Por Carolina Cattaneo e Matheus Beck, G1 RS


No terceiro congelamento de bolsas de pesquisa de pós-graduação deste ano, o Rio Grande do Sul perdeu mais 725 delas. Foi o segundo estado mais atingido, atrás apenas de São Paulo. O anúncio foi feito pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (Capes) na segunda-feira (2).

As instituições emitiram notas em relação a essa medida. Elas falam em "retrocesso" e afirmam que as descontinuidades "fragilizam o fomento às atividades".

Em levantamento realizado pelo G1, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) foi a instituição que apareceu com mais cortes de bolsas: são 217 que não estão permitindo a indicação de novos bolsistas. Na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no momento, são 71 bolsas congeladas. Veja mais dados abaixo.

"A paralisação do sistema de pesquisa levará, além da migração dos nossos talentos para outros países, alguns anos para retomar a produção de conhecimento, já que as universidades e seus programas de pós-graduação são responsáveis por 90% da ciência produzida no Brasil", afirma o reitor da UFSM, Paulo Burmann.

'Congelamento'

A Capes e o MEC tratam o novo anúncio como um "congelamento" e afirmam que a medida não vai afetar quem atualmente já recebe o benefício.

Entretanto, a Capes admite que elas não serão mais oferecidas nos próximos quatro anos, que é o período de vigência previsto caso elas tivessem sido concedidas neste mês.

De acordo com o governo, a medida vai representar uma economia de R$ 37,8 milhões em 2019. Ainda segundo a Capes, as bolsas têm vida útil de quatro anos e a economia no período pode chegar a R$ 544 milhões.

'Sem aviso prévio, sem nada, te dizem que teu salário não vai entrar'

Pesquisador do Programa Nacional de Pós-Doutorado não sabe se vai conseguir renovar a bolsa — Foto: Divulgação/Biblioteca Nacional

O pesquisador Guilherme Curi, de 38 anos, é formado em jornalismo, tem mestrado em sociologia e doutorado em comunicação e cultura. Atualmente, ele realiza pós-doutorado em comunicação na UFSM.

Ele foi selecionado para o Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD) em setembro do ano passado. Neste mês, ele iria renovar a bolsa por mais um semestre. Mas, após receber um aviso da secretaria do Programa de Pós-graduação da UFSM, ele não sabe mais se isso será possível.

"Não sei, fui trabalhar, estava preparando aula, estava pesquisando, e fui chamado pela secretaria. Eles disseram que não tinham mais acesso ao sistema, porque a secretaria tinha acesso ao sistema antes. Imagina tu ir trabalhar, e no dia que tu for trabalhar, sem aviso prévio, sem nada, te dizem que teu salário não vai entrar no fim do mês", afirma Guilherme.

O pós-doutorando dá aula pelo programa na UFSM. Ele ministra a cadeira de Comunicação e Cultura dos cursos de jornalismo e produção editorial. Além disso, ele pesquisa Migrações Transnacionais e Comunicação e faz parte do Grupo de Pesquisa Migraidh. Com o fim da bolsa, ele não sabe como as coisas vão ficar.

"Os meus alunos, não sei como vão ficar. Já tinha um plano de ensino todo programado, e todo plano que a gente tem também na pesquisa, que está em andamento, fazendo entrevistas com imigrantes senegaleses. Totalmente comprometida a pesquisa, grupo de pesquisa, grupo de estudo, tudo".

O pesquisador é natural de Rio Grande. Ele conta que divide uma casa em Santa Maria. Ele já havia pago o aluguel até o final do ano.

"Até o final do ano estava acertado já. Eu tenho que cumprir com os meus compromissos. Nunca fui informado de nada, nunca chegou nenhuma notícia. Foi do dia para a noite que, na verdade, me chamaram e me falaram que não ia continuar até o fim do ano. Eu estava organizado até o final do ano, tudo certo. Por causa do sistema, e eles mudaram o sistema. Mudaram a regra do jogo no meio do jogo".

Doutoranda que foi à Suécia e pode ter bolsa cortada

Gabriela Lando é química e fez a carreira acadêmica na UFRGS — Foto: Arquivo Pessoal

A caxiense Gabriela Lando é mestre em Ciência dos Materiais e bacharel em química pela UFRGS. Bolsista Capes no doutorado, passou para uma modalidade da CNPq, que tinha uma bolsa mais robusta, mas retornou à Capes para realizar o doutorado-sanduíche na KTH Royal Institute of Technology, da Suécia.

