O último desejo de Delma Ribeiro, que morreu no mês passado aos 75 anos em Porto Alegre, custou a ser cumprido. Ela queria doar o próprio corpo para universitários estudarem anatomia. Após a morte da idosa, no dia 4 de janeiro, o neto Leandro Severino, de 35 anos, precisou ir à Justiça para superar o entrave burocrático que impedia a vontade da avó de ser concretizada.
Severino perdeu o pai quando ainda era criança. Morou com os avós maternos até os 13 anos, quando passou a viver com Delma, avó paterna. Foram 22 anos de convivência, nos quais Severino disse ter aprendido com uma mulher que, mesmo sobre uma cadeira de rodas durante todo este tempo, sempre demonstrou alegria e disposição de ajudar os outros. Por isso, o neto lutou até o fim para garantir a doação do corpo.
"O que me motivou foi a força que ela sempre me deu, para não desistir de nada. Se ela, apesar ser de cadeirante, nunca desistiu, porque eu, com pernas e braços, iria?", questiona.
Em 1992, Delma assinou um termo autorizando a doação do corpo para a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Depois da morte da avó, o neto procurou a declaração, mas só encontrou uma cópia autenticada. "Revirei toda a casa", garante.
O funcionário do cartório responsável pelo registro se negou a emitir a certidão de óbito, alegando que não havia a declaração original da idosa. Sem o documento, a UFRGS não poderia aceitar a doação. "Só restou o Fórum", lembra o neto.
Era domingo à noite quando Severino procurou a Defensoria Pública para tentar dar fim ao impasse. O tempo era curto, pois o corpo estava começando a se decompor e, se a decisão ficasse para a semana seguinte, poderia não ser mais útil para o estudo, o que impediria a concretização da vontade da idosa.
"O corpo estava no hospital, em estado de putrefação. Eles não têm os equipamentos necessários para conservar para fins de estudo", explica o advogado Jonas Scain Farenzena, responsável pelo caso.
O advogado ingressou com uma ação solicitando que o corpo fosse doado sem a certidão de óbito. O juiz solicitou uma prova de que Severino era o único parente vivo de Delma, o que seria impossível de se obter a tempo de viabilizar a doação.
"O juiz não negou e nem deferiu o que pedimos, simplesmente pediu provas. Juridicamente, isso nos criou uma dificuldade. Quando um juiz nega o que se pede, é possível entrar com recurso, mas esse caso ele não negou, e eu não podia nem recorrer. E a prova negativa é algo muito difícil", discorreu o advogado.
Farenzena ingressou com um mandado de segurança no Tribunal de Justiça. "Foi dirigido ao TJ, uma instância superior, decidido pelo desembargador de plantão. Ele permitiu a doação do corpo. Foi muito bonita a decisão", contou.
O defensor considerou "gratificante" poder ajudar a família de Delma. Mas quem celebrou mais foi o próprio neto. "Foi um alívio enorme poder fazer o que a minha avó mais queria, doar o corpo dela. Saiu um peso das minhas costas", disse Severino.