A Comissão Parlamentar de Inquérito que apura violações aos direitos humanos durante trotes aplicados em universidades paulistas agora investiga também a conduta dos alunos veteranos em relação aos calouros da faculdade de medicina da PUC-SP, campus Sorocaba (SP). Segundo o estudante Rodolfo Furlan, que denunciou a violência à CPI, alguns calouros são obrigados a ingerir até fezes.
Por meio de nota, a assessoria de imprensa da PUC-SP informou que a faculdade repudia a violência no trote e que, nos últimos dois anos - 2013 e 2014 -, não recebeu nenhuma denúncia dessa natureza. A assessoria informou ainda que todas as acusações anteriores foram apuradas e as devidas providências foram tomadas, inclusive com a expulsão de alunos que comprovadamente agiram de forma irresponsável. Segundo a nota, o trote é proibido dentro do campus, inclusive a venda do “kit bixo”.
A universidade passou a constar no inquérito depois que a CPI, formada por membros da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, recebeu um documento produzido pelo Grupo de Apoio ao Primeiranista (GAP), formado por alunos do curso de medicina que são contrários ao trote violento.
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Um dos criadores do GAP, Rodolfo Furlan vive atualmente nos Estados Unidos, mas prestou depoimento à CPI na última semana, por meio de videoconferência. Segundo a Assembleia Legislativa, ele confirmou todo o conteúdo do relatório e afirmou que, em 2013, encaminhou o mesmo documento à reitoria, vice-reitoria e centro acadêmico da faculdade, mas não obteve resposta. Então, recorreu à Cúria Metropolitana de São Paulo, que seria a máxima instância na administração das universidades católicas, mas também teria sido ignorado.
Quanto ao documento citado pelo aluno e encaminhado à reitoria, a assessoria da universidade ressalta que os fatos ocorreram no passado e já foram coibidos, e que a faculdade adotou medidas para prevenir novos casos de violência, como a revisão do manual dos calouros, programação especial na semana de recepção dos alunos com a presença dos representantes discentes, reunião com pais de graduandos e divulgação dos canais de atendimento e denúncia.
A assessoria também informou que a direção da faculdade sempre apoiou o GAP, e garantiu que qualquer abuso na recepção dos novos alunos em 2015 será reportado.
Durante o depoimento, Rodolfo separou em dois tipos os trotes aplicados aos alunos: o mínimo, que é o corte do cabelo do calouro, a pintura do corpo e a obrigatoriedade do uso da camiseta dos calouros, e o mais complexo, em que os alunos novatos chegam a ingerir fezes e vômito alheio, além de receber urina na cabeça. Segundo o estudante, os trotes mais complexos ainda contariam com a participação de alunos e de médicos formados, que são conhecidos apenas por apelidos.
O presidente da CPI, o deputado Adriano Diogo, perguntou se Rodolfo sabia o nome de algum mandante do trote, mas o estudante disse saber somente o apelido de um dos mais violentos participantes do trote, um estudante que chegou a agredir fisicamente uma aluna: "Pior".
Ainda em depoimento, Rodolfo afirmou que Pior se formou em 2014, mas, na época em que ainda estudava, costumava intimidar os calouros nas redes sociais - inclusive o próprio Rodolfo - dizendo que "quem pertence ao GAP merece sofrer bulling". "O Pior era o líder do trote na PUC Sorocaba", entregou Rodolfo. Para o estudante, atos violentos permanecem impunes por conta da conivência de professores.
Professores também devem depor
Segundo Antonio Almeida, professor da Universidade de São Paulo (USP) e membro da CPI, Rodolfo o procurou e convidou para participar de um simpósio que mostrava que a faculdade de medicina da PUC em Sorocaba tinha um dos trotes mais violentos das faculdades paulistas. Ele aceitou o convite e disse que não só os alunos devem ser chamados pela CPI, mas também os professores, uma vez que o documento preparado pelo GAP mostrava uma foto de um estudante assistindo aula usando uma focinheira, com total conivência do professor.
Já o assessor Ricardo Kobayashi, também membro da CPI, lembrou que boa parte dos alunos violentos pertencem às associações atléticas e sempre se dão bem na vida acadêmica. Perguntou para Rodolfo se ele sabia o porquê, e o estudante respondeu que acredita haver um favorecimento a esses alunos, já que eles não têm um desempenho acadêmico excepcional que os faça merecer as residências médicas e os empregos que conseguem depois de formados. Ele acredita que isso só pode ser atribuído a uma bem montada estrutura baseada no companheirismo conseguido às custas dessa violência cometida contra estudantes excluídos da estrutura.
A CPI investiga também a Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (Esalq), do campus da USP em Piracicaba (SP). Todos os depoimentos colhidos nas reuniões da CPI, inclusive a videoconferência realizada com Rodolfo, serão enviados ao Ministério Público.