Seu objetivo, com a viagem, era aprender uma técnica de análise pouco usada no Brasil sobre o uso de um laser em amostras a fim de identificar os produtos e subprodutos da degradação. Assim, ela consegue entender como o clima, a temperatura, o solo e outros fatores que contribuem para a decomposição de plásticos e outros materiais, e pode atuar em sua reversão.

Em resumo, a pesquisa dela permite que os materiais possam se tornar mais facilmente degradáveis e não afetem o meio ambiente.

“Era um dos meus propósitos: aprender a técnica e ensinar aqui na UFRGS a utilização deste equipamento, que já é usado aqui, mas não de modo tão avançado como lá”, explica.

Porém, por ter trocado de programa, a bolsa da CNPq ficou suspensa enquanto ela realizava o doutorado. Ao retornar, soube dos cortes, e não poderá reativar o financiamento da CNPq após o encerramento da bolsa Capes. Ou seja, nos próximos sete meses, até a defesa de sua tese, Gabriela corre o risco de não receber pagamento algum.

“Eu não tenho mais meu apartamento, que era alugado, em Porto Alegre, e não vou ter como morar na cidade para poder terminar a pesquisa. O doutorado-sanduíche exige que eu fique um ano no país para concluí-lo. E caso não consiga defender ou desista (do doutorado), o contrato nos obriga a devolver todas as bolsas que recebemos. Caso contrário, dívida ativa com a União.”

A preocupação dela é que, mesmo que a bolsa seja reativada, ela não deve receber os pagamentos. Como a destinação da bolsa requer dedicação exclusiva à pesquisa, ela teme ficar proibida de assumir um trabalho regular devido à vinculação acadêmica e, ainda assim, não receber o salário mensal.

Veja a situação de algumas universidades do RS

UFRGS

217 bolsas serão cortas na UFRGS — Foto: Ramon Moser/Divulgação

A Pró-Reitoria de Pós-Graduação da UFRGS constatou que há um quantitativo de bolsas que não estão permitindo a indicação de novos bolsistas. Conforme a instituição, estão nessa situação as bolsas que têm o fim da vigência previsto entre agosto e dezembro.

Programa de Apoio à Pós-Graduação - PROAP (programas com conceitos 3, 4 e 5)

  • Bolsas de mestrado suspensas: 28
  • Bolsas de doutorado suspensas: 28

Programa de Excelência Acadêmica – PROEX (programas com conceitos 6 e 7)

  • Bolsas suspensas: 116

Programa Nacional de Pós-Doutorado

  • Bolsas suspensas de pós-doutorado: 45

UFSM

Foram cortas 71 bolsas na UFSM — Foto: Felipe Truda/G1

A UFSM relatou que, segundo a Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa (PRPGP), a "instituição foi informada sobre o corte através da imprensa, pois não houve comunicado oficial à UFSM por parte do órgão de fomento". No momento, foram congeladas 71 das 1.283 bolsas Capes da universidade.

  • Bolsas de mestrado suspensas: 52
  • Bolsas de doutorado suspensas: 15
  • Bolsas de pós-doutorado suspensas: 4

Mas, conforme a instituição, há a expectativa de que a redução continue.

A PRPGP informa que o sistema da Capes encontra-se atualmente fechado para o cadastramento de novos bolsistas nas modalidades Programa de Demanda Social (DS), Programa de Excelência Acadêmica (PROEX) e Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD).

O reitor demonstra preocupação com a situação. Ele disse que os sucessivos cortes são um "equívoco gravíssimo".

"Este assunto tem ocupado grande parte dos intensos debates no foro da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior) que está tentando reverter a situação diretamente junto ao MEC e em reuniões com parlamentares no Congresso Nacional", afirma Burmann.

Além dos prejuízos à pesquisa científica, a instituição coloca a atualização e manutenção de equipamentos e de insumos como agravante.

"Todo um histórico de criação, manutenção e aperfeiçoamento do Plano Nacional de Pós-Graduação, resultado do esforço contínuo da sociedade brasileira ao longo das últimas décadas, fica seriamente comprometido. Indiscutivelmente, isto trará repercussão direta na formação de recursos humanos qualificados em todos os níveis e sua migração para outros países, comprometendo o futuro e os anseios legítimos de toda uma nação", diz, por meio de nota, a UFSM.

