Perícia afirma que gases tóxicos causaram colapso no pulmão de Genivaldo
Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, morreu após ficar 11 minutos e 27 segundos exposto a gases tóxicos, e impedido de sair de uma viatura da Polícia Rodoviária Federal em Sergipe. A informação é um dos resultados da perícia feita pela Polícia Federal, que a reportagem do Fantástico, exibiu neste domingo (9), com exclusividade.
A morte aconteceu no dia 25 de maio, no município de Umbaúba, cidade do Sul sergipano, quando ele foi abordado por policiais rodoviários federais por estar pilotando uma moto sem capacete.
Os acusados são os policiais rodoviários federais William de Barros Noia, Kleber Nascimento Freitas e Paulo Rodolpho Lima Nascimento, todos indiciados pela PF por homicídio qualificado e abuso de autoridade. A partir disso, cabe ao Ministério Público Federal e a Justiça decidir se vão dar prosseguimento ao processo.
Durante as investigações sobre a morte, os peritos atestaram que a concentração de monóxido de carbono foi pequena. Já a de ácido sulfídrico foi bem maior, e pode ter causado convulsões e incapacidade de respirar.
Segundo a perícia, o esforço físico intenso e o estresse causados pela abordagem policial resultaram numa respiração acelerada de Genivaldo. Isso pode ter potencializado ainda mais os efeitos tóxicos dos gases. A perícia afirma ainda, que os gases causaram um colapso no pulmão de Genivaldo.
“A perícia demonstrou que Genivaldo em nenhum momento esboçou qualquer tipo de reação, então ficou claro que houve uma violência desproporcional e uma violência injusta por parte dos prfs”, disse o advogado da família de Genivaldo, Ivis Melo de Souza.
Acusados de matar Genivaldo Santos — Foto: Reprodução/TV Globo
Nas imagens da abordagem realizadas por populares e familiares, a perícia observou que o policial William aparecia solicitando que Genivaldo colocasse as mãos na cabeça. Genivaldo obedece, mas mesmo assim, recebe spray de pimenta no rosto.
Segundo os peritos, o policial Kleber Nascimento Freitas jogou spray de pimenta pelo menos cinco vezes em Genivaldo, que alegou que não estava fazendo nada. A ação continuou no chão, quando dois policiais pressionaram o pescoço e o peito de Genivaldo com os joelhos.
Após Genivaldo ser colocado no porta-malas da viatura, o policial Paulo Rodolpho Lima Nascimento jogou uma granada de gás lacrimogêneo no compartimento. Paulo Rodolpho e William de Barros Noia seguraram a porta, impedindo que a fumaça se dissipasse mais rapidamente.
Segundo a irmã de Genvivaldo, Damarise de Jesus Santos, que esteve no local da abordagem, mesmo implorando para os policiais deixarem o irmão vivo, eles a mandaram se afastar dele. “Implorei a eles: leve a moto e deixe meu irmão vivo, pelo amor de Deus”, disse.
“Ficou muito comprovado que existiu a tortura naquele momento e que consequentemente, foi motivo banal ter acontecido uma situação daquela”, disse a advogada da viúva de Genivaldo, Priscila Mendes.
A pedido do Fantástico, um perito criminal analisou os resultados da investigação. “A asfixia foi gerada pela ingestão de substâncias irritantes, sufocantes, existentes tanto no spray de pimenta, quanto na granada lacrimogênea, que causaram realmente toda aquela sequência de dano ao trato aéreo do cidadão”, explicou o diretor da associação nacional dos peritos criminais federais, Willy Hauffe.
A defesa dos três policiais alega que a intenção não era matar Genivaldo. “Não há o dolo direto, a vontade de matar. De forma alguma, aquele resultado foi previsto por eles. Esse processo vai definir a culpa, na medida da culpabilidade de cada um. Eles não estão se afastando da responsabilidade deles, tampouco estão se isentando”, disse o advogado, Glover Castro.
Caso Genivaldo: PF indicia policiais por abuso de autoridade e homicídio qualificado
Prestação de socorro
Segundo o que foi apurado na investigação, entre o lançamento do gás lacrimogêneo até a viatura sair da beira da estrada, com Genivaldo no compartimento traseiro, se passaram 11 minutos e 27 segundos. Na sequência, o veículo foi até a delegacia e só depois chegou ao hospital do município. Totalizando um tempo total, a partir da emissão dos gases tóxicos, de 23 minutos.
A médica que fez o atendimento de Genivaldo informou que ele já chegou ao local sem vida. Um laudo do Instituto Médico Legal apontou as causas da morte como asfixia mecânica e insuficiência respiratória aguda.
Esquizofrenia
Genivaldo sofria de esquizofrenia, fazia tratamento há pelo menos 18 anos e tomava antipsicóticos. O laudo toxicológico apontou a presença do remédio no sangue dele, não havia sinais de bebida alcoólica e nem de drogas.
À polícia, o psiquiatra responsável pelo tratamento disse que, no momento da abordagem, Genivaldo não estava em surto, por estar medicado e que ele era uma pessoa pacífica e levava uma vida normal.
“Meu marido era um homem de bem, era um homem trabalhador, apesar de ter um problema de saúde, mas nunca, nunca na vida dele, ele chegou com agressividade. Ele tinha o mundo dele. Ele tinha a gente, e ele era uma pessoa feliz, do modo dele”, disse a viúva Fabiana dos Santos Oliveira.
Multa após a morte
A família informou que três meses após a morte de Genivaldo, recebeu uma correspondência da Polícia Rodoviária Federal. No documento, consta que ele foi multado por estar sem capacete no dia de sua morte, sem habilitação e de sandálias. Genivaldo recebeu quatro multas da Polícia Rodoviária Federal, no valor total de R$ 1.800.
“Eles mataram meu irmão, tiraram a vida do meu irmão, e ainda não tiveram o respeito com a família. Acho que isso aqui é uma vergonha”, disse a irmã da vítima, Damarise de Jesus Santos.
O advogado da família, Ivis Melo, afirmou que a família é humilde, pobre, e que teve que custear todo o funeral sem qualquer ajuda da PRF. “Que eles tenham empatia, sensibilidade, humanidade para que retirem essa multa”.
Sobre o assunto, a PRF informou que um processo foi instaurado para suspender as multas.
A PRF disse também que os três agentes indiciados pela morte de Genivaldo foram "afastados" e que "lamenta profundamente o desfecho da ocorrência, se solidarizando com a dor dos familiares, parentes e amigos da vítima".