Água da Lagoa dos Patos avança sobre ruas de Rio Grande — Foto: Reprodução/RBS TV
A Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, subiu ainda mais nesta quinta-feira (16), com o avanço das águas que correm dos rios do interior e da Região Metropolitana de Porto Alegre. Por outro lado, na capital, o Lago Guaíba ficou abaixou de 5 metros pela primeira vez desde a última segunda-feira (13).
Também nesta quinta, o estado voltou a registrar mortes em razão dos temporais e cheias, chegando a 151 vítimas, 104 desaparecidos e 806 feridos, conforme o boletim mais recente da Defesa Civil. O número de mortos é quase três vezes maior do que o saldo de óbitos da tragédia do Vale do Taquari, em setembro de 2023, até então o maior desastre natural do RS. Na ocasião, 54 pessoas morreram.
Além disso, o número de vítimas neste ano já é o dobro da soma de mortes dos três eventos climáticos que o estado sofreu no ano passado. Além da tragédia do Vale do Taquari, os temporais de junho e novembro deixaram mais 16 e cinco mortos, respectivamente — somando 75 vítimas em 2023.
Veja, abaixo, na reportagem um resumo de como foi o dia no RS: como ficaram os locais por onde a água do Lago Guaíba já baixou, a situação da Região Metropolitana, do interior do estado, mais resgates de animais, o "mar de botijões" que se formou em Canoas e a ideia de construit "cidades provisórias" para desabrigados.
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Lagoa dos Patos
Em São Lourenço do Sul, a medição mais recente registrava o nível de 2,80 metros da Lagoa dos Patos — 1,50 metro acima da cota de inundação, de 1,30 metro. A água também tomou as ruas de Pelotas e Rio Grande, que ficam às margens da lagoa.
Em algumas ruas de São Lourenço do Sul, a água atinge a cintura das pessoas. Em outras, chega até às janelas de casas. Cerca de 150 moradores precisaram sair dos locais em que residiam e, agora, recebem acolhimento em abrigos da prefeitura.
Em Pelotas, mais de 2 mil pessoas precisaram sair de casa em áreas de risco. O acesso à Praia do Laranjal foi bloqueado por questões de segurança, o que não havia sido necessário fazer até então.
No Canal São Gonçalo, que liga a Lagoa Mirim à Lagos dos Patos, o nível da água chegou ainda mais alto: 3 metros, nesta quinta. De acordo com a prefeitura, a região do porto só não foi inundada porque há diques que impedem o avanço.
O nível mais alto que a Lagoa dos Patos chegou foi 2,88 metros, em 1941, afirmou a Universidade Federal de Pelotas (UFPel). A lagoa recebe as águas do Guaíba que, por sua vez, é alimentado pelo Rio Jacuí, cujo delta recebe as águas dos rios Pardo, Taquari, Caí, Sinos e Gravataí.
O governo do estado reconheceu, na quarta, os decretos de calamidade pública emitidos pelas prefeituras de São Lourenço do Sul, Pelotas e Rio Grande.
Nível da Lagoa dos Patos, no sul do Estado, volta a subir
Recuo do Guaíba
O nível do Guaiba, em Porto Alegre, baixou de 5 metros pela primeira vez desde a última segunda-feira (13), chegando a 4,86 metros na tarde desta quinta. O recuo se deu mesmo com a chuva que voltou à região durante o dia.
Apesar de ainda estar acima da cota de inundação, a medição feita pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) no Cais Mauá confirma o prognóstico de estabilidade do nível do lago e a tendência de queda divulgado pelo Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
"Conforme a gente vai esvaziando o Guaíba, chega um momento em que as casas de bomba vão ser religadas. Conforme isso for acontecendo, a própria casa de bombas também vai bombeando água para fora, e esses locais vão secando como antes", explica Fernando Fan, professor do IPH.
Moradores que precisaram sair de casa depois que o lago transbordou e avançou sobre ruas, principalmente nos bairros das zonas Norte, Central e Sul, já começam a voltar. O aeroporto Salgado Filho e a Estação Rodoviária seguem inundados. São 13,9 mil pessoas acolhidas em 155 abrigos, de acordo com a prefeitura.
