Homem de Mogi Guaçu morre aguardando atendimento em UPA do Rio de Janeiro
José Augusto Mota da Silva, de 32 anos, que morreu na última sexta-feira (13) na sala de espera de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Rio de Janeiro, vivia do artesanato, fazia trabalhos como garçom e chegou a morar nas ruas de Copacabana.
Filho de uma família humilde de Mogi Guaçu (SP), deixou a cidade de origem para acompanhar uma empresa de construção civil, para a qual prestou serviços. Ele planejava passar o Natal deste ano no interior de São Paulo ao lado do pai, quatro irmãos e sobrinhos.
Vídeos gravados por testemunhas mostram José Augusto sentado já sem vida na UPA Cidade de Deus, onde deu entrada 'gritando de dor', segundo familiares. Ele passou pela triagem e faleceu sem receber atendimento médico. Uma das irmãs disse que ele reclamava de problemas estomacais há meses (leia mais abaixo).
Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde informou que o homem sofreu uma parada cardiorrespiratória e que abriu uma sindicância para investigar o caso.
O corpo foi sepultado neste domingo (15) no município em que ele nasceu. "Ele não merecia morrer daquele jeito, sentado. Ninguém merece morrer que nem bicho, daquela forma. É desumano", declarou emocionada a irmã Meiriane Mota Silva.
José Augusto Mota Silva, de 32 anos, morreu sentado na recepção da UPA Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, enquanto esperava por atendimento — Foto: Arquivo Pessoal
Idas à UPA eram frequentes
De acordo com a sobrinha Emily Larissa Souza Mota, as idas de José à unidade de saúde eram frequentes. Há alguns meses ele se queixava de dores no estômago, mas, até então, não havia encontrado solução. Ele, inclusive, reclamava do atendimento recebido.
"A ex-companheira dele ligava pra gente chorando falando: 'eu não sei mais o que eu faço, eu levo ele todos os dias no UPA. Eles não dão moral para ele. São de três a cinco horas para atender naquele hospital. Eles atendem, dão injeção ou dipirona na veia e pronto, tá liberado'".
"Na quarta-feira (11) eu conversei com ele por chamada de vídeo na hora do almoço. Ele comentou que tinham voltado as dores no estômago. Eu falei: 'você não foi ver ainda essa questão dessa dor?'. Ele falou que já tinha ido ver na Clínica da Família, se não me engano. Ele tinha um encaminhamento para o mês que vem, para fazer uma endoscopia", disse a irmã Meiriane.
O g1 pediu uma posição à Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro sobre as queixas.
Paciente chegou com dor, mas não foi atendido
O pai José Augusto Mota Silva descreveu, ainda no velório, a morte do filho. "Ele chegou lá gritando de dor, pedindo atendimento e ninguém atendeu. Foi ficando lá sentado. Até que ele morreu com o pescoço tombado".
"Ele chegou lá gritando de dor, pedindo atendimento e ninguém atendeu. Foi ficando lá sentado. Até que ele morreu com o pescoço tombado. Quem descobriu foi o pessoal que estava esperando atendimento também. Difícil, difícil demais. Pelas imagens, está claro. Se houver uma investigação e for constatado, eles têm que ser punidos", desabafa o pai, José Adão da Silva.
Pacientes relataram que José Augusto deu entrada na unidade se queixando de fortes dores e passou pela triagem, mas morreu sentado, sem ser atendido. Nas imagens é possível ver que uma pessoa se aproxima dele, que não reage. Em seguida, é colocado na maca.
Paciente já desacordado enquanto aguardava atendimento na UPA — Foto: Reprodução
Agora os familiares esperam entrar com uma ação na Justiça. "Depois que eles viram que deu essa repercussão toda, entraram em contato com a gente querendo dar todo apoio, falando: 'nossos sentimentos' e que ia pagar tudo. Até agora, não pagaram nada. Vamos querer Justiça porque, se foram capaz de fazer com ele, quem vai ser a próxima vítima? Todos podem ser vítima", conta Emily.
"As pessoas estão ali, profissionais. Se dizem profissionais. Estão ali para cuidar da vida. Fazem esse juramento quando se formam e eles não fazem isso. Que juramento é esse? É pelo dinheiro? Porque, se fosse dinheiro, se tivesse dinheiro, meu irmão não tinha morrido", completou revoltada a irmã de José.
Querido entre os sobrinhos
Apesar da distância, Emily diz que o tio sempre se dedicava a transmitir seu carinho pela família. Além do Natal com a família, ele também fazia planos para o réveillon: queria levar a sobrinha para passar a virada de ano na cidade maravilhosa.
"É algo difícil, ainda mais pra gente que era um grude com ele. Mesmo de longe, ele demonstrava carinho, amor. Todo dia ele mandava mensagem [dizendo]: 'cês estão bem? A gente ama vocês, não esquece do tio, o tio vai sempre estar aqui para o que vocês precisarem".
"Quando eu tirei minha carta ele mandou mensagem para mim falando: 'filha, parabéns, o tio está muito feliz por você, com a sua conquista. Quando o tio for pra aí, a gente vai andar de moto'. Não foi, foi totalmente diferente".
Funcionários serão demitidos
Os funcionários não teriam percebido a gravidade do caso. Por meio das redes sociais, o secretário de Saúde do município, Daniel Soranz, disse que todos os funcionários que estavam de plantão no momento da ocorrência serão demitidos.
A Secretaria Municipal de Saúde afirmou, em nota, que tudo aconteceu "muito rápido". Disse que o paciente estava lúcido e entrou andando na unidade. No entanto, quando foi atendido o homem estava desacordado. Uma sindicância deve apurar o caso.
"Dados do sistema mostram que a classificação de risco foi feita às 20h30 e, poucos minutos depois, foi acionada a equipe médica devido ao paciente encontrar-se desacordado".
"Ele foi levado à Sala Vermelha para atendimento, mas infelizmente não resistiu e foi constatada a parada cardiorrespiratória. O corpo foi encaminhado para o Instituto Médico Legal para apurar a causa do óbito", completa a nota.
"Todos os profissionais que estavam no plantão da UPA da Cidade de Deus, na noite de ontem, serão demitidos, responderão sindicância e serão denunciados nos seus respectivos conselhos de classe. É inadmissível não perceberem a gravidade do caso", afirmou.
Paciente morre na UPA da Cidade de Deus, na Zona Oeste do Rio — Foto: Reprodução