Piru-piru: conheça a ave do litoral de SP que é ‘prima’ do quero-quero, faz ninhos nas praias e está vulnerável à extinção — Foto: Davi Pasqualetti
De setembro a dezembro, a ave piru-piru (Himantopus palliatus) constrói ninhos e choca seus ovos em faixas de areia e restingas de praias do litoral de São Paulo. Porém, a espécie tem dificuldade em se reproduzir, já que os locais geralmente são ocupados por banhistas e os filhotes morrem esmagados antes mesmo de nascer.
Tais situações colocam a ave, que atualmente conta com menos de 200 exemplares no estado, em risco de extinção, de acordo com biólogos consultados pelo g1. Os especialistas também detalharam as ações necessárias para reverter esse cenário e proteger a espécie.
A espécie pode ser encontrada em praias, manguezais e restingas do Brasil, especialmente em Peruíbe e Itanhaém, na Baixada Santista, e em Ilha Comprida, no Vale do Ribeira, onde é considerada patrimônio natural.
Segundo o biólogo Bruno Lima, o piru-piru é ‘primo‘ do quero-quero, pois ambas são aves limícolas, que se alimentam de pequenos invertebrados que vivem no lodo e em áreas úmidas.
De acordo com o biólogo marinho Eric Corin, o piru-piru mede entre 40 e 44 centímetros de comprimento e o macho pesa entre 499 e 657 gramas, enquanto a fêmea tem de 568 a 720 gramas. A envergadura da ave é de cerca de 76 centímetros.
“Essa espécie é facilmente identificável por conta da sua coloração característica. Além de robusta e pernilonga, possui bicos e pálpebras escarlate, íris amarela e pernas cor-de-rosa.
Coloração do piru-piru e estrutura física da ave se destacam no litoral — Foto: Luciano Lima / TG
Segundo Bruno Lima, o piru-piru enfrenta dificuldades para chocar seus ovos devido ao seu comportamento como ave costeira. A época de nidificação [confecção do ninho], que ocorre próxima à temporada de verão, coincide com o aumento do fluxo de banhistas nas praias, o que eleva o risco de os ovos, de coloração marrom-clara com pequenas manchas pretas, serem pisados.
A coloração dos ovos, embora ajude na camuflagem na areia, não é suficiente para protegê-los da ação inadvertida das pessoas.
Ovos botados pela ave piru-piru 'camuflados' na areia. — Foto: Karina Ávila
O biólogo ressaltou que cães e veículos também atrapalham na reprodução da espécie e a cada três ovos, apenas um filhote costuma nascer. “Os cães, quando encontram o filhote, os ovos, eles matam, porque é do instinto deles mesmo".
"E tem a perturbação também. Quando os cães estão na praia, os piru-pirus ficam de olho nos cães e deixam de alimentar os filhotes [...]. E os veículos 4x4, que são proibidos [nas praias], esmagam muitos ovos. Então, por isso, essas aves estão bem ameaçadas”.
Ao g1, o biólogo ainda informou que as praias do litoral estão cada vez mais inacessíveis para a espécie fazer ninhada. "[Em] Peruíbe e Itanhaém, eles [piru-pirus] criam [os ovos] nas ilhas, porque as praias já não tem mais condição, estão muito ocupadas [por banhistas]. Mas em Ilha Comprida, Ponta Norte e Ponta Sul, ainda tem trecho de areia para eles criarem [os filhotes que é] razoavelmente seguro”.
Risco de extinção
De acordo com Bruno, a estimativa é de que, em todo o Estado de São Paulo, há menos de 200 aves da espécie. O piru-piru está na lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e está classificado como Ameaçado de Extinção.
Segundo o biólogo, o objetivo é mudar a classificação do piru-piru na lista, colocando ele como criticamente ameaçado. “A expectativa da população do piru-piru é diminuir”.
Importância ambiental
O piru-piru também desempenha um papel no equilíbrio dos ecossistemas costeiros. De acordo com o biólogo, a espécie se alimenta de crustáceos, moluscos e insetos, e ajudam a controlar populações dessas espécies e atuam como “adubadoras naturais” das praias. Suas fezes enriquecem o solo arenoso com nutrientes, beneficiando toda a cadeia alimentar local.
Devido à vulnerabilidade, equipes de proteção realizam monitoramento intensivo, utilizando cordões de isolamento, placas de sinalização e até barreiras humanas para evitar o pisoteio ou atropelamento dos ovos.
Como localizar um ninho
Ao g1, o biólogo Bruno Lima ofereceu algumas dicas de como localizar um ninho feito pelo piru-piru. Segundo ele, quando a ave está gritando intensamente provavelmente há um ninho por perto.
“Tanto o quero-quero, quanto o piru-piru, fingem estar com uma asa quebrada e saem te arrastando para longe do ninho para você, ou o predador em potencial, ir pra longe do ninho”.
De acordo com Bruno, quando a ave fica na parte ‘fofa’ da areia, também é um alerta de que há filhotes por perto. “O macho e a fêmea têm o cuidado do ninho. [Eles] estão parados ali [na areia] porque um fica no ninho enquanto o outro se alimenta”.
A recomendação, por parte do Bruno, é de que, se um banhista estiver andando pela faixa de areia e achar um piru-piru, ele não deve se aproxime, principalmente caso esteja com um cão junto.
Placas de identificação realizada por voluntários para sinalizar a presença de um ninho. — Foto: Karina Ávila
Voluntariado
Para evitar a morte de filhotes de piru-piru, um grupo de voluntários do Projeto Aves Limícolas, que realiza pesquisas, promove educação ambiental e conservação das aves limícolas no litoral de São Paulo, está realizando monitoramento das áreas onde a espécie faz ninho.
Segundo Bruno, o objetivo do grupo é não deixar que os filhotes sejam esmagados. Os voluntários colocam placas de identificação nos locais próximos aos ovos, delimitam os espaços com uma corda e até fazem uma barreira humana. “Estamos tentando fazer com que esse ano não tenha perdas de ninho’.
Segundo ele, há alguns finais de semana, um motorista estava em um veículo 4x4 em Ilha Cumprida e desrespeitando os alertas. "A gente chamava a polícia, a polícia demorava para vir. Ligamos para a prefeita, ela não estava com excedente (disponibilidade) para ir. Então nós ficamos nós mesmos protegendo em volta do ninho. Se os caras tivessem que passar em cima do ninho, iam passar por cima da gente também”.
Até o momento, de 14 ovos monitorados pelo grupo, 12 já foram chocados e dois foram perdidos. Segundo Bruno, o número de filhotes está abaixo do esperado. Porém, com o ajuda dos voluntários e de aumento da conscientização, é esperado que o número estabilize.