Com um terço da economia catarinense com origem no agro, startups vêm revolucionando o meio, mais mecanizado, com controle rígido e inspeção de ponta – o que ajuda a alcançar mercados mais sofisticados, como europeu e árabe. O Brasil, antes mesmo da Europa ou Estados Unidos, foi pioneiro no investimento em tecnologia nesse segmento. E Santa Catarina, com um polo tecnológico em ascensão, vem impulsionando a produção com controles digitais, uso de dados precisos e inteligência artificial nas cadeias produtivas.
É o caso da Salvo Soluções Digitais, criada em 2017, em Lages, que disponibiliza uma ferramenta para conectar o produtor rural à internet, supermercados e fomentar a aproximação com os clientes, proporcionando gestão e rastreabilidade para seus produtos.
– Começamos com a gestão do gado da propriedade, querendo agregar valor e levar a informação para o comprador deste animal. Depois, começamos a levar a informação dos animais produzidos ao consumidor – conta Marcus Moreno, CEO da Salvo.
O empreendedor lembra que a ideia começou quando teve conhecimento dos queijos artesanais, produtos com identificação geográfica (IG). Para produzir um queijo artesanal, é preciso que a produção ocorra com animais da propriedade, sem leite de fora desta.
– Nós já tínhamos o controle dos animais, passamos a controlar o leite e os seus derivados. Assim, colocamos um QR code na embalagem do queijo, onde o consumidor tem todas as informações nutricionais, a história do queijo e da propriedade. Olhando as outras IGs de Santa Catarina, como a Maçã Fuji, Banana de Corupá e os produtos como frutas, verduras e legumes, expandimos as funções do sistema e criamos a marca Origem Segura, para melhor relação com os produtos do produtor.
Marcus Moreno, CEO da Salvo — Foto: Divulgação
Também é o caso da startup de biotecnologia Scienco Biotech, que criou uma solução rápida para testar a qualidade e a pureza do leite A2, com tecnologia pioneira a nível global. O resultado sai no momento do teste, na própria fazenda, o que ajuda na escolha dos animais com o genótipo A2A2 da beta caseína, elevando o valor ao produtor rural.
Maria Magalhães, fundadora da startup criada em Lages, no ano de 2016, afirma que o leite A2 possui melhor digestibilidade, sendo produzido por vacas com o genótipo A2A2. Segundo ela, o leite de búfala, cabra, ovelha e até o leite materno são A2.
– O teste rápido é parecido com um teste de gravidez e, com uma única gota de leite, podemos avaliar de imediato a pureza do leite A2. O teste também analisa leite de A2 de tanque, e assim é possível verificar eventual contaminação cruzada com leite comum – detalha Magalhães.
Ao proporcionar maior segurança no mercado de leite, o teste rápido atrai consumidores locais, mas também possibilita que os produtores tenham mais oportunidades no cenário internacional. Por assegurar a ausência de beta caseína A1, o produtor rural pode alcançar padrões de qualidade mais rígidos, reforça Magalhães.
Teste rápido — Foto: Divulgação
Joel Risso, diretor da Vertical de Agtech da Associação Catarinense de Tecnologia (Acate), avalia que a agricultura de precisão e aplicação de insumos a taxas variáveis já não é uma novidade em Santa Catarina, mas uma estratégia disseminada. Entre as novidades no estado, estão equipamentos de ponta completamente autônomos em sua operação, com o operador da máquina muitas vezes apenas como observador. Também são tendência drones guiados por inteligência artificial e por visão computacional, que realizam aplicações direcionadas, somente onde tem ervas daninhas e pragas, por exemplo, reduzindo o desperdício de insumos e com isso melhorando os aspectos ambientais. Os satélites auxiliam a identificar problemas nas áreas agrícolas com imagens e, com base em dados meteorológicos, é possível fazer uma aplicação de um defensivo, uma colheita ou fazer uma programação correta de semeadura.
Revolução tecnológica no agro
O setor do agronegócio brasileiro possui curva de crescimento consistente ao longo da história, atravessado uma série de revoluções tecnológicas, desde a Revolução Verde nos anos 80, passando pelo o apogeu do GPS nos anos 90 e agricultura de precisão.
– Hoje é um dos setores mais dinâmicos e resilientes da economia, com propriedades rurais e fazendas já altamente tecnificadas, com o que há de melhor em tecnologia, inclusive exportando tecnologia. Então é um setor que, de fato, tem trazido números extremamente invejados por outros setores, tem sido responsável pela manutenção da balança comercial brasileira em alta e rendimentos por hectare bastante elevados – afirma Risso.
Risso acredita que esses fatores estão relacionados às melhorias tecnológicas que levam ao aumento da produção em uma mesma área, elevando a produtividade, com racionalização de recursos e possibilidade de competição com vantagens em relação a outros países.
A condição geográfica favorável e um território vasto fez com que o produtor rural passasse a produzir em ambientes que até então não eram produtivos, incluindo o cerrado, que hoje é responsável por mais de 50% da produção de soja do Brasil, além de milho e algodão. A instalação de sensores no meio rural, com coleta e processamento de dados e uso de IA fomentam essas oportunidades.
Santa Catarina é um grande case de sucesso e o ambiente é extremamente favorável para o avanço tecnológico e para expansão na produção agrícola – seja a nível local como nacional, em sua visão.
Aprimoramento da tecnologia voltada ao agronegócio
O produtor brasileiro é o mais tecnificado do mundo, segundo pesquisa da Mackenzie citada por Risso. A tecnologia no agronegócio pode ser separada entre os elos das cadeias produtivas antes e depois da porteira, explica Joel Risso, e ainda no pós-produção, com rastreabilidade de todas as cadeias.
Os distribuidores de insumos participam de fases anteriores ao início do cultivo, então o produtor precisa que a tecnologia esteja acessível em marketplaces, como sementes geneticamente modificadas e melhoradas, cuidados de manejo de conservação de solo, sistemas de plantio, em que o Brasil é pioneiro, entre outros.
Além disso, o maquinário permite pilotos automáticos, com trabalhos com aplicações a taxas controladas, a chamada agricultura de precisão, com uso de dados e coleta de informações em estações meteorológicas ou satélites para as tomadas de decisão. Ainda, Risso cita as tecnologias utilizadas na parte da colheita, para armazenamento de grãos, o que ocorre em propriedades maiores, mas já com tecnologia, aeração e termometria.
Ainda que as grandes cadeias produtivas invistam mais em tecnologia, mesmo os produtores rurais de pequeno porte, se estiverem integrados a cadeias globalizadas, como a suinocultura em Santa Catarina, precisam adotar controles sanitários, com softwares de gestão, controladores, hardwares instalados nos galpões e IA.
– Então mesmo esse produtor pequeno, por estar vinculado a cadeias globalizadas, já está num nível tecnológico bastante alto e Santa Catarina é destaque nisso. Não só produção em ambiente controlado na suinocultura, mas temos fruticultura, somos líderes na produção de maçã nacionalmente também, com foco no pequeno produtor.
Assim como essas cadeias produtivas, a produção de laticínios como leites e queijos, além de soja e milho, conta com robusto leque de soluções tecnológicas para otimização dos resultados e inserção em mercados mais amplos.
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