09/07/2013 23h26 - Atualizado em 09/07/2013 23h26

'Foi impactante', diz pai de vítima da Kiss após ver réus pela 1ª vez

Adherbal se deparou com integrantes da banda Gurizada Fandangueira.
Advogados do empresário e produtor se dizem satisfeitos com audiências.

Felipe TrudaDo G1 RS

Depoimentos audiência Kiss Santa Maria (Foto: Felipe Truda/G1)Cinco vítimas do incêndio prestaram depoimento nesta terça-feira (Foto: Felipe Truda/G1)

Pela primeira vez, o presidente da Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), Adherbal Alves Ferreira, se deparou com dois dos quatro réus acusados de homicídio doloso pelo incêndio da boate Kiss, ocorrido na madrugada de 27 de janeiro e que resultou em 242 mortes. Ao conversar com o G1 após assistir à audiência com sobreviventes no Foro da cidade, ele afirmou que a experiência “foi impactante”.

Compareceram à audiência, acompanhados dos advogados, os integrantes da banda Gurizada Fandangueira Marcelo de Jesus dos Santos, o vocalista, e Luciano Bonilha Leão, produtor do grupo. Sempre carregando no peito uma foto da filha Jennefer, uma das vítimas do incêndio, Adherbal ainda não havia presenciado as três audiências anteriores por estar envolvido na ocupação da Câmara dos Vereadores do município.

“É muito difícil olhar para eles, mas eu olhei fixamente nos olhos deles. Eles não conseguem olhar nos nossos olhos. Justo o rapaz que acendeu o ‘foguete’. Ainda não sei mensurar, saber que ele foi o grande detonador. Imagino que ele tenha um peso na consciência. Se ele não tiver, é uma pessoa completamente vazia”, comentou Adherbal, após deixar o Fórum

Alguns familiares de vítimas foram acompanhar as audiências desta terça. Diante de algumas declarações de sobreviventes, que afirmavam que “pisaram sobre outras pessoas” ao tentar sair e que as pessoas “pareciam animais” tentando deixar a boate, alguns familiares deixavam o salão. Era possível, de dentro do local onde ocorria a audiência, escutar choro do lado de fora. Muitos usavam camisas com fotos de jovens mortos.

Marcelo acompanhava atentamente os depoimentos, principalmente o de Armim Mathias Muller, o jovem que disse ter visto o momento em que o acusado teria erguido o sinalizador e causado o incêndio. Para Adherbal, ele pareceu mais abalado com a situação que Luciano. “Me parece que quem colocou o fogo está mais perturbado”, disse o presidente da AVTSM.

Cipriani avalia as audiências como positivas para sua defesa. Segundo ele, as testemunhas confirmam que Hoffmann não era responsável direto pelo gerenciamento Kiss. Sobretudo o depoimento da ex-funcionária da casa, que afirmou que não se reportava ao empresário. “Os depoimentos confirmam que ele não tinha gerência sobre a boate. Todos os ex-funcionários falam na mesma linha”, disse o defensor.

O advogado do produtor da banda também diz estar satisfeito com os depoimentos. Ele busca provar que Luciano era funcionário, e não integrante da banda, e obedecia a ordens do sanfoneiro Danilo Jaques, o único integrante do grupo que morreu na tragédia. “A maioria dos depoentes não faz qualquer menção a Luciano”, declarou Gilberto Weber.

Os advogados Omar Obregon, que representa Marcelo, e Jader Marques foram abordados pelo G1 e não quiseram se manifestar. Jader foi um dos mais atuantes na audiência desta terça. Por vezes, discutiu com o promotor Joel Dutra e os assistentes da acusação, ora para contestar alguma pergunta, ora para defender sua estratégia, de questionar aos sobreviventes se acreditam que Kiko tinha intenção de matar.

Responsável pelo processo, o juiz Ulysses Louzada, da 1º Vara Criminal de Santa Maria, considerou os debates saudáveis e fez elogios tanto à acusação quanto à defesa. “Vejo isto com naturalidade. Estas provas são produzidas para o julgador, e eu tenho perfeita noção das estratégias das partes. É um processo dialético e temos dos dois lados brilhantes operadores do direito, que trabalham com inteligência. Esta luta de ideias, esta guerra de conhecimento, é importante para clarear cada vez mais e dar ideia nítida do que aconteceu”, disse o magistrado.

Réus acompanham audiência do caso Kiss (Foto: Márcio Luiz/G1)Como nas audiências do fim de junho (foto), Luciono Bonilha (E) e Marcelo Jesus (D) são os únicos réus do processo criminal que comparecem às audiências no Fórum de Santa Maria (Foto: Márcio Luiz/G1)

Entenda
O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, região central do Rio Grande do Sul, na madrugada de domingo, dia 27 de janeiro, resultou em 242 mortes. O fogo teve início durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, que fez uso de artefatos pirotécnicos no palco.

O inquérito policial indiciou 16 pessoas criminalmente e responsabilizou outras 12. Já o MP denunciou oito pessoas, sendo quatro por homicídio, duas por fraude processual e duas por falso testemunho. A Justiça aceitou a denúncia. Com isso, os envolvidos no caso viram réus e serão julgados. Dois proprietários da casa noturna e dois integrantes da banda foram presos nos dias seguintes à tragédia, mas a Justiça concedeu liberdade provisória aos quatro em 29 de maio.

As primeiras audiências do processo criminal foram marcadas para o fim de junho. Paralelamente, outras investigações apuram o caso. Na Câmara dos Vereadores da Santa Maria, uma CPI analisa o papel da prefeitura e tem prazo para ser concluída até 1º de julho. O Ministério Público ainda realiza um inquérito civil para verificar se houve improbidade administrativa na concessão de alvará e na fiscalização da boate Kiss.

Veja as conclusões da investigação
- O vocalista segurou um artefato pirotécnico aceso no palco
- As faíscas atingiram a espuma do teto e deram início ao fogo
- O extintor de incêndio do lado do palco não funcionou
- A Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás
- Havia superlotação no dia da tragédia, com no mínimo 864 pessoas
- A espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular
- As grades de contenção (guarda-corpos) obstruíram a saída de vítimas
- A casa noturna tinha apenas uma porta de entrada e saída
- Não havia rotas adequadas e sinalizadas de saída em casos de emergência
- As portas tinham menos unidades de passagem do que o necessário
- Não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas

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