Por Janaína Lopes, g1 RS e RBS TV


Integrantes do Grupo Palmares duante congresso do movimento negro — Foto: Arquivo pessoal

O ano de 2021 marca os 10 anos da lei federal que instituiu o 20 de Novembro como o Dia da Consciência Negra, e também os 50 anos da que é considerada a primeira evocação da celebração da data, pelo Grupo Palmares, constituído em Porto Alegre.

O grupo se reunia nas ruas do Centro de Porto Alegre para debater a presença do negro na sociedade. A ideia de marcar a luta negra no dia em que o líder quilombola Zumbi dos Palmares teria morrido é uma oposição à instituição do Dia da Abolição da Escravidão, em 13 de maio.

O advogado Antônio Carlos Côrtes foi um dos fundadores do movimento. Para ele, a atuação do Grupo Palmares é uma missão ainda vigente.

"Foi trilhado um caminho, mas precisamos avançar muito mais ainda", diz

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Antônio Carlos Côrtes, um dos fundadores do Grupo Palmares — Foto: Reprodução/RBS TV

Côrtes recorda da formação do grupo, ao lado de nomes como o poeta Oliveira Silveira, falecido em 2009. Os universitários traçaram uma estratégia para firmar posição em meio à ditadura.

"Nós colocamos quatro com a cara para bater: Oliveira Silveira, eu, Ilmo Silva e Vilmar Nunes. O José Antônio dos Santos e o Luiz Paulo Assis Santos ficaram ocultos, porque, em pleno período da ditadura, caso nós quatro fôssemos eliminados, esses outros dois dariam sequência ao trabalho", recorda.

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Naiara Silveira mantém vivo o legado do pai no Instituto Oliveira Silveira.

"O meu pai queria união, orgulho da nossa história e conhecimento. No momento em que o povo conhece sua história, se orgulha dela e pode levar adiante", observa.

Naiara Silveira, filha do poeta Oliveira Silveira — Foto: Reprodução/RBS TV

Histórico

O jornalista e professor Deivison Campos é autor da dissertação 'O grupo Palmares (1971-1978): um movimento negro de subversão e resistência pela construção de um novo espaço social e simbólico'. Ele chegou a trabalhar e conviver com Oliveira Silveira

"A proposição da data desloca a ideia de liberdade que até então se trabalhava. Se parte de um pressuposto de uma liberdade concedida pela elite, na figura da princesa Isabel, para uma ideia de liberdade conquistada", explica.

A professora de Culturas Afro-gaúchas Sátira Machado ressalta que a data da Lei Áurea não representou a libertação plena dos negros e negras após a escravidão.

"A consciência de que a Lei Áurea não tinha garantido cidadania para as populações negras no Brasil e que tinha perpetuado esse nosso racismo à brasileira fez com que o Grupo Palmares pensasse em várias reflexões que chegaram neste Dia da Consciência Negra", considera.

Professora Sátira Machado estuda a obra de Oliveira Silveira — Foto: Reprodução/RBS TV

O Grupo Palmares existiu ao longo dos anos 1970 e, das discussões, surgiu a gênese da ideia do 20 de Novembro. Hoje, a data é feriado em algumas cidades brasileiras, e serve como mote para atos, eventos e debates que centralizam a pauta do movimento negro, como explica Deivison.

"O 20 de Novembro sempre marcou um dia de protesto, é um dia em que se leva a visibilidade pública, principalmente nas ruas, através da marcha, todas as reivindicações da população negra ainda no sentido de inserção social. Que a gente sabe que no país existe um problema muito sério de marginalização e genocídio de população negra", reflete.

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Deivison diz que, todos os dias, os negros vivem o 14 de maio.

"O dia seguinte [à abolição à escravidão], dia de abandono. O 20 de Novembro é para lembrar que, apesar desse esquecimento, desse silenciamento, nós seguimos resistindo".

Para Sátira Machado, a contribuição de Oliveira Silveira se deu em diversos locais e de diversas maneiras.

"Desde que ele teve acesso às histórias e culturas africanas, da diáspora negra, ele não parou de fomentar ações que reduzissem as desigualdades sociais tanto em Porto Alegre quanto no Rio Grande do Sul, no Brasil e até na América Latina", analisa.

Mural com fotos do poeta Oliveira Silveira, falecido em 2009 — Foto: Reprodução/RBS TV

Cenário parecido

Deivison vê um paralelo entre a sociedade que viu nascer o debate do 20 de Novembro, em 1971, e os dias atuais.

"Se a gente for observar as pessoas que instituíram o grupo palmares, todas elas eram pessoas que tinham ensino superior ou estavam cursando universidade. Esse grupo de jovem estava reivindicando também a inserção no mercado de trabalho", observa.

Situação muito parecida na época em que o desemprego atinge grande parte da população. "A gente tem um grande contingente de estudantes negros nas universidades em função das políticas públicas, em função das políticas afirmativas nas universidades públicas ou do ProUni, e encontram uma barreira no mercado de trabalho. Tem cada vez menos emprego. E, nesse processo, cada vez mais a população negra fica sem possibilidade de inserção", reflete.

No cenário internacional, os anos 70 viam o auge do movimento pelos direitos civis da população negra nos Estados Unidos, a revolução cultural no Caribe com o nascimento do reggae e a luta pela descolonização nos países africanos. E o Brasil vivia o período mais duro da ditadura.

"Esse cenário fez com que o grupo questionasse a data do 13 de maio e partisse para uma data alternativa. Palmares era acionado como sentido de liberdade frente ao contexto de repressão que nós existíamos. Quem vai pegar e ressignificar essa imagem e construir um modelo identitário a partir da ideia de quilombo, aí sim, foi o Grupo Palmares", diz.

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