Juíza de SC impede aborto de criança, de 11 anos, vítima de estupro
Uma menina de 11 anos estava sendo mantida pela Justiça em um abrigo de Santa Catarina para evitar que fizesse um aborto autorizado. Vítima de estupro no começo do ano, a criança descobriu que estava com 22 semanas de gravidez ao ser encaminhada ao Hospital Universitário de Florianópolis, onde teve o procedimento para interromper a gestação negado.
A internação da criança em um abrigo impediria que a lei fosse executada.
O aborto é permitido no Brasil quando a gravidez é decorrente de estupro, quando há risco à vida da gestante ou quando há um diagnóstico de anencefalia do feto.
Mas o hospital teria negado o procedimento à menina porque a unidade só realizaria a interrupção com até 20 semanas de gravidez. Não há consenso nacional sobre a realização de interrupções de gestação após as 22 semanas em caso de estupro.
Segundo vídeos publicados na segunda-feira (20) pela reportagem do portal Intercept, Justiça e Promotoria pediram para a menina manter a gestação por mais “uma ou duas semanas”, para aumentar a sobrevida do feto.
"Você suportaria ficar mais um pouquinho", perguntou Joana Riberio Zimmer, juíza responsável pelo caso.
Na manhã de terça-feira (21), a Justiça do Estado determinou que a vítima voltasse a morar com a mãe. Já a juíza Joana Ribeiro, autora da decisão que negou à criança o procedimento para interromper a gestação, anunciou que estava deixando o caso.
Naquela noite, a advogada da família informou que a menina deixou o abrigo. Em seguida, o Ministério Público Federal (MPF) emitiu uma nota recomendando ao hospital procurado pela família a realização do aborto. A paciente de 11 anos teve a gravidez interrompida nesta quinta-feira (23), segundo o órgão.
Juíza Joana Ribeiro, de Santa Catarina, impede menina estuprada de fazer aborto legal — Foto: Solon Soares/Agência ALESC
Veja abaixo o que se sabe e o que falta saber sobre o caso.
Por que a menina foi levada ao abrigo?
Na decisão, na qual o g1 SC teve acesso, a juíza Joana Ribeiro afirmou que a jovem inicialmente foi encaminhada ao abrigo por conta de um pedido da Vara da Infância com o objetivo de proteger a criança do agressor que a estuprou. Depois, o objetivo passou a ser evitar o aborto. A suspeita é a de que a violência sexual contra menina ocorreu na casa dela.
Quando a menina sofreu o estupro?
A menina sofreu a violência sexual aos 10 anos de idade. O Conselho Tutelar da cidade em que ela morava quando foi violentada acionou o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC).
A vítima tinha autorização judicial para fazer o aborto?
Segundo a advogada da menina, Daniela Felix, já existe uma decisão da Justiça que autoriza a interrupção da gravidez. No entanto, o fato de a criança estar internada em um abrigo impede que a decisão seja executada.
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A menina foi liberada do abrigo?
Sim. Ela foi liberada pela Justiça para sair do abrigo e voltar a morar com a mãe na terça-feira (21).
Há órgãos que recomendaram a interrupção da gravidez da menina?
Sim. O Ministério Público Federal (MPF) recomentou ao hospital procurado pela família que realizasse o aborto, independente de tempo gestacional ou autorização judicial. O órgão deu prazo até as 12h de quinta-feira (23), para que a unidade hospitalar encaminhe à Procuradoria da República informações sobre o acatamento da recomendação, "excepcionalmente. em razão da urgência que o caso requer".
Ela fez o procedimento?
Sim. O MPF informou que o procedimento de interrupção de gestação foi realizado na quarta-feira (22).
O que disse a juíza na decisão?
A juíza ainda afirmou que o aborto só seria possível com menos de 22 semanas de gestação ou 500 gramas do feto e comparou a prática a um homicídio. "Diferente de proteger a filha, iria submetê-la a um homicídio", diz Joana Ribeiro na decisão.
"Logo, não se impediu o aborto da menina porque, passado o prazo legal e também o tamanho adequado do bebê, o que foi impedido por esse juízo foi o cumprimento de uma ordem que já não era mais de aborto e só não foi cumprida porque a menina estava institucionalizada [internada em um abrigo] pois, se estivesse com a mãe, teria sido realizado o procedimento sem a salvaguarda da vida do bebê", considerou.
Após a repercussão do caso, Joana Ribeiro informou que não se manifestará sobre trechos da audiência.
"Com o julgamento do STF pelo não reconhecimento do direito ao esquecimento, qualquer manifestação sobre o assunto à imprensa poderá impactar ainda mais e para sempre a vida de uma criança. Por essa razão, seria de extrema importância que esse caso continue a ser tratado pela instância adequada, ou seja, pela Justiça, com toda a responsabilidade e ética que a situação requer e com a devida proteção a todos os seus direitos e garantias constitucionais", escreveu em nota.
Quem está apurando a conduta da magistrada?
A conduta da promotora, que participa da audiência e questiona a menina sobre a gravidez, está sendo investigada?
Sim. Está sendo investigada pelo Ministério Público de Santa Catarina.
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A conduta da equipe do hospital é investigada?
Sim. O Conselho Regional de Medicina (CRM) de Santa Catarina informou que apura a conduta da equipe médica do hospital que negou o aborto previsto na lei para a menina. Segundo o CRM, outras informações sobre o caso não podem ser divulgadas "em razão do sigilo processual, conforme preconiza o Art. 1º do Código de Processo Ético-Profissiona
A juíza segue no caso?
Não. A magistrada informou neste terça-feira (21) que foi transferida para a comarca de Brusque, no Vale do Itajaí. Segundo ela, a transferência ocorreu porque ela aceitou uma promoção e que o convite ocorreu antes da repercussão do caso.
A OAB se pronunciou?
Sim. Em nota, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Santa Catarina informou que vai trabalhar para a garantir proteção da menina vítima de violência sexual. A entidade escreveu que vê a situação com preocupação e acompanhará todo o processo e os desdobramentos do caso para que a vítima receba apoio integral. "Incluindo o retorno ao convívio familiar e toda a assistência de saúde necessária", ressaltou.
O que dizem especialistas?
Ex-coordenadora do setor de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Santo Antônio, em Blumenau, no Vale do Itajaí, a médica Daniela Lemos Mezzomo explica que, pelo Código Penal, em casos de estupro, risco de vida materna ou mal formação fetal incompatível com a vida, não há limite de idade gestacional.
O que dizia o hospital?
O Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago, onde a menina inicialmente foi atendida, disse que não divulga informações sobre procedimentos relacionados ao prontuário de pacientes e nem sobre casos que correm em segredo de Justiça.
“Quando ocorre de ultrapassar o limite da idade gestacional estabelecido pelo protocolo para conduzir o procedimento, orientamos a família a recorrer judicialmente para assegurar esse direito", escreveu a direção do hospital.
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