Por Ana Carolina Moreno, Guilherme Luiz Pinheiro, TV Globo e g1


Quem mora perto do metrô e do trem na capital?

Quem mora perto do metrô e do trem na capital?

São Paulo tinha quase 5 milhões de domicílios em 2022, mas só 1,4 milhão deles (29% do total) ficam próximos de alguma estação de Metrô ou trem. A análise foi feita pela TV Globo a partir de dados inéditos do Censo Demográfico 2022, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na sexta-feira (2).

No levantamento, foram considerados os endereços visitados pelos recenseadores e classificados como domicílios (particulares ou coletivos). Em seguida, foi traçado um raio de 1km ao redor do endereço de cada uma das 145 estações de Metrô e trem dentro da cidade. Por fim, a análise verificou se cada um dos 4.996.529 domicílios no território da capital ficava dentro de um desses raios.

No total, 1.444.368 domicílios foram localizados “próximos” de pelo menos uma estação.

Isso quer dizer que 3,5 milhões de domicílios estão a mais de mil metros de qualquer estação de Metrô, incluindo as de administração direta e as que estão sob concessão.

Trem do Metrô de SP visto na altura da estação Carrão, no Tatuapé, na Zona Leste de São Paulo. — Foto: EDI SOUSA/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

A distância de 1km é adotada por especialistas em mobilidade porque representa uma caminhada de entre 10 e 15 minutos da casa de uma pessoa até o transporte público de média ou alta capacidade, como é o caso do transporte sobre trilhos (subterrâneo ou não) e de alguns corredores de ônibus de alta velocidade (ou BRT, na sigla em inglês: Bus Rapid Transport).

Estar perto do transporte público, segundo eles, significa acessar mais oportunidades de emprego ou gastar menos tempo no deslocamento entre a casa e o trabalho, além de maior acesso a atividades de lazer.

A Estação Higienópolis-Mackenzie, da Linha 4 - Amarela do Metrô, foi inaugurada em janeiro de 2018 — Foto: Divulgação/ViaQuatro

Estações com mais e menos domicílios próximos

O levantamento também mostra que as cinco estações com mais domicílios próximos são todas de Metrô e ficam concentradas no Centro de São Paulo.

Só no raio de 1km da Estação Higienópolis-Mackenzie, da Linha 4 – Amarela, são 61.183 domicílios.

As outras são Santa Cecília, República e Marechal Deodoro (da Linha 3 – Vermelha) e Japão-Liberdade, da Linha 1 – Azul do Metrô. Em cada uma os recenseadores do IBGE localizaram entre 43 mil e 58 mil domicílios a uma distância de até mil metros.

No outro extremo estão quatro estações de trem da Linha 9 – Esmeralda e uma de metrô: a Estação Cidade Universitária, tem apenas 1.811 domicílios próximos, seguida da Estação Portuguesa-Tietê, da Linha 1- Azul, e das estações Villa-Lobos Jaguaré, Jurubatuba e Santo Amaro.

Veja, no mapa abaixo, a quantidade de domicílios (individuais ou coletivos, ocupados ou não) que, de acordo com os dados do Censo 2022, ficam em um raio de até 1km de cada estação de metrô ou trem na capital:

Expansão recente do Metrô e da CPTM

Essa é a primeira vez em que é possível calcular a quantidade de domicílios que ficam perto ou longe de equipamentos como os de transporte público. Até o Censo de 2010, a informação mais detalhada divulgada pelo IBGE era feita agrupando o total de domicílios por face de quadra (a parte de um quarteirão de frente pra uma rua), por CEP ou por setor censitário.

Na última década, porém, estimativas feitas por setor censitário, e considerando, em vez de domicílios, o total de residentes – informação que, para o Censo 2022, ainda não foi divulgada – mostram que a cidade de São Paulo conseguiu ampliar a porcentagem da população perto do transporte sobre trilhos.

Isso porque, desde 2010, ano do Censo anterior, o governo estadual conseguiu inaugurar 32 estações de trem e metrô dentro da capital, segundo levantamento do Centro de Estudos da Metrópoles (CEM).

