Culinária #013: conheça o pão de cará, um patrimônio de Santos
Fofinho, casquinha por fora e um sabor levemente adocicado, o pão de cará é um clássico de Santos, no litoral de São Paulo. O queridinho dos santistas conquistou, recentemente, um outro patamar. O pão de cará se tornou patrimônio cultural e imaterial da cidade. Hoje, ele é consumido no balcão das padarias mais simples da cidade, mas também em restaurantes renomados, que resgataram a receita original e incluíram o pão de cará entre os pratos no cardápio principal.
O primeiro registro de pão de cara em Santos é de 1911. Naquela época, com a falta da farinha de trigo, os tubérculos como batatas, mandioca, inhame eram utilizados para fazer os bolos e pães. “Tem vários ingredientes tipicamente brasileiros que se incorporaram nas produções culinárias, que muito teve influência dos portugueses, italianos e espanhóis”, explica Maria de Fátima Gonçalves, professora de Gastronomia.
O cará também fez esse papel nas antigas receitas. Quando ele começou a ser feito na região, o tubérculo era incluído no preparo. Segundo Fátima, a umidade que o cará traz para a massa, junto com os outros ingredientes, pode dificultar a produção e afetar a qualidade do pão. Por isso, o pão de cará, feito antigamente, exigia muito conhecimento e paciência.
Maria de Fátima Gonçalves, professora de Gastronomia, da Unimonte São Judas, falou sobre a origem da receita tradicional do pão de cará — Foto: Danilo Santos
Com o passar do tempo e o aumento na produção, as padarias retiraram o ingrediente da receita. Hoje, a maioria dos estabelecimentos não utiliza o cará na massa.
“O tubérculo acabou ficando caro, a farinha acabou se popularizando, e o cará acabou sendo retirado da receita. O pão de cará que o santista gosta é ele sem o cará mesmo. Só com o cará no nome”, explica Antônio Pires Gomes, presdidente do Sindicato da Indústria de Panificação e Confeitaria de Santos e Região (Sinaspan) e proprietário da padaria Arco-Íris.
Segundo o Sinaspan, são quase 1.200 padarias na Baixada Santista e no Vale do Ribeira. O pão de cará é encontrado em quase todas. Para garantir as vendas, as primeiras fornadas começam a ser preparadas de madrugada. Hoje, a iguaria é feita basicamente com uma mistura de farinha, açúcar, margarina, fermento e água. Cada bandeja tem cerca de 24 pães.
“A gente vende quase mil pães de cará por dia, entre os diversos formatos: o tradicional, com gotas de chocolate, com aveia, com melado, integral. É o segundo mais pedido, só atrás somente do pão francês”, diz Gomes.
Pão de cará na capa com requeijão de uma padaria de Santos — Foto: Mariane Rossi/g1
Para alguns, o pão de cará tem tanto valor afetivo que chegam a levar um pacotinho da iguaria para outras cidades ou países. Atentas a essa demanda, padarias de São Paulo já começaram a fabricar o pãozinho, para a alegria dos clientes santistas que mora na capital paulista.
E, quem compra todos os dias, tem suas preferências. Os pães do meio da bandeja ficam mais fofinhos e são os mais desejados pela maioria dos clientes. Quem gosta da casquinha mais dourada, compra os pães que ficam nas pontas da bandeja.
Pão de cará em uma vitrine de uma padaria de Santos, no litoral de São Paulo — Foto: Mariane Rossi/g1
Com tantos fãs, ele conquistou um lugar de prestígio. O tradicional pão de cará se tornou oficialmente patrimônio cultural de Santos, no litoral de São Paulo. A lei foi sancionada no salão nobre do Paço Municipal de Santos em 7 de junho de 2022.
O vereador Benedito Furtado, autor da lei, se inspirou no bolo de rolo de Pernambuco. Segundo ele, a ideia veio de um panificador de Santos. "Me veio a ideia de seguir o que o povo de Pernambuco fez com o bolo de rolo, de transformar essa iguaria, que já é um patrimônio da sociedade santista".
Pão de cará do Madê, restaurante do chef Dario Costa, vai cará na massa — Foto: Mariane Rossi/g1
Com o título, restaurantes de Santos resolveram resgatar a antiga receita, da massa com o cará, e o pão tão querido entrou no cardápio. No Madê, do chef Dario Costa, campeão do reality “Mestre do Sabor”, há pão de cará como entradinha, o sanduba de camarões com pão de cará e o bao de cará, que leva folha de shissô, maionese japonesa, unagi de bagre, kimchi e gergelim.
O chef de padaria Victor Freitas Rodrigues é responsável pelo preparo de todos eles. Ele ensinou ao g1 a fazer um pão de cará original, com o tubérculo na massa (confira a receita completa abaixo ou no video no início da reportagem).
Com ou sem cará, ele virou um ícone da gastronomia santista. Mas, muito mais que isso. O pão de cará resgata memórias do santista, seja da infância ou de uma gostosa parte da vida em que ele saboreou o pãozinho macio e adocicado, que o conquistou para sempre.
“Pergunta para um santista se ele não conhece o pão de cará. Acho que não existe”, diz Fátima.
Sanduba de camarões com pão que leva cará na massa, em restaurante em Santos, SP — Foto: Divulgação/Madê
Confira a receita de pão de cará:
Ingredientes
- 500 g farinha de trigo
- 250 ml água
- 12 g fermento biológico
- 100 g açúcar
- 75 g purê de cará
- 25 g leite em pó
- 10 g sal
- 35 g manteiga
- 1 ovo
Modo de preparo: Reserve a manteiga. Em um recipiente, misture todos os outros ingredientes. Coloque 90% da água. Sove até a massa começar a desgrudar da sua mão ou da masseira. Entre com a manteiga em ponto de pomada. Se a massa estiver um pouco seca, coloque o restante da água. Caso ela esteja grudando muito, não adicione. Isso vai depender da farinha que estiver usando. Com a massa lisa e homogênea, deixe ela descansar até dobrar de volume, por cerca de duas horas. Depois disso, sove a massa. Divida em porções de 100 gramas e faça pequenas bolinhas. Deixe descansar por mais 10 minutos. Modele as massas, no formato desejado, e deixe fermentar até um pouco mais de dobrar o volume. Pincele as gemas e leve ao forno pré-aquecido por 10 minutos a 180⁰C.
Pão de cará, de restaurante em Santos, e o tubérculo que dá nome ao pão — Foto: Mariane Rossi/g1