UFPel

Universidade Federal de Pelotas (UFPel) informou que terá diversas bolsas cortadas — Foto: Reprodução/RBS TV

A Universidade Federal de Pelotas passou um levantamento preliminar das bolsas congeladas. A instituição ainda aguarda um retorno do Programa de Pós-graduação em Biotecnologia para ter um número definido.

Abaixo o número de bolsistas que defendem seus trabalhos entre setembro e dezembro/2019. A instituição acredita que essas bolsas serão cortadas:

  • Bolsas de mestrado suspensas: 14 (de 376) = 3,7%
  • Bolsas de doutorado suspensas: 8 (de 365) = 2,2%
  • Bolsas de pós-doutorado suspensas: 12 (de 68) = 17,6%

A instituição informou que a Capes declarou que as bolsas bloqueadas representam 1,94% do financiamento total do órgão. Mas a universidade contesta a informação.

"Como pode ser visto, os percentuais na UFPel em cada modalidade são bem maiores, resultado da falta de critério na aplicação da medida. Foram atingidos cursos de todas as áreas e de todas as faixas de avaliação (de 3 a 7)", afirma a nota.

"Além disso, a Capes precisa esclarecer se o período considerado para o corte é realmente de setembro a dezembro de 2019, como deu a entender o presidente do órgão na coletiva, ou, como informa no Ofício Circular nº 6/2019-CGSI/DPB/CAPES, tais medidas serão mantidas até o início da vigência da nova concessão", comenta a universidade, via assessoria de imprensa.

A dúvida é porque, normalmente, as novas concessões iniciam em março. Neste caso, as bolsas atingidas seriam aquelas que estão ocupadas até fevereiro de 2020 e, portanto, o corte seria ainda maior. "Estamos buscando contato com a Capes para confirmação, até agora sem sucesso, pois é preciso dirimir a dúvida entre a declaração da Capes e seu ofício", conclui a nota.

UFFS

Além do RS, UFFS também está presente em Santa Catarina e no Paraná — Foto: Divulgação/Diretoria de Comunicação UFFS

A Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) tem 32 bolsas implementadas e mais cinco para implementar. A universidade não sabe se essas bolsas serão retiradas ou não. Além disso, de acordo com a interpretação da entidade sobre o ofício da Capes, as bolsas que estão implementadas não poderão ser repassadas a outros estudantes, quando eles concluírem o curso, fazendo com que a universidade percam suas bolsas.

O corte atinge as áreas das ciências agrárias, ciências humanas, ciências de alimentos, ciências sociais aplicadas, exatas e tecnológicas e veterinária.

"A UFFS é uma instituição nova, pública federal, criada em 2009. A pós-graduação na UFFS está em processo de estruturação e, por isso, há uma grande necessidade de investimentos públicos para a estruturação de laboratórios, grupos de pesquisas, políticas de internacionalização e intercâmbios. A redução orçamentária das agências fragiliza as IFES, porque o fomento às atividades de pesquisa e pós-graduação vem da Capes, CNPQ, FINEP e agências de fomentos estaduais", informa via assessoria de imprensa.

FURG

O pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Eduardo Secchi, apresentou o número total de bolsas que serão suspensas em setembro. E ressalta que qualquer bolsa que for encerrada nos meses seguintes, até dezembro, também serão suspensas pela Capes.

Número de bolsas atingidas em setembro:

Programas Demanda Social (PPGs notas 3 a 5)

  • Bolsas de mestrado suspensas: 6
  • Bolsas de doutorado suspensas: 4
  • Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD): 3

Programas de Excelência (PPGs notas 6 e 7 da Capes)

  • Bolsas de mestrado suspensas: 10
  • Bolsas de doutorado suspensas: 5
  • Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD): 1

Número de bolsas atingidas até o final do ano:

  • Bolsas de mestrado suspensas: 17
  • Bolsas de doutorado suspensas: 14
  • Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD): 16

A FURG aponta que várias áreas serão afetadas pelos cortes de diversas maneiras. Nas bolsas de demanda social, a perda é de 9% nas bolsas de mestrado e de 10% nas de doutorado. Entretanto, para outros programas, como o de enfermagem, a perda será de 89% das bolsas de doutorado e de 92% de mestrado.

"Isso certamente causará uma perda gigantesca na capacidade de pesquisa de vários programas de pós-graduação da FURG. Vale lembrar que, no primeiro semestre, já houve cortes", afirma Secchi.

