Genivaldo Yanomami, de 39 anos, se formou na UFRR — Foto: Evilene Paixão/HAY/Divulgação
Estes são os planos de Genivaldo Krepuna Yanomami, de 39 anos, após se graduar na Universidade Federal de Roraima (UFRR) no curso de Licenciatura Intercultural pelo Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena. Ele é o primeiro indígena Yanomami a se formar na instituição.
Em entrevista ao g1, nesse sábado (2), Krepuna afirmou que está muito feliz com a conquista. Agora, ele planeja retornar para a comunidade e repassar os conhecimentos adquiridos na graduação para o seu povo. A cerimônia de colação de grau ocorreu na última quinta-feira (31), no Centro Amazônico de Fronteiras (Caf) da UFRR.
"Eu quero trabalhar na área e ajudar outros Yanomami a estudar na universidade também, porque a dificuldade é muito grande para eles", contou.
Genivaldo nasceu na região do Papiu, na Terra Yanomami e é morador da comunidade Tihinaki, no território Yanomami em Roraima. A região fica distante a uma hora de Boa Vista, onde as aulas ocorrem, e só é possível acessar através de aeronave.
No Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), ele contou os desafios de ser um Yanomami e estudar em uma universidade pública. Entre as barreiras enfrentadas, além da distância, Krepuna menciona o corte da bolsa permanência para indígenas e pandemia de Covid-19.
"Eu comecei estudar em 2012 e depois de dois anos e meio eu parei um pouco por conta das dificuldades, porque nós Yanomami temos muitas dificuldades de estudar. Depois, apareceu a Covid-19 na comunidade e depois voltei [a estudar]. Não é fácil chegar aqui em Boa Vista".
Genivaldo em apresentação de trabalho na UFRR — Foto: Arquivo pessoal
No período em que estudou na universidade, o novo graduado relembra que a cada 30 dias saía da Terra Yanomami para Boa Vista para estudar. Em um período, a própria UFRR chegou a fretar avião para trazê-lo às aulas.
"Tinha várias hospedagens que eu ficava, no Silvio Leite, Aparecida, na seda Hutukara [Associação Yanomami] e em algumas casas de apoio também. Trinta dias eu ficava aqui e depois voltava para a comunidade", conta Krepuna, que em Tihinaki, sustenta os três filhos e a esposa através da roça e da caça.
O processo de construção do trabalho de conclusão de curso durou três anos e foi escrito em Yanomami. O plano é ter uma versão bilíngue, em português, da pesquisa. "Graças a Omama [Deus da criação em Yanomami] eu venci", celebra.
"Vou começar a alfabetizar os meus curumins, crianças e adultos também que tem vontade de aprender sobre os novos conhecimentos fora da comunidade. Então, eu penso que vou começar a ensinar eles o que eu aprendi aqui na universidade", finalizou.
Familiares e amigos de Krepuna na colação de grau — Foto: Evilene Paixão/HAY/Divulgação
Krepuna se formou no Instituto Insikiran, o primeiro Núcleo de Formação Superior exclusivo para Indígenas no Brasil. O Insikiran surgiu em 2001, após reivindicação do movimento indígena roraimense. O núcleo oferta três cursos: Licenciatura Intercultural Indígena, Gestão Territorial Indígena e Gestão em Saúde Coletiva Indígena.
Antes de se formar na UFRR, ele foi um dos professores formado pelo Magistério Yarapiari, Projeto desenvolvido anos atrás pela Comissão Pró-Yanomami (CCPY), a partir de uma demanda do xamã e presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), Davi Kopenawa, para que formassem jovens yanomami para defender os direitos e a Terra Indígena Yanomami.
O Magistério Indígena Yarapiari é um curso voltado especificamente para os professores Yanomami, tratando dos saberes tradicionais e da cultura singular, com currículo específico nas escolas e no magistério. Dentre todas as etnias, os Yanomami são o grupo com menor percentual de professores qualificados em Magistério, segundo a Secretaria Estadual de Educação e Desporto.
“Uma grande conquista para o povo Yanomami e para a academia. Por mais espaços na educação pública para os povos indígenas. Temos direito de se formar, de mostrar nossa capacidade e conhecimento tradicional para sociedade brasileira e, especialmente, para os povos originários”, celebrou Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami.
Em agosto de 2022, a Universidade Federal do Amazonas (UFAM) formou uma turma de 42 professores Yanomami. A cerimônia ocorreu no município de São Gabriel da Cachoeira (AM), o mais indígena do país.
Genivaldo Krepuna se formou no curso de Licenciatura Intercultural — Foto: Evilene Paixão/HAY/Divulgação
Terra Yanomami
Com cerca de 10 milhões de hectares distribuídos no Amazonas e em Roraima, onde fica a maior parte, a Terra Yanomami tem 371 comunidades de difícil acesso espalhadas ao longo da densa floresta amazônica. O povo Yanomami é considerado de recente contato com a população não-indígena. Além disso, no território há, ainda, indígenas isolados, sem contato ou influência externa.
Oficialmente demarcada em 25 de maio de 1992, o processo de avaliação e registro da Terra Indígena Yanomami durou quase 15 anos, o que envolveu uma longa batalha, com articulação internacional, até o governo brasileiro, à época presidido por Fernando Collor, homologar o território.
Nos últimos anos, a Terra Yanomami enfrentou uma crise humanitária e sanitária sem precedentes, com casos graves de indígenas com malária e desnutrição severa - problemas agravados pelo avanço de garimpos ilegais nos últimos quatro anos.
A invasão do garimpo predatório, além de impactar no aumento de doenças no território, causa violência, conflitos armados e devasta o meio ambiente - com o aumento do desmatamento, poluição de rios devido ao uso do mercúrio, e prejuízos para a caça e a pesca, impactando nos recursos naturais essenciais à sobrevivência dos indígenas na floresta.
Sete rios e afluentes na Terra Yanomami estão contaminados por mercúrio usado em garimpos
Leia outras notícias do estado no g1 Roraima.