Após enfrentar a pior enchente já registrada no Rio Grande do Sul e ver a vida virar de cabeça pra baixo com a tragédia climática, Michele Olbermann, moradora de Cruzeiro do Sul, no Vale do Taquari, está prestes a comemorar um Natal com significado especial. A casa da autônoma, onde a água alcançou o sótão com as cheias do mês de maio, foi reconstruída após seis meses de esforços e solidariedade.
"Esse Natal vai ser na minha casa, e a gente está muito feliz por isso", revela. "A gente conseguiu logo arrumar a casa, reformar pra voltar, deixar ela pronta. Então, esse Natal vai ser na minha casa", conta.
Pela primeira vez, Michele vai receber os pais e amigos em sua casa para celebrar a data.
"Ano passado, a casa ainda estava em construção. Este ano, poder comemorar aqui é tudo pra nós", comenta Michele.
A data também será uma oportunidade de retribuir o apoio recebido. Michele convidou um vizinho, que também sofreu com a enchente, para celebrar com eles.
"No ano passado, ele [o vizinho] tinha nos convidado pra passar lá [na casa dele]. E daí eu disse 'esse ano é o de retribuir o que ele fez por mim'. Eles ainda estão com a casa bem deteriorada por dentro", relata.
Ao longo dos meses fora da residência, a família contou com a ajuda de vizinhos, amigos e iniciativas comunitárias para reconstruir o lar. De acordo com Michele, compadres do casal pagaram o aluguel de um imóvel durante o tempo que não puderam voltar para casa. Assim, a família pôde concentrar os gastos nas mobílias e eletrodomésticos que precisavam recuperar.
Cruzeiro do Sul durante a enchente de maio no RS — Foto: Divulgação/ Sofia Kich
Cruzeiro do Sul registrou 13 das 183 mortes em decorrência da enchente no RS, de acordo com a atualização mais recente da Defesa Civil do estado.
Presente de Natal: família ganha sessão de fotos
Com o desejo de trazer alegria após a tragédia, a fotógrafa Sofia Kich, amiga de longa data de Michele, ofereceu um ensaio fotográfico de Natal como presente à família.
Sofia já havia registrado momentos importantes da vida de Michele, como a gravidez da filha mais velha. Agora, ela quis marcar esse recomeço com fotos que simbolizassem a esperança.
"Foi mágico. As crianças ficam enlouquecidas com as coisas de Natal, com o pinheirinho, com toda a casa de Natal que ela programou esse ano. Foi bem legal, bem emocionante. Ela é uma amiga de longa data que enxerga a dificuldade das pessoas", conta.
Michele Olbermann e família — Foto: Divulgação/ Sofia Kich
Após 14 anos registrando momentos felizes em Cruzeiro do Sul, Sofia viu sua trajetória se cruzar com as tragédias que atingiram a cidade em 2023 e 2024. Acostumada a eternizar casamentos, nascimentos e celebrações, ela se viu diante da missão de documentar a devastação causada pelas enchentes.
“Vi e ouvi as mesmas pessoas que sempre fotografei, no pior momento de suas vidas”, conta.
Ao caminhar pelas ruas cobertas de lama, seu objetivo foi mais do que capturar imagens: foi registrar a história de um povo que lutava para recomeçar.
Neste final de ano, a tradição de fotografar famílias para o Natal ganhou um significado ainda mais especial. Sem estúdio próprio, ela decidiu transformar uma casa histórica do centro da cidade, que foi atingida até o teto pela enchente, em um cenário natalino. A iniciativa simboliza a ressignificação de um espaço marcado pela dor.
Casa histórica do centro de Cruzeiro do Sul atingida até o teto pela enchente no RS — Foto: Divulgação/ Sofia Kich
“Quis trazer esperança e o espírito do Natal para essa parte da cidade que já teve outros natais tão bonitos”, explica.
A fotógrafa também convidou famílias que perderam tudo, como a de Michele, para registrar momentos especiais e decorar seus novos lares com as fotos.
"É uma pessoa de um coração incrível. E ela disse pra mim: 'é minha cliente há muitos anos e eu quero te dar de presente a foto de Natal'", relembra.