Isso inclui a expansão da Linha 4 – Amarela, entre 2011 e 2018 (ano da abertura da Estação Higienópolis-Mackenzie), da Linha 5 – Lilás, principalmente em 2018, e da Linha 15 – Prata, com inaugurações realizadas entre 2014 e 2019.

Um levantamento feito pela plataforma Mobilidados, mantida pelo Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP Brasil), indica que a medida teve resultados. A partir de 2017, a cidade de São Paulo conseguiu expandir de 14% para 17% a porcentagem da população que vive a até 1km das estações de transporte de média e alta capacidade.

Em nota à TV Globo, a Secretaria de Transportes Metropolitanos (STM) do governo de São Paulo informou que os "projetos de rede de alta capacidade levam em consideração o georreferenciamento dos imóveis e a população residente na vizinhança", além de outros fatores "construtivos", como "linhas, estações e facilidades de integração" que permitem a construção do empreendimento "sem degradar a estrutura local de cada bairro". Disse também que mantém elabora "o Plano Integrado de Transporte Urbano – PITU, que orienta a política de expansão da rede metroferroviária e de ônibus metropolitano".

Já a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação, também do governo estadual, afirmou que promove, em parceria com a SMT, a "criação de novas centralidades para consagrar ocupações e ações multissetoriais no entorno de estações de trem e metrô, o que, além de reduzir deslocamentos, dinamiza a economia local e estimula geração de emprego e renda".

Disse ainda que a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) "participa de dois lotes da PPP de Habitação do município, no Tucuruvi e Bresser, dois empreendimentos próximos a estações de metrô" e tem "forte atuação no reassentamento de moradores de áreas ocupadas que viabilizaram a estruturação urbana e metropolitana como o rodoanel, eixos do Metrô e CPTM, como as linhas 5-Lilás, 7-Rubi, 15-Prata e 17-Ouro".

Por sua vez, a Prefeitura de São Paulo informou, em nota, que "é uma preocupação da atual gestão adotar medidas para um planejamento urbano capaz de tornar a cidade mais equilibrada", que revisou o Plano Diretor e a Lei de Zoneamento para, entre outras medidas, promover "a ampliação de incentivos para construção de moradias para famílias de baixa renda em áreas dotadas de boa infraestrutura de transporte público e emprego e regras mais claras sobre o controle da destinação das moradias populares".

Segundo a prefeitura, desde 2021 foram entregues 9.742 moradias, "19.523 novas unidades estão em construção na cidade, 33.105 unidades foram contratadas e outras 54 mil novas moradias estão em processo de contratação" (leia a íntegra das notas no fim da reportagem).

Dinâmica entre mobilidade e habitação

Para a professora Paula Freire Santoro, que dá aulas na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), coordena o laboratório de pesquisas LabCidade da FAU-USP e é pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados (IEA-USP), outra estatística do Censo 2022 aponta para uma expansão imobiliária que ainda não conseguiu garantir um melhor acesso à mobilidade urbana.

“Na hora que a gente olha quantos domicílios estão próximos da estação de metrô, a gente tem 29% do total. Isso ainda é muito baixo, se a gente pensar que a gente tem uma produção imobiliária que triplicou de 2008 até 2019, produzindo próximo a áreas bem servidas de transporte, ou seja o coração [da cidade].” (Paula Freire Santoro, professora da FAU-USP)

De acordo com ela, na última década, houve investimento público para a produção de unidades habitacionais, inclusive próximas das estações de metrô, mas a maioria das unidades com preços e tamanhos acessíveis para a população de baixa renda ficaram longe desses equipamentos.

Santoro lembra que, de 2010 a 2022, a quantidade de domicílios na capital aumentou 27%, com a criação e quase 1 milhão de novos domicílios, ao mesmo tempo em que a população total da cidade avançou apenas 2%.

“A gente está vendo baixo crescimento populacional e um alto crescimento de domicílios em áreas bem servidas de infraestrutura de mobilidade de alta e média capacidade, mas não necessariamente acompanhada da migração da população que precisa morar perto desses transportes, porque elas não estão conseguindo acessar esses apartamentos. Eles são pequenos e são caros, então não se enquadram no tamanho das famílias e nem na renda.