Com a baixa do Guaíba, são vistos animais mortos e esgoto exposto pelas ruas antes inundadas. O mau cheiro está impregnado nas ruas dos bairros Menino Deus, Cidade Baixa e Centro Histórico.
A assistente de câmbio Katia Toledo mora no bairro Menino Deus. Ela afirma ter sofrido com alagamentos no condomínio em que mora nos últimos dois anos – algo que não ocorria antes. Agora, ela precisa fazer a limpeza do imóvel e convive com animais mortos e a água do esgoto.
"A gente teve que lavar todo o corredor do prédio com água sanitária, com detergente, com água. Porque ficou mesmo água podre, tinha até minhoca. Tinha uns vermes, uns bichos muito ruins, muito feios, no meio do prédio, e apareceu muito rato", diz.
O assistente de leilão imobiliário Mateus Marchant disse que, no dia da recomendação da prefeitura para a evacuação dos bairros centrais, precisou sair de casa às pressas. Ele não está morando no local no momento, mas faz visitas quase diárias para pegar roupas novas e se organizar.
"É muito barro e, de vez em quando, [a gente] vê um peixinho morto jogado assim pela rua", diz.
Peixe morto no Largo dos Açorianos — Foto: Mateus Bruxel/GZH
O recuo das águas também revela histórias. Um segurança caminhou por seis horas para chegar a Porto Alegre após ajudar a família em Canoas, na Região Metropolitana. Roberto Vaz contou à RBS TV que passou 10 dias na cidade vizinha, e diante da dificuldade conseguir transporte, voltou a pé durante a madrugada desta quinta-feira (16).
"O método mais fácil que eu encontrei foi vir caminhando pela Freeway. Eu vim caminhando devagarinho. Para pegar um carro de aplicativo os valores estão exorbitantes", relatou.
Roberto é morador do Centro Histórico de Porto Alegre e foi encontrado pela reportagem por volta de 4h45 nas imediações do corredor humanitário. Ele contou que saiu do bairro Marechal Rondon, em Canoas, às 23h30 de quarta (15).
Segurança volta a pé de Canoas para Porto Alegre depois de ajudar irmã
Região Metropolitana
Em Canoas, cerca de 70 mil casas estão submersas após a inundação histórica que atingiu o estado. Sem detalhar, o prefeito Jairo Jorge (PSD) disse que o Hospital Pronto Socorro de Canoas "está perdido". A unidade precisou ser evacuada e os pacientes foram transferidos.
Jorge diz que metade da cidade foi invadida pelas águas e que dois terços dos habitantes da cidade tiveram que ser evacuados. O município é o terceiro maior do estado, atrás de Porto Alegre e Caxias do Sul.
"Só para ter uma dimensão da tragédia, nós temos 347 mil habitantes, metade da cidade foi invadida pelas águas, 70 mil casas estão submersas, as pessoas perderam tudo, são 153 mil pessoas que tiveram que sair, foram evacuadas", disse em entrevista ao Estúdio i, da GloboNews.
Ruas alagadas do bairro Matias Velho, em Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, nesta quinta-feira, 16 de maio de 2024 — Foto: MISTER SHADOW/ASI/ESTADÃO CONTEÚDO
O Globocop flagrou na manhã desta quinta-feira (16) um cachorro tentando se salvar do alagamento que atinge há dias a cidade de Canoas. O animal estava no telhado de uma das casas ilhadas e pulou na água em busca de outro local seguro.
Ao tentar subir no telhado de uma casa no bairro Mathias Velho, que estava um pouco mais alto do que o nível da água, o cachorro enfrentou enorme dificuldade. Após algumas tentativas, no entanto, ele conseguiu subir e se encontrou com outros animais que estavam no local.
Globocop mostra cachorro tentando fugir de alagamento em Canoas
Um grupo de 10 amigos de Curitiba, no Paraná, uniu esforços para ajudar nas operações de resgate nas casas inundadas em Canoas. Eles conseguiram salvar 20 gatos e um cachorro em uma residência.
Imagens gravadas por um dos integrantes do grupo, Rafael Specht, mostram os gatos miando repetidas vezes. Um deles tentou se agarrar as grades da janela da casa e caiu na água.
