Unifesp entregou segundo título de doutor honoris causa à Davi — Foto: Reprodução/Unifesp
Conhecido internacionalmente pela defesa e proteção ao povo Yanomami e uma das mais respeitadas lideranças do país, Davi foi a primeira pessoa, entre indígena e não-indígena, a receber o título pela Unifesp. O processo começou ainda em abril de 2021, quando a proposta de concessão de título foi entregue à instituição com 472 assinaturas de apoio.
"Eu estou muito contente, [a Universidade] me deu outra flecha. A flecha que eu nunca pensei, eu nunca pedi, mas a grande universidade que viu a minha luta defendendo o meu povo Yanomami, Yek'uana e também os parentes daqui porque não é só luta pelos Yanomami de lá, é todo povo indígena do Brasil. Então, eu ficou muito feliz, emocionado", resumiu Davi.
Em setembro do ano passado, a Universidade Federal de Roraima (UFRR) também concedeu a honraria a ele, que foi o primeiro indígena a recebê-lo na história da instituição.
O título de doutor honoris causa é concedido a personalidades eminentes, nacionais ou internacionais, que tenham se destacado nas ciências, nas artes, na cultura, na educação, e na defesa dos direitos humