Rosetas, típicas da espécie, existem até nos animais de pelagem preta. — Foto: Catarina Furtado/VC no TG
Você sabe a diferença entre a onça-preta e a onça-pintada? Apesar da cor e do nome popular serem diferentes elas são da mesma espécie: a Panthera onca.
Conhecidas por onça-preta ou 'pantera negra', as onças-pintadas com pelagem escura possuem essa característica marcante graças a uma mutação genética, que as tornam felinos melânicos. "O melanismo é uma mutação que eleva a produção de melanina - proteína presente no corpo responsável pela pigmentação preta. Com isso, os indivíduos apresentam cor predominantemente escura na superfície do corpo (seja pele, pelagem ou plumagem) em relação ao padrão de cor típico da espécie", explica o biólogo e coordenador científico do Onçafari, Eduardo Fragoso.
Instituto NEX abriga e reabilita onças órfãs — Foto: Instituto Nex
De acordo com o especialista o melanismo não ocorre apenas em felinos, mas em várias outras espécies de animais como serpentes, lagartos, roedores, borboletas, anfíbios, entre outros. "No entanto, as mutações e os genes envolvidos variam de acordo com a espécie. No caso das onças-pintadas, por exemplo, a pelagem escura é resultado de uma mutação no gene chamado MC1R, que causa aumento na produção da eumelanina (melanina escura). Essa é uma característica dominante em onças-pintadas, ou seja, para nascer um filhote melânico pelo menos um dos pais precisa ter pelagem escura", diz.
"Já nos leopardos, parentes próximos das onças, a mutação ocorre em outro gene, chamado ASIP, e é uma herança recessiva: um casal de leopardos com pelagem normal pode gerar um filhote de cor preta", destaca Fragoso.
Em 2013, um lobo-guará melânico foi registrado na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Veredas do Acari (em Minas Gerais), sendo o primeiro registro de melanismo para essa espécie no mundo
Onças-pintadas melânicas registradas no Cerrado — Foto: Eduardo Fragoso/Onçafari
Diferente do albinismo, o melanismo afeta apenas a pigmentação da pele e pelagem, mas não modifica a cor dos olhos dos animais, por exemplo. "O mesmo gene relacionado ao melanismo em onças-pintadas (gene MC1R) também age em células não associadas à pigmentação, mas sua função ainda é desconhecida. Portanto, até hoje não há estudos que relacionem o melanismo com qualquer outra alteração biológica ou comportamental do animal", diz Fragoso, que destaca a presença das rosetas também nas onças melânicas.
"A cor escura de fundo dificulta a observação das rosetas, que são típicas da espécie. Porém, de acordo com a incidência de luz, ou mesmo nas imagens noturnas de armadilhas fotográficas com uso de luz infravermelha, é possível notar a presença delas", reforça.
Tigre, leão, guepardo, leopardo-das-neves, onça-parda e jaguatirica são espécies que nunca tiveram indivíduos melânicos registrados
O fenômeno é resultado de uma condição genética que provoca excesso de pigmentação — Foto: Arte/Giulia Bucheroni
Felinos melânicos
De acordo com um estudo liderado por pesquisadores da PUC/RS, das 40 espécies atuais de felinos selvagens ao redor do mundo, o melanismo já foi registrado em 14 delas.
"Para o gato-mourisco (Puma yagouaroundi), também chamado de jaguarundi, o melanismo esteve presente em 80% dos 463 indivíduos avaliados, mostrando uma predominância dos mouriscos melânicos em relação à coloração ancestral, que é avermelhada", explica o biólogo, que destaca também observações frequentes de indivíduos melânicos de gato-do-mato-grande (Leopardus geoffroyi) em algumas áreas do Pampa, no sul do Brasil.
Melanismo é fenômeno raro no gato-palheiro — Foto: Projeto Onçafari
Já para as onças-pintadas, o melanismo esteve presente em 9% de quase 800 amostras de indivíduos provenientes de 19 países diferentes, segundo o estudo conduzido pelos pesquisadores da PUC/RS. "Considerando apenas o Brasil, a frequência de melanismo foi de 14,6%. Vale ressaltar que algumas áreas tiveram ocorrências relativamente altas de animais melânicos: na Caatinga, essa frequência foi de 40,7% e no Cerrado foi de 17%. Na área da Pousada Trijunção, localizada no Cerrado e onde o Onçafari atua desde 2018, quase metade das onças-pintadas registradas são melânicas", diz.
Enquanto as onças-pretas 'reinam' em alguns biomas, em outros elas são raras ou mesmo inexistentes. "No Pantanal e nos Llanos da Venezuela e da Colômbia, onde as paisagens são mais abertas e a temperatura média é elevada, não há registros de onças pretas. E essas são áreas intensamente estudadas por projetos de pesquisa e conservação. Há relatos desses animais nas bordas do Pantanal, mas sem comprovação", completa Fragoso.
Onça-preta foi flagrada por Lucas Leite no NEX em Goiás — Foto: Lucas Leite/ VC no TG
Efeitos do melanismo
O biólogo especialista em felinos explica que nas espécies cuja temperatura corporal varia de acordo com a temperatura externa, o melanismo pode ter efeitos positivos. "Com a taxa de aquecimento maior, aumenta também a temperatura corporal, refletindo no tamanho do animal - que costuma ser maior. Isso beneficia a sobrevivência e a fecundidade do indivíduo", diz.
No caso da camuflagem, porém, o melanismo pode ajudar ou prejudicar, dependendo de outros fatores ambientais. "Especula-se que em áreas florestais mais densas, onde a luminosidade penetra pouco no interior da mata, animais melânicos podem se beneficiar no quesito camuflagem e ter maior sucesso de caça. Porém, em ambientes mais abertos de vegetação mais rala, acredita-se que esses indivíduos terão mais dificuldade em se camuflar na vegetação, sendo assim uma desvantagem", diz.
"Essas são especulações baseadas principalmente na relação de predominância versus raridade do melanismo em determinadas áreas. Porém, poucos estudos têm avaliado essas questões ecológicas, pois são bem difíceis de serem testadas com rigor científico em animais selvagens de vida livre, afinal, muitos deles têm ocorrência rara", completa.