Jovem negro de 26 anos é executado por policial militar de folga em mercado de SP
Câmeras de segurança registraram o momento em que Gabriel Renan da Silva Soares, de 26 anos, é executado a tiros pelo policial militar Vinicius de Lima Britto em frente ao mercado Oxxo, no bairro Jardim Prudência, na Zona Sul de São Paulo, em 3 de novembro. O jovem é acusado de furtar quatro pacotes de sabão.
Pelas imagens, obtidas pelo g1, Gabriel vestia um moletom vermelho com capuz, quando entrou no mercado às 22h44. Em seguida, ele andou até a seção de limpeza, onde pegou quatro produtos. Na fuga, ele escorregou num pedaço de papelão na porta do estabelecimento e caiu no chão do estacionamento.
O policial estava no caixa pagando pelas compras, quando percebeu a ação. Vinicius sacou a arma e atirou diversas vezes pelas costas de Gabriel, que tentava fugir. O jovem morreu no chão do estacionamento. Segundo o boletim de ocorrência, foram encontradas 11 perfurações pelo corpo dele.
No depoimento na delegacia, o PM disse que Gabriel estava armado e com a mão no bolso do moletom, razão pela qual ele atirou. Vinicius alegou que agiu em legítima defesa (leia mais abaixo).
"Está comprovado que a gente estava certo e ele mentiu em depoimento, porque ele diz que apresentou voz de prisão. Porém, quando ele [Gabriel] escorrega, ele já saiu atirando [...] Ele é um assassino", afirma a advogada da família Fatima Taddeo.
Câmera de segurança flagra PM executando jovem negro acusado de furtar mercado na Zona Sul de SP — Foto: Reprodução
'Um menino doce que amava a família'
A mãe do jovem, Silvia Aparecida da Silva, disse ao g1 que o filho era usuário de drogas e lutava contra o vício há alguns anos. Seu aniversário seria no dia 7 de novembro, e ele completaria 27 anos.
"Gabriel era um menino doce, meigo e sonhador. Me falava que ia dar uma casa. Ele só tinha 26 anos. Uma vida inteira pela frente [...] Eu estou destruída por dentro. Tenho problema no coração, uso marca-passo. Estou sofrendo muito, é uma dor não tem como explicar. Só sei que dói ter perdido meu filho", desabafou Silvia.
O jovem morava com a mãe e os dois irmãos próximo ao mercado Oxxo. Ela percebeu que Gabriel não havia voltado para casa por volta das 5h de segunda (4).
Gabriel foi morto a tiros por PM em frente a mercado na Zona Sul de SP — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal
O irmão de Gabriel contou à mãe que passou pelo mercado por volta da meia-noite e viu uma pessoa morta no chão coberta por uma lona: "a bota era igual do meu irmão".
Silvia chegou a ir trabalhar, porém como Gabriel não apareceu, decidiu procurá-lo pelo bairro com o ex-marido. Ao chegar no mercado, um funcionário informou aos pais que "mataram um nóia". Foi neste momento que Silvia e Antônio descobriram a morte do filho.
“Foi muito covarde. Podia ter levado preso. Existe cadeia para isso que é o procedimento, porque você ter uma arma Glock .40. Um tiro só já faz um estrago", disse Silvia indignada.
Para a família, a versão apresentada pelo policial militar e pelo atendente do mercado é contraditória. Eles afirmam que Gabriel não fugiu após ser baleado e ainda se voltou contra o agente. “Se você tomar um tiro, qual é a sua reação? Sair correndo, não voltar para o local que o cara está atirando”, afirma o pai.
Fátima Taddeo também questiona a quantidade de tiros disparados: "a vida dele estava valendo uma caixa de sabão. Um policial preparado precisou de oito tiros para evitar que roubasse essa caixa de sabão”.
“Quando ele tem tiros no antebraço, está mais do que provado que ele estava se defendendo. O cara não precisa de todos esses tiros para perceber que ele não estava armado. Ele precisava falar isso [acusação de roubo] para justificar que ele executou uma pessoa. O argumento de que era para se defender de uma injusta agressão — a chamada legítima defesa — a polícia usa quando mata um menor negro na periferia. Transformaram uma tentativa de furto numa tentativa de roubo para dizer que o policial estava se defendendo, quando ele estava executando mais um moleque preto da periferia", argumentou a advogada.
Versão PM e funcionário
Em depoimento, o PM Vinicius relatou que estava fazendo compras no mercado, quando viu Gabriel roubando alguns produtos. Ao questioná-lo, o jovem afirmou que estava armado e colocou a mão dentro da blusa de moletom.
"O que obrigou Vinicius a efetuar disparos contra Gabriel, que veio a óbito no local”, descreve o boletim de ocorrência, ao qual o g1 teve acesso. O policial carregava uma pistola Glock .40.
Já o funcionário do mercado afirmou que os tiros foram disparados do lado de fora. Ele contou que estava atendendo o policial, quando Gabriel entrou e foi até a seção de limpeza. Ele pegou de quatro a cinco produtos e tentou correr, porém caiu no chão do estacionamento após escorregar em alguns papelões.
Em seguida, o PM foi para fora do estabelecimento ver o que estava acontecendo. Segundo a versão do atendente, Gabriel se levantou e colocou a mão no bolso da blusa “fazendo menção de estar armado” e, em reação, Viniciu atirou.
Caso aconteceu na Avenida Cupecê, na Zona Sul de São Paulo — Foto: Reprodução/Google Street View
O jovem teria andado em direção à calçada, porém desistiu e retornou ainda com a mão na blusa, falando: "não mexe comigo, que estou armado, não quero nada do que é seu". O policial, então, atirou novamente.
De acordo com o boletim de ocorrência, foram encontradas 11 perfurações pelo corpo de Gabriel: três no tórax, duas na mão esquerda, uma no antebraço esquerdo, uma na orelha direita, três no antebraço direito e uma no rosto.
O Oxxo informou que o PM não é funcionário do mercado. Além disso, afirmou que "pauta suas ações no respeito às pessoas e lamenta profundamente o ocorrido na noite de 3 de novembro, na unidade da Avenida Cupecê, entre dois clientes. A rede informa que seus colaboradores acionaram imediatamente as autoridades e que as imagens do sistema de segurança estão à disposição dos órgãos competentes a fim de contribuir com a investigação."
O caso foi registrado como morte decorrente de intervenção policial, resistência e tentativa de roubo no Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP). Um inquérito policial também foi instaurado.
Procurada, a Secretaria da Segurança Pública não informou se o policial militar foi afastado de suas funções até a última atualização da reportagem.
A defesa de Vinicius não foi localizada. O espaço segue aberto para manifestações.
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