"As perspectivas para o ano que vem são ainda piores, com uma redução de cerca de 50% no orçamento da Capes. Estes cortes provavelmente levarão a mais perda de bolsas e, portanto, do nosso potencial de pesquisa. Isso pode colapsar o sistema de pós-graduação do país. A pós-graduação é a locomotiva da produção cientifica nacional. Mais de 95% da ciência nacional é realizada nas universidades publicas", acrescenta o pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação.

O Ministério da Educação já antecipou que, até o fim do ano, nenhuma bolsa que for encerrada será renovada.

"Considero estes cortes um grande retrocesso para a pesquisa brasileira, que vinha crescendo consideravelmente nos últimos anos. É inadmissível que um governo reduza drasticamente os investimentos da educação, pois isso afeta diretamente o desenvolvimento da nação brasileira”, afirma a reitora Cleuza Maria Sobral Dias.

UFCSPA

UFCSPA teve três bolsas de mestrado canceladas — Foto: Divulgação/Luciano Valério

Na UFCSPA, os programas prejudicados são os de biociências e ciências da saúde, que pesquisam áreas como desenvolvimento de vacinas, estudos genéticos, doenças crônicas, epidemias e saúde mental. Os três cortes anunciados até agora atingem cerca de 6% das bolsas da instituição.

  • Bolsas suspensas de mestrado: 2
  • Bolsas suspensas de doutorado: 1

A partir de 2014, a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre implementou oito novos cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado). Atualmente, são 12 programas, que contam com cerca de 800 alunos. Desses, possuem bolsa 76 mestrandos, 59 doutorandos e 13 estudantes de pós-doutorado.

"Os cortes de bolsas tornam difícil o acesso aos cursos por estudantes que precisem se dedicar integralmente à pesquisa e dificultam a continuidade de projetos de pesquisas em desenvolvimento ou implantação", comunica a instituição por meio de sua assessoria de imprensa.

PUCRS

PUCRS ainda não conseguiu mensurar a quantidade de bolsas nem as áreas atingidas — Foto: PUCRS/Divulgação

A PUCRS ainda não conseguiu mensurar a quantidade de bolsas nem as áreas atingidas, conforme informou por intermédio de sua assessoria de imprensa. Porém, o reitor Evilázio Teixeira afirma que "a suspensão dos cadastramentos de novos bolsistas via Capes deve gerar impactos significativos. Esses efeitos ocorrerão em nossas atividades de pesquisa e em nossos programas de pós-graduação da instituição, com repercussões para os próximos anos."

"Precisamos ter em mente que, embora possa parecer um problema exclusivo das universidades, a redução drástica no custeio e investimentos em pesquisa afeta a sociedade brasileira. Neste momento, as universidades estão sendo porta-vozes de algo que extrapola os seus muros. Trata-se da visão de futuro do Brasil e nossa responsabilidade social em investigar e buscar soluções para os problemas complexos da nossa sociedade, gerando desenvolvimento e inovação”, completa.

Uniritter

Áreas mais afetadas na Uniritter são arquitetura e urbanismo, letras, design e direito — Foto: Divulgação/Uniritter

As áreas mais afetadas na Uniritter são arquitetura e urbanismo, letras, design e direito, considerando a impossibilidade de realocação de bolsas a partir da conclusão das pesquisas. A UniRitter ainda está avaliando possíveis impactos.

  • Bolsas de mestrado suspensas: 8 bolsas-taxa e 5 bolsas integrais
  • Bolsas de doutorado suspensas: UniRitter ainda está avaliando possíveis impactos
  • Bolsas de pós-doutorado suspensas: 2

Em relação ao total de bolsas oferecidas na instituição, aproximadamente, 35% foram cortadas até o momento.

Feevale

Feevale informou que ainda não consegue medir o impacto dos cortes — Foto: Divulgação/Universidade Feevale

A universidade informou que ainda não consegue medir o impacto dos cortes na quantidade de bolsas que usufrui. "Até que um anúncio oficial seja divulgado, informando os critérios específicos para os cortes, a instituição lida apenas com possibilidades", relata, via assessoria de imprensa.

Unisinos

Universidade do Vale do Rio dos Sinos diz que "não foi impactada de maneira significativa" — Foto: Divulgação/Unisinos

A Universidade do Vale do Rio dos Sinos diz que "não foi impactada de maneira significativa". "Além dos recursos do governo, a universidade procura desenvolver projetos de pesquisa com empresas buscando outras alternativas para proporcionar aos alunos o acesso à pesquisa", informa, por meio de nota.

Veja também

Mais lidas

Mais do G1
Deseja receber as notícias mais importantes em tempo real? Ative as notificações do G1!