Outra estatística preocupante, diz Santoro, é o fato de que 16% dos domicílios estavam desocupados em 2022. “É um grau de desocupação maior do que os economistas urbanos consideram como saudável, que é 5%, o suficiente para as famílias poderem mudar entre os seus domicílios.”

Isso é um indicativo de que há cada vez mais imóveis sendo construídos não para fins de ocupação, mas sim de investimento. Os proprietários, em vez de alugarem o imóvel a um inquilino, usam as plataformas de aluguel de curta temporada, de onde tiram renda, mas sem que o local seja ocupado de forma permanente.

Além disso, as estações com menos domicílios se destacam, de acordo com ela, por terem grandes equipamentos ao redor, como o campus da USP no Butantã, o estádio da Portuguesa, a Rodoviária Tietê e os centros comerciais.

Mas há também zonas industriais ou mesmo, no caso da Cidade Universitária, bairros estritamente residenciais, mas de alta renda, que têm menos densidade populacional.

Há ainda, na opinião dela, um terceiro “nó” que as políticas de mobilidade e habitação precisam desfazer em São Paulo. “Muitas vezes as famílias estão morando perto de metrô, mas não necessariamente migraram [do carro] para esse modo [de transporte]. E o mercado imobiliário segue pedindo garagens. Ou seja, a gente está produzindo espaços de garagem quando a gente devia estar produzindo espaço para as pessoas morarem.”

A partir dos dados, a especialista diz que é possível "desatar os nós" e melhorar o acesso da população, principalmente a de baixa renda, ao transporte sobre trilhos. Entre as medidas que podem ser adotadas são desincentivar o uso de carros, transformas zonas industriais para que possam ter moradias construídas em bairros industriais próximos de estações, e, principalmente, controlar melhor o destino dos apartamentos que são construídos usando incentivo público.

Segundo Santoro, uma vez que o poder público abre mão de recursos como a cobrança de impostos como o IPTU, ou de taxas pelo direito de construir, ele deve "controlar quem acede a essas habitações que receberam os benefícios dos estímulos urbanísticos".

Mapa atual das estações de metrô e trem metropolitanos da Grande São Paulo — Foto: Divulgação/Secretaria de Transportes Metropolitanos do Estado de SP (STM)

Metodologia do levantamento

  • Pela primeira vez, o IBGE divulgou as coordenadas geográficas (pontos de latitude e longitude) de todos os mais de 111 milhões de locais visitados pelos 180 mil recenseadores.
  • Para a análise, foram filtrados apenas as 4,9 milhões de coordenadas dos endereços referentes a domicílios (particulares, como as residências, ou coletivos, como um mosteiro, por exemplo) que ficam dentro do território da cidade de São Paulo.
  • Para o mapeamento das coordenadas geográficas das estações de trem e metrô foram usados dados do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), da Universidade de São Paulo. Também para esses dados foram filtradas apenas as 145 estações que ficam dentro dos limites da capital. Como as estações que recebem mais de uma linha têm coordenadas ligeiramente diferentes, elas foram consideradas separadamente (caso da Luz, por exemplo, por onde passam quatro linhas).
  • Em seguida, foi calculado um raio de mil metros (ou um quilômetro) em um círculo imediatamente no entorno de cada uma das 145 geolocalizações.
  • Por fim, todos os pontos de domicílio da cidade foram contrastados com cada raio, para identificar, em cada estação, a quantidade deles que estão localizados dentro do círculo de 1km.

O que dizem governo e prefeitura

Leia a íntegra das notas enviadas pelo governo estadual e pela Prefeitura de São Paulo:

  • O que diz a Prefeitura de São Paulo:

"A Prefeitura de São Paulo esclarece que é uma preocupação da atual gestão adotar medidas para um planejamento urbano capaz de tornar a cidade mais equilibrada. Nos últimos dois anos, a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL) revisou o Plano Diretor Estratégico de São Paulo (Lei 17.975/2023) e a Lei de Zoneamento (Lei 18.081/2024) buscando tornar mais efetivos seus instrumentos e a aplicação da legislação na cidade. Entre as diversas medidas adotadas destacam-se a ampliação de incentivos para construção de moradias para famílias de baixa renda em áreas dotadas de boa infraestrutura de transporte público e emprego e regras mais claras sobre o controle da destinação das moradias populares.

