(Foto: Alexandra Martins/Agência Câmara)
O Marco Civil da Internet, espécie de constituição da web no Brasil, deve ser votado na Câmara ainda em agosto, disse o relator do projeto, deputado Alessandro Molon (PT-RJ), apesar de questões centrais ainda provocarem polêmicas.
As companhias de telecomunicações pedem que o texto do projeto de lei permita a oferta de pacotes personalizados. Dependendo do pacote contratado, o usuário acessará somente alguns sites e serviços, como o de e-mail, e pagará um preço menor que o valor cobrado pelo acesso pleno à Internet.
Esse tipo de modelo ainda não existe no Brasil, mas para as operadoras de telefonia seria uma forma de desafogar o fluxo de informação na rede.
"Poderíamos ter pacotes para fins diferentes, que consumiriam muito menos banda. Dar acesso mais barato que atendesse às necessidades do cliente", disse o diretor do SindiTelebrasil (sindicato das operadoras), Alex Castro.
O Brasil seria pioneiro em ter um marco civil para Internet. Segundo Castro, países como Chile e Colômbia adotam apenas diretivas sobre o uso da Internet, não um marco regulatório específico.
A proposta das companhias de telefonia é rejeitada pelo deputado relator do projeto, para quem a ideia infringe o princípio básico do marco, que é a neutralidade de rede. Esse princípio estabelece que as companhias que controlam a infraestrutura não podem interferir no fluxo de informação da Internet.
"Isso não está na proposta e não há qualquer possibilidade de ser aceito no texto. A única sugestão feita pelo governo seria deixar claro que o marco civil não proíbe a venda de velocidades diferentes e pacotes com franquias de dados", disse.
Caso o projeto seja aprovado para a Câmara, seguirá para o Senado para posterior sanção presidencial, cuja atuação como deputado federal é mais voltada para a área de direitos humanos desde que se elegeu, em 2010.
O debate ocorre em um contexto de crescimento do uso da Internet no Brasil. Dados de maio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostraram que 67,7 milhões de pessoas tinham acesso à rede em 2009, número que subiu para 77,7 milhões em 2011.
Velocidade menor
Para chegar a um meio termo e levar o Projeto de Lei 2.126/2011 à votação, o governo federal propôs nas últimas semanas que o texto permita que as companhias de telecomunicações reduzam a velocidade da Internet de usuários que ultrapassarem determinadas franquias de uso, modelo de negócios já existente no país, tanto no acesso via celulares quanto por linha fixa. A sugestão ainda está em análise, disse Molon.
"Estamos exatamente estudando se a redação proposta não deixa brecha para neutralidade. Se deixar, não aceitaremos", afirmou o deputado, que disse estar consultando especialistas sobre a questão.
A sugestão do governo também não encontra respaldo total nas empresas de telecomunicações, que, no entanto, admitem que a proposta é um avanço em relação ao texto original, disse Castro, do SindiTelebrasil. "Não foi um pleito do setor para que houvesse essa modificação. Nossas propostas são distintas", afirmou.
De acordo com Castro, as companhias querem que o marco explicite a permissão ao que chamam de "gestão de tráfego da rede", em que a operadora escolhe qual tipo de aplicação terá a velocidade mais rápida. O objetivo seria desafogar a Web em um cenário de aumento do uso, no qual as empresas são pressionadas a investir mais em infraestrutura.
O texto original do marco civil vai justamente no sentido oposto, e estabelece que as teles ofereçam Internet completa para os usuários, que devem ter o direito de acessar todas as aplicações, existentes e futuras. Para Castro, essa determinação é "uma interferência no modelo de negócios das operadoras".
O sociólogo e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), Sérgio Amadeu, que acompanhou a elaboração do projeto, critica a postura das empresas.
"Em vez de preparar o negócio, as teles simplesmente querem filtrar o tráfego da sociedade, controlar os nossos desejos dentro da rede", disse.
A fornecedora de banda larga fixa Net Serviços afirma que o marco civil precisa ser mais bem estudado pela Câmara antes de ser colocado em votação.
"O texto atual da proposta do deputado Molon impõe o sério risco de criar uma barreira legal para que os investimentos em rede sejam remunerados, inibindo futuros investimentos na construção ou na ampliação da capacidade da infraestrutura de banda larga no Brasil", disse a empresa em resposta a pedido de comentário feito pela Reuters.
Sem privacidade
Além da sugestão sobre o pacote de franquias, o governo federal também propôs emenda ao projeto estabelecendo que os dados dos internautas brasileiros permaneçam em servidores com sede no Brasil. A sugestão está sendo analisada por Molon.
Para o Google, maior ferramenta global de buscas na Internet, a emenda restringirá o acesso dos internautas brasileiros a bons serviços internacionais na web.
"O marco civil foi construído de forma democrática, com objetivo de garantir uma Internet aberta, global e inovadora. A sociedade não deveria aceitar nenhuma tentativa repentina de alterar os princípios básicos do projeto de lei", afirmou o Google, em nota.
Os servidores da empresa estão localizados em 13 cidades, a maior parte nos Estados Unidos. Os dados dos internautas brasileiros estão espalhados em diversos servidores, explicou a gigante da Internet.
Em julho, o governo brasileiro cobrou do Google a instalação de servidores no país, após as denúncias sobre programa de espionagem da web pelos Estados Unidos que incluiu usuários brasileiros.