14/11/2013 00h13 - Atualizado em 14/11/2013 16h47

'Não estamos desenterrando um tatu', diz filho de Jango em São Borja

João Vicente Goulart comentou a demora no procedimento que já dura 16 h.
Restos Mortais devem deixar São Borja ainda na madrugada a Santa Maria.

Márcio LuizDo G1 RS, em São Borja

Processo de exumação continua sendo feito durante a noite (Foto: Márcio Luiz/G1)Processo de exumação continua sendo feito durante a noite (Foto: Márcio Luiz/G1)

O filho de João Goulart, João Vicente Goulart, fez coro à ministra Maria do Rosário e afirmou que a demora no processo de exumação do ex-presidente é normal. O procedimento, que iniciou pouco antes das 8h desta quarta-feira (12) no cemitério onde o político foi sepultado em 1976 no cemitério Jardim da Paz, em São Borja, já ultrapassa 16 horas de duração.

Ao longo da noite, a ministra dos Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, havia dito que a exumação terminaria à meia-noite. A previsão, no entanto, não se confirmou.

"Nós não estamos desenterrando um tatu. Estamos desenterrando um ex-presidente da República. Ninguém achava que iria ser rápido. Existe 17 técnicos que estão trabalhando sobre protocolos internacionais", afirmou João Vicente ao deixar o cemitério acompanhado da família por volta das 21h30, com a promessa de retornar para acompanhar a saída dos restos mortais.

O filho de Jango reconheceu que trata-se de um momento de muita emoção para a família do presidente deposto no golpe militar de 1964 e afirmou que a demora causa cansaço, mas que a exumação tem como objetivo esclarecer uma dúvida histórica. Uma perícia será realizada nos restos mortais em Brasília, para apurar se o ex-presidente foi envenenado.

"É difícil. São poucas as famílias que precisam enterrar o pai duas vezes. E isso é uma coisa que nós estamos fazendo em nome de um esclarecimento, de uma noite escura que se abateu sobre o Brasil. Estamos fazendo todos os esforços não somente para descarregar essa dor, como também para esclarecer essa dúvida", afirmou.

A demora provocou mudanças na programação. Os restos mortais do ex-presidente, que seriam levados em uma aeronave para Santa Maria, na Região Central do estado, serão transportados via terrestre, em um caminhão da Defesa Civil escoltado por batedores da Brigada Militar.

De acordo com a ministra da Secretaria dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, a solenidade marcada para receber os despojos de Jango com honras de chefe de estado em Brasília estão mantidas. A chegada na capital federal está marcada para as 10h desta quinta-feira (14).

'Não temos que apressar', diz perito
Mais cedo, o perito cubano Jorge Perez, que participa do procedimento, havia dito que não havia prazo para a conclusão do trabalho. O trabalho foi iniciado pouco antes das 8h no cemitério Jardim da Paz, em São Borja, na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul.

Cartazes foram fixados em parede perto de cemitério de São Borja (Foto: Márcio Luiz/G1)Cartazes foram fixados em parede perto de
cemitério de São Borja (Foto: Márcio Luiz/G1)

"Não temos nenhuma dificuldade na perícia e estamos fazendo o trabalho com o tempo certo. Não temos que apressar nada. Estamos seguindo um protocolo e até que não se vença uma etapa, não se pode passar para outra. Podemos dizer que pode ser amanhã, mas isso não é correto. Nós peritos sabemos quando começamos, mas não quando terminamos", afirmou Perez.

Segundo Maria do Rosário, o governo federal não estabelecu nenhum prazo para a realização da exumação do corpo do ex-presidente. Ela disse que o processo está feito com rigor, segundo protocolos técnicos internacionais, para que se garanta a qualidade dos resultados.

"Isso tudo é extramamente respeitoso tanto com os restos mortais do ex-presidente João Goulart quanto das outras pessoas que estão neste mausoléu. Estes aspectos éticos são morosos. Nós não abrimos mão de um procedimento totalmente rigoroso", declarou a ministra.

Sem entrar em detalhes, Perez afirmou que o trabalho é complexo e envolve estudos, o recolhimento de amostras e constante diálogo entre os peritos. Ele pediu, no entanto, que a população tenha confiança no trabalho que está sendo feito por 12 peritos internacionais.

"Como é normal em uma perícia, temos que parar, conversar, estabelecer um diálogo. Ou seja, há formalidades. Todos que estão aqui têm experiência. Não é a primeira vez que fazem esse trabalho. Pedimos a vocês que tenham confiança, que sabemos o que temos que fazer", afirmou.

Mais cedo, peritos que atuam na exumação fizeram a retirada de gases dentro do jazigo da família Goulart, onde estão enterradas nove pessoas. De acordo com os especialistas, o procedimento faz parte de um protocolo internacional e serve para evitar perda do material que será analisado.

Mapa Jango (Foto: Arte/G1)

O objetivo do procedimento é esclarecer se Jango morreu de ataque cardíaco, como consta na documentação oficial, ou se foi assassinado por envenenamento. Nos últimos anos, surgiram evidências de que o ex-presidente pode ter sido mais uma vítima da Operação Condor, a aliança entre as ditaduras do Cone Sul para eliminar opositores além das fronteiras nacionais.

Peritos se preparam para exumação de Jango (Foto: Márcio Luiz/G1)Peritos se preparam para exumação de Jango
em São Borja (Foto: Márcio Luiz/G1)

Após os trabalhos de exumação, o corpo de Goulart passará a noite em Santa Maria (RS) antes de ser transportado para Brasília, a partir das 7h30 desta quinta, em avião usado pela presidente Dilma Rousseff, um Airbus 51 da Força Aérea Brasileira (FAB), segundo informou o Ministério da Defesa.

Estarão nessa aeronave os familiares e peritos da Polícia Federal responsáveis pela segurança dos restos mortais do ex-presidente. Antes, às 5h30, um outro avião sairá de São Borja, levando as equipes de apoio, funcionários técnicos e peritos que participaram da exumação.

O corpo será recepcionado nesta quinta-feira (14), em Brasília, pela presidente Dilma Rousseff e pelos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Collor de Mello e José Sarney, segundo informou o Palácio do Planalto. Fernando Henrique Cardoso não deverá comparecer, porque se recupera de uma diverticulite.

Morte ocorreu em exílio na Argentina
Jango morreu em 6 de dezembro de 1976 em sua fazenda em Mercedes, na Argentina. Cardiopata, ele teria sofrido um infarto, mas uma autópsia nunca foi realizada. Na última década, novas evidências reforçaram a hipótese de que o ex-presidente teria sido envenenado por agentes ligados à repressão uruguaia e argentina, a mando do governo brasileiro.

A principal delas foi o depoimento dado pelo ex-espião uruguaio Mario Neira Barreiro ao filho de Jango, João Vicente Goulart, em 2006. Preso por crimes comuns, ele cumpria pena em uma penitenciária de Charqueadas, no Rio Grande do Sul, quando disse que espionava Jango e que teria participado de um complô para trocar os remédios do ex-presidente por uma substância mortal.

Em 2007, a família de Jango solicitou ao Ministério Público Federal (MPF) a reabertura das investigações. O pedido de exumação foi aceito em maio deste ano pela Comissão Nacional da Verdade (CNV). Tanto o governo federal quanto membros da família Goulart acreditam que há indícios de que o ex-presidente possa ter sido assassinado.

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