de Janeiro, o jovem passava três horas no transporte público para chegar ao trabalho.
Além do estágio, ele ainda tinha o percurso até a universidade. Com a dificuldade de administrar tudo ao mesmo tempo, Gabriel pediu demissão do CLT e hoje tem como principal fonte de renda o trabalho como criador de conteúdo.
“Um conselho que eu dou é não desistir, e tomar cuidado porque a internet é um mundo qualquer. Muita gente fala o que quer, então importante estar com o psicológico muito bom”, afirma o influencer.
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