Por Pedro Trindade, g1 RS


Ex-coletora do RS que vai se formar em direito quer que história inspire outras pessoas

Ex-coletora do RS que vai se formar em direito quer que história inspire outras pessoas

Uma ex-funcionária da Companhia de Desenvolvimento de Caxias (Codeca), na Serra do Rio Grande do Sul, realizou o ensaio fotográfico de formatura na sede da empresa, com direito a poses com o caminhão de lixo ao fundo. Lindiane Godoi, de 38 anos, trabalhou cerca de 10 anos na companhia, sendo oito como coletora.

Lindiane se forma, no dia 9 de fevereiro, em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS). Ela ingressou no Ensino Superior após realizar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

As fotos com o caminhão de lixo foi a forma como Lidiane encontrou para agradecer ao incentivo e auxílio que recebeu da companhia no período em que trabalhou na empresa.

''Na faculdade, eles me ajudaram muito. Foi uma forma que encontrei de retribuir, de dizer 'obrigada', de registrar este momento, pois sei que estavam orgulhosos. Foi devido ao trabalho e aos colegas que alcancei meus objetivos'', conta a formanda.

Em publicação nas redes sociais, a Codeca exaltou o triunfo da ex-colaboradora.

''Parabéns, Lindi, pela sua luta e determinação. Muitas conquistas ainda virão. Compartilhamos a história da Lindiane para inspirar. É a prova que com trabalho e dedicação alcançamos nossos sonhos, nossos objetivos'', diz o texto da postagem.

Ex-coletora de resíduos posa com caminhão de lixo em ensaio de formatura no RS — Foto: Arquivo pessoal

Da capina ao canudo

A passagem de Lindiane pela Codeca teve início em maio de 2012. Ela atuou como capinadora na companhia até março de 2014. A partir daí, vieram oito anos trabalhando na coleta de resíduos. Primeiro de lixo orgânico, depois, do seletivo.

Até que ela encontrou uma edição de um dos livros mais usados pelos alunos de Direito, um compilado de leis organizadas por especialistas e que tem alta relevância e incidência em concursos públicos e no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

''Encontrava muito material, os meus favoritos eram os livros. Uma amiga que estava se formando me sugeriu que fizesse o Enem. Pensei que era tarde, estava com 32 anos. Encontrei um Vade Mecum [livro jurídico] no lixo, então tive a resposta'', relembra.

Antes de prestar o exame, Lindiane precisou concluir os estudos regulares. Em março de 2016, ela se formou no Ensino Médio por meio de um supletivo gratuito. No segundo semestre do mesmo ano, pisou pela primeira vez em uma sala de aula de graduação.

Lindiane Godoi em dois momentos: à esquerda, trabalhando como coletora. À direita, no ensaio de formatura — Foto: Arquivo Pessoal

Dificuldades pelo caminho

Mãe solo de Leonardo Samuel Catarina, de 17 anos, e Laura Zanardi, de 7, Lindiane relata que não foram poucas as dificuldades encontradas no decorrer dos anos. Ela teve que se dividir entre a criação dos filhos, os estudos e o trabalho.

''Foi muito difícil educar e acompanhar eles. Muitas vezes, eu estudava até tarde. Veio a pandemia, eu ficava muito exposta. Peguei Covid, era inevitável, eu precisava ficar isolada no quarto. Senti muito medo de não superar. Bateu desespero, meus filhos, não poderia deixá-los. Mas procuro aceitar com amor os obstáculos que surgem, acredito que nos fortalecem'', pondera.

Lindiane relata, ainda, que os dias mais quentes a levavam à exaustão, porque exigiam bastante do corpo na atividade da coleta que desempenhava. “Chegava em casa e não conseguia ficar acordada. Dormia em cima dos livros”, afirma.

Lindiane Godoi em dois momentos: à esquerda, trabalhando como coletora. À direita, no ensaio de formatura — Foto: Arquivo pessoal

Formatura e OAB

Fevereiro será um mês movimentado na vida de Lindiane. A cerimônia da formatura em Direito está prevista para o dia 9, e a primeira fase da prova da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) será realizada duas semanas depois, no dia 26.

Desde março de 2022, Lindiane não possui mais vínculo profissional com a Codeca. Ela atualmente trabalha na Secretaria Municipal de Saúde de Caxias do Sul como agente de endemias. Mas os laços afetivos com a companhia e os colegas seguem fortes.

''Meu sonho ao escolher o Direito é ajudar pessoas. Seguir nos concursos, Defensoria Pública. Que minha história possa, de alguma forma, inspirar pessoas como eu. Essa vitória não é só minha, é de todos nós. Me sinto representando garis, mulheres, mães'', avalia.

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