Justiça de São Paulo nega prisão domiciliar para mulheres em 60% dos casos
A Justiça de São Paulo negou 60% dos pedidos de prisão domiciliar de mulheres grávidas ou com filhos de até 12 anos feitos até o fim de janeiro deste ano com base em decisão do Supremo Tribunal Federal, de 20 de fevereiro de 2018, que permite a substituição da prisão preventiva. É o que apontam dados da Secretaria Estadual da Administração Penitenciária (SAP) tabulados a pedido da GloboNews.
De acordo com a SAP, entre a data a decisão do STF e o dia 30 de janeiro, 3.957 pedidos foram julgados e 60,4% (2.390 casos) foram negados pelo Judiciário paulista. Outras 1.567 solicitações (30,6% do total) foram aceitas. As decisões levam em conta presas de todo o Estado.
Em fevereiro de 2018, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu conceder prisão domiciliar a presas sem condenação que estivessem grávidas, tivessem filhos de até 12 anos ou com deficiência.
O julgamento se baseou em pedido do Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHu), apoiado por diversas entidades humanitárias e defensorias públicas. A discussão chegou à mais alta corte do país porque entidades apontaram riscos para saúde e educação de crianças nascidas e criadas na cadeia.
A decisão não beneficiou, no entanto, mulheres já condenadas e aquelas suspeitas, mesmo sem condenação, de crimes praticados com violência ou grave ameaça, contra os próprios filhos ou em situações "excepcionalíssimas", justificadas pelo juiz que negar o benefício.
Em outubro de 2018, outra decisão do STF, do ministro Ricardo Lewandowski, esclareceu que o direito à prisão domiciliar a presas por tráfico de drogas com filhos de até 12 anos ou grávidas e também a mães condenadas em segunda instância, mas ainda sem condenação definitiva _ou seja, que ainda pudessem recorrer.
Para a advogada do CADHu Nathalie Fragoso, o fato de a maioria dos pedidos em São Paulo terem sido negados, segundo a SAP, “demonstra uma resistência do Judiciário paulista em obedecer a decisões do Supremo Tribunal Federal e à lei processual penal do país”. “Trata-se de um padrão compartilhado por tribunais de outros estados. Há um abuso da prisão preventiva e uma atuação jurisdicional que desconsidera a situação particular e as necessidades específicas dessas mulheres”, diz a advogada.
Procurado para comentar os dados da Secretaria Estadual da Administração Penitenciária, o Tribunal de Justiça informou que realizou um acompanhamento dos números de decisões relacionadas às mulheres que já estavam presas e que poderiam ter direito ao benefício em fevereiro de 2018, quando houve a concessão do habeas corpus coletivo.
“Nos termos do próprio HC, as mulheres que vieram a ser presas depois da decisão passaram a ter a prisão domiciliar apreciada pelos juízes nas próprias audiências de custódia, com a participação e fiscalização do MP e da Defensoria Pública ou advogado constituído. Assim, não há um controle central destes casos, dada a natureza difusa da apreciação”, informou o TJ.
“Com relação à avaliação do percentual [de mulheres com pedidos negados], o TJSP não emite nota sobre questão judicializada e destaca que aos magistrados são garantidas a autonomia e a independência para decidir os processos, tomando como base os documentos juntados aos autos. Havendo discordância das partes, é assegurada a possibilidade de recurso em segunda instância.”
Maternidade no cárcere: presas relatam a dor de viver longe dos filhos e à espera da liberdade — Foto: Celso Tavares/G1
Avós cuidam das crianças em mais da metade dos casos
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo divulgou nesta quinta-feira (6) o perfil das mães presas atendidas pelo órgão em 2019. Ano passado, foram feitos 3.176 atendimentos. Destas mulheres, 56% disseram que os avós são os responsáveis pelos filhos. Os pais cuidam das crianças em 17,5% dos casos.
Também foram apontados como cuidadores irmãos ou irmãs das presas (3,8%), amigos ou vizinhos (2,7%), abrigos (1,1%), e madrasta ou padrasto (0,6%).
Do total de atendimentos, 57% das mães são negras, 46% se declarando pardas e 11% pretas. Outro recorte mostra que mais de 90% são mães de filhos com até 12 anos ou estavam grávidas.
O número de atendimentos feitos em 2019 pela Defensoria caiu depois de quatro anos de crescimento. Em 2018, foram realizados 3.600 atendimentos, o que representa uma queda de 12% em 2019.
Nesta quinta, irá acontecer uma audiência pública para apresentar os resultados do projeto “Mães em cárcere”, política institucional da Defensoria. A audiência será a partir das 18h30 no auditório do órgão, localizado na Rua Boa Vista, nº 200, Centro.