A gestão municipal implantou mais do que a meta de 50 km de faixas exclusivas, está trabalhando na implantação de corredores exclusivos como o de Itaquera-Líder. Além disso 100% da frota é acessível, 91% conta com ar-condicionado e 285 veículos elétricos entre trólebus e bateria estão à disposição da população. Além manter a tarifa em R$ 4,40 e criar o Domingão Tarifa Zero em 2023.

Para este ano está sendo preparada a operação assistida do Aquático SP, primeiro modo de transporte coletivo por embarcações em São Paulo.

Desde 2021, já foram entregues 9.742 novas moradias. Mais de 100 mil unidades habitacionais (UH’s) entre entregues, em obras e contratadas, serão finalizadas até o fim de 2024. Destas, 19.523 novas unidades estão em construção na cidade, 33.105 unidades foram contratadas e outras 54 mil novas moradias estão em processo de contratação.

A Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB) tem inovado na política habitacional com a criação de instrumentos de atendimento que ampliem o acesso à moradia, principalmente para a população com menor poder aquisitivo. Para tanto criou o Programa Pode Entrar, maior Programa Habitacional já lançado no município, que conta com recursos exclusivos da Prefeitura e institui importantes ferramentas com o objetivo de combater o déficit na cidade."

  • O que diz a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação do governo estadual:

"A Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação firmou um convênio com a Secretaria de Transportes Metropolitanos, em 2023, para realização de ações integradas de mobilidade e habitação. Trata-se de um programa específico para criação de novas centralidades para consagrar ocupações e ações multissetoriais no entorno de estações de trem e metrô, o que, além de reduzir deslocamentos, dinamiza a economia local e estimula geração de emprego e renda.

O Governo de São Paulo tem uma atuação importante de requalificação do centro, por meio da PPP que viabilizou 3.683 moradias na região da Luz. São 8 mil pessoas, de diferentes condições sociais, que antes moravam na periferia e se mudaram para o centro, em local bem servido de infraestrutura e serviços públicos, inclusive na área de transportes. No estudo que estruturou a PPP, elaborado pelo Instituto Urbem, já foram apontadas as diretrizes para construções que teriam proximidade de estações de trem e metrô, com raio máximo de 600 metros. O planejamento do Estado adota essas diretrizes. Também em parceria com a Prefeitura, a CDHU participa de dois lotes da PPP de Habitação do município, no Tucuruvi e Bresser, dois empreendimentos próximos a estações de metrô.

No programa Casa Paulista – Carta de Crédito Imobiliário, a SDUH tem priorizado regiões do centro expandido para destinação de subsídios, com aporte de R$ 23 milhões desde o início do ano passado. Como exemplo, na semana passada, a pasta inaugurou dois empreendimentos no Belém e no Piqueri que ficam nas imediações de estações de trem e metrô. Estão em projeto, ainda, ações como uma nova PPP que deve prover cerca de 5 mil unidades habitacionais no centro histórico.

A CDHU tem forte atuação em reassentamento de moradores de áreas ocupadas que viabilizaram a estruturação urbana e metropolitana como o rodoanel, eixos do Metrô e CPTM, como as linhas 5-Lilás, 7-Rubi, 15-Prata e 17-Ouro."

  • O que diz a Secretaria dos Transportes Metropolitanos do governo estadual:

"A Secretaria dos Transportes Metropolitanos, por meio de estudos e pesquisas, investe na ampliação da mobilidade do cidadão na Região Metropolitana de São Paulo. Os projetos de rede de alta capacidade levam em consideração o georreferenciamento dos imóveis e a população residente na vizinhança. Demais fatores construtivos também precisam ser considerados para permitir a implantação do empreendimento (linhas, estações e facilidades de integração), sem degradar a estrutura local de cada bairro.

Outra forma é com a elaboração do Plano Integrado de Transporte Urbano – PITU, que orienta a política de expansão da rede metroferroviária e de ônibus metropolitano, bem como, a política de gestão e de preços dos serviços. O Plano Diretor da cidade de São Paulo que permite o adensamento ao longo dos corredores de transporte coletivo, com restrições à construção de garagens, incentivará a migração da população para a vizinhança das estações e dos próprios corredores de média e baixa capacidade."

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