Uma pesquisa da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) traçou o perfil dos cortadores de cana-de-açúcar em Alagoas. O estudo aponta um ganho de R$ 6,72 por tonelada nas usinas, fraude na pesagem da quantidade cortada para redução do salário, além de problemas de saúde que variam desde o desgaste emocional até distúrbios que podem levar à morte.
"Os dados levantados apontam que, no caso do corte da cana, ainda é necessário lutar pelo direito de não morrer em decorrência do excesso de trabalho. O desafio é acabar com a superexploração”, afirmou o pesquisador Lúcio Vasconcellos de Verçoza.
Jovens
Escolhida como melhor tese de doutorado no VII Encontro Nacional da Rede de Estudos Rurais, “Os saltos do ‘canguru’ nos canaviais alagoanos’’ mostra que os trabalhadores são moradores da periferia das cidades próximas às usinas e migrantes do sertão do Estado.
Alagoas (Foto: Lúcio Verçoza/Arquivo Pessoal)
Revela também que eles são jovens e que, com a política de produção máxima com o mínimo de funcionários, não há mais mulheres no serviço
“Por conta dessas transformações, esse grupo selecionado é dotado de habilidade e resistência física máxima para atingir as elevadíssimas metas de produção. Nesse contexto de intensificação do trabalho, só permanece empregado quem é capaz de cortar, no mínimo, 7 toneladas diárias de cana”, explicou o sociólogo.
Pesagem
Durante o estudo, o pesquisador entrevistou cerca de 60 trabalhadores das várias usinas de Alagoas e descobriu que a jornada de trabalho dura cerca de 11 horas. Verificou também que cada cortador ganha R$ 6,72 por tonelada e que as pesagens realizadas pelas empresas são fraudadas.
“No caso do corte da cana, o trabalhador não detém o controle exato da quantidade produzida. Isso porque, além da imprecisão na medição dos metros de cana cortados, ainda ocorrem fraudes no cálculo de conversão para toneladas. Essas fraudes, que são recorrentes, diminuem a quantidade que efetivamente foi cortada e rebaixam ainda mais os salários”, observou.
Consequências
A tese aponta diversas sequelas do excesso de trabalho entre os cortadores de cana. Além do cansaço físico, há o impacto psicológico, já que muitos trabalhadores são descartados precocemente pelas usinas. Esse fator, segundo o pesquisador, gera o sentimento de vergonha e um desejo dos cortadores de provar que não são preguiçosos ou vagabundos, o que leva a um acúmulo ainda maior de trabalho. A consequência, muitas veze, é o adoecimento.
de serviço (Foto: Lúcio Verçoza/Arquivo Pessoal)
“A luta pelo reconhecimento do nexo causal entre o trabalho e o adoecimento se faz urgente, e não tem como essa luta ser vitoriosa sem mudanças profundas na forma de trabalho que gera o adoecimento", defendeu Verçosa.
Entre todos os danos, o pior é o quadro de cãibras por todo o corpo, conhecido em Alagoas como ‘canguru’, ou ‘birôla' entre os paulistas. A vítima encolhe os braços junto ao tronco, uma posição semelhante à do animal, e em muitos casos as cãibras podem atingir a língua, dificultando o pedido de socorro.
“Na medicina, esse quadro é denominado distúrbio hidroeletrolítico e está relacionado à desidratação, perda de eletrólitos e de sais minerais provocados pela alta intensidade do trabalho e pela longa jornada laboral sob o sol escaldante. Se o distúrbio não for tratado a tempo, em alguns casos, pode levar à morte súbita. É comum encontrar cortadores de cana recebendo soro na veia após o trabalho. Apesar de o 'canguru' fazer parte do cotidiano nos canaviais, ele é praticamente desconhecido fora dos eitos, e esse ocultamento contribui para que o mesmo continue existindo”, disse Verçoza.
Mecanização do setor
A mecanização da colheita da cana é outro ponto levantado na pesquisa. O processo, de acordo com Verçoza, está causando apreensão entre os trabalhadores. Para eles, a chegada das colheitadeiras pode representar o desemprego, mais um motivo para mostrar capacidade.
“É preciso mencionar que o processo de mecanização não é homogêneo. Nos canaviais paulistas, por exemplo, ele encontra-se muito mais disseminado do que em Alagoas”, contou, finalizando que mesmo com a ampliação da mecanização a ‘superexploração’ pode continuar.
*Sob a supervisão de Stefhanie Piovezan, do G1 São Carlos e Araraquara