Lagoa dos Patos — Foto: Reprodução/Bom Dia Brasil
Cientistas do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) e do Instituto de Biociências (IBIO) da UFRGS criticaram a proposta de criação de um canal entre a Lagoa dos Patos e o Oceano Atlântico para escoar a água das cheias. A sugestão é estudada pelo governo federal, confirmou o ministro da Casa Civil, Rui Costa, ao blog do jornalista Gerson Camarotti no g1, nesta terça-feira (14).
O vice-diretor do IBIO, Luiz Malabarba, afirma que a proposta é "uma solução mágica", e diz que a medida pode causar ao menos três frentes de impacto: a salinização da água, a erosão do solo e ameaçar as espécies que vivem no ecossistema da região (entenda mais abaixo).
"Isso é o tipo de busca de uma solução mágica em um momento de crise. Nós não podemos fazer isso. Abrir um canal pode ter impactos muito piores do que a gente está vendo. Pode provocar uma mudança no sistema natural de uma lagoa que é extremamente importante", diz.
A ideia do governo seria abrir um canal de 20 km. Ainda não há prazos ou custos estimados.
Os comentários do IPH e do IBIO foram feitos, respectivamente, nos dias 10 e 13 de maio – antes de Rui Costa comentar sobre a possibilidade de estudo do tema. O g1 voltou a contatar a Casa Civil na terça e na quarta-feira (15). A pasta respondeu que "a fala do ministro é sobre a possibilidade de se realizar um estudo, não havendo necessidade de manifestação no momento".
O IPH afirmou que a proposta provocaria "efeitos negativos sobre o ambiente, a sociedade e a economia, afetando navegabilidade e a produção agrícola" e que esse tipo de obra exigiria estudos detalhados.
"Há que considerar que esse sistema teria elevados custos de implantação e manutenção, com operação complexa", manifestou o IPH em nota.
Apesar do nome, a Lagoa dos Patos é uma laguna, por possuir ligação com o mar. Ela é a maior laguna da América Latina, com 265 km de comprimento (entre o Guaíba, em Porto Alegre e Viamão, e o Oceano Atlântico, em Rio Grande) e 60 km de largura em sua cota máxima.
Cheia da Lagoa dos Patos alaga ruas em Rio Grande — Foto: Reprodução/RBS TV
Salinidade
Segundo o ministro Rui Costa, o estudo vai buscar alternativas que não impliquem em danos adicionais ao meio ambiente – por exemplo, que não alterem a salinidade da lagoa com a entrada de mais água do oceano.
No entanto, o professor Malabarba afirma que a salinização da lagoa é um dos maiores riscos. A lagoa equilibra a água doce que corre dos rios (como o Caí, Taquari, Jacuí) e do Lago Guaíba com a água salgada que entra pelo canal de Rio Grande, no Sul do estado.
"Abrir outro canal na Lagoa dos Patos vai salinizar outras porções da laguna. Modificar esse fluxo de passagem de água doce e água salgada pode salinizar a parte norte, não podendo ser utilizada, por exemplo, na irrigação de arroz", explica o pesquisador.
Impactos no solo
Todo o litoral do RS tem quatro saídas de água doce: o Arroio Chuí, na fronteira com o Uruguai; a Lagoa dos Patos; o Rio Tramandaí; e o Rio Mampituba, em Torres. Todas elas são fixadas por molhes, que são barreiras que funcionam como "braços" para conter a força da água e evitar a erosão do solo.
Molhes em Rio Grande — Foto: Reproduç]ao/RBS TV
Com a construção de um novo canal, Malabarba alerta que a força da maré e da água doce poderiam causar danos à terra.
"Se abrir um canal, o fluxo de água vai provocar uma erosão incontrolável. Não é uma obra de escoamento, seria uma obra gigantesca, não só para construir o canal", comenta o professor do IBIO.
Outro risco é o assoreamento do canal de Rio Grande, principal acesso de navios de carga e cruzeiros de turismo no RS e um dos principais portos do Brasil. Isso significa que pode diminuir a passagem de água no local, que ficaria com areia acumulada.
"Se nós abrirmos um canal, nós podemos proporcionar o assoreamento do canal de Rio Grande. Seria a deposição de sedimento, de areia, e tornar o canal não navegável", explica Luiz Malabarba.
Porto de Rio Grande — Foto: Divulgação/Superintendência dos Portos do Rio Grande do Sul
Espécies afetadas
Outro impacto seria na vida de espécies da região. O professor do Instituto de Biociências lembra que camarões, bagres, tainhas e corvinas vivem tanto no mar quanto na lagoa, se reproduzindo e se alimentando em ambos os ecossistemas. Centenas de famílias de pescadores dependem dessa economia.
Construir um canal ou criar comportas (estruturas de metal abrindo ou fechando portas para controlar a água) afetaria essas espécies.
"A lagoa é um ecossistema altamente produtivo, tem uma atividade pesqueira considerável. Essa pesca – de camarão, bagre, tainhas e corvinas – precisa dessa passagem livre. Esses canais têm que estar permanente abertos", diz Luiz Malabarba.
Em nota, o IBIO afirma que "é essencial adotar soluções que integrem a natureza em seu núcleo. Isso significa preservar e restaurar ecossistemas naturais, como florestas, campos e banhados, que desempenham um papel vital na redução do risco e impacto de enchentes".
Barco cheio de camarão no cais em Rio Grande — Foto: Reprodução/RBS TV