Gatos são resgatados em casa alagada em Canoas
No mesmo município, barreiras de contenção foram instaladas para impedir que a água leve botijões de gás de uma distribuidora. A água atingiu um nível que fez com que os botijões flutuassem e ficassem acumulados na área da distribuidora, à deriva.
Diante da possibilidade de risco à segurança da população, a Copa Energia, responsável pelos botijões, acionou uma equipe especializada para avaliar a situação. Segundo a empresa, os botijões estão vazios. Apesar disso, "está sendo mantido o monitoramento de segurança do local".
Os reservatórios avançaram sobre o terreno de uma empresa vizinha, a Supergasbras. A empresa afirma que "não há risco de contaminação nem vazamento".
Segundo empresa, botijões que flutuaram estão vazios; barreiras de contenção foram instalaladas — Foto: Divulgação/Copa Energia
'Cidades provisórias'
O vice-governador do Rio Grande do Sul, Gabriel Souza (MDB), confirmou que o governo construirá "cidades provisórias" em Porto Alegre, Canoas, Guaíba e São Leopoldo. A estrutura serviria para abrigar as pessoas afetadas pelas enchentes, que já vitimaram 151 em todo o estado. A declaração de Gabriel Souza foi feita durante entrevista à Rádio Gaúcha, do Grupo RBS.
"É como se fosse uma estrutura de eventos com qualificação para albergar pessoas", explicou o vice-governador.
As estruturas temporárias nos quatro municípios serão montadas para acolher parte das 77 mil vítimas das inundações que estão em abrigos. Muitos dos postos de acolhimento, como escolas, universidades, igrejas e clubes, deverão voltar à normalidade nas próximas semanas.
As cidades devem ser erguidas no Porto Seco, em Porto Alegre, no Centro Olímpico Municipal, em Canoas, e no Parque de Eventos, em São Leopoldo. A equipe do governo ainda procura um ponto que não seja inundável para construir em Guaíba. Esses municípios reúnem cerca de 67% (51 mil) dos desabrigados.
Desabrigados pelas chuvas em abrigo em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, em 8 de maio de 2024 — Foto: Nelson Almeida/ AFP
Interior do estado
Os rios Caí e Taquari, que inundaram e devastaram a Região dos Vales, baixaram e se encontram abaixo das cotas de inundação, alerta e atenção.
Em uma das primeiras regiões afetadas pelos temporais, ainda no final de abril, surgem histórias de recomeço. Uma travessia provisória começou a ser construída no local onde havia uma ponte que foi destruída pela água em Santa Maria, na Região Central. A ponte na RSC-287 ficava sobre o Arroio Grande, ao lado do Rio Vacacaí.
O tráfego no trecho, que fica na altura do km 227, foi bloqueado, prejudicando o trânsito entre o Centro do RS e a Região Metropolitana de Porto Alegre. O vão tem cerca de 36 metros. A rodovia é a principal ligação dessa região do estado com a Capital.
A obra está sob a responsabilidade do Exército Brasileiro, da Prefeitura de Santa Maria e da Concessionária Rota de Santa Maria. A ponte vai ter 60 metros de comprimento e suportar até 80 toneladas. Ela vai permitir a passagem de um veículo por vez com tráfego em sistema de "pare e siga". A obra tem prazo máximo de 15 dias para ficar pronta, mas a expectativa dos responsáveis é que seja concluída antes.
Obra para travessia provisória onde ponte foi destruída na RSC-287 — Foto: RBS TV/Reprodução
Em meio a uma área alagada de Agudo, também na Região Central, Leonardo Speridião Pape, de 11 anos, filma o pai se aproximando. Altair Pape aparece carregando uma sacola com donativos. Atingidos pelas enchentes, pai e filho resolveram registrar os momentos vividos na casa onde permaneceram sozinhos por alguns dias.
"Aquele lá é o pai, ó. Pai ganhou a cesta básica. Daí veio de lá carregando nas costas. Não tem guarda-chuva, não tem nada. Dá pra ter orgulho de um pai assim. Isso sim que é pai", diz o garoto, em um vídeo que já conta com milhares de visualizações nas redes sociais.
Filho grava pai atravessando alagamento com doações no RS: "orgulho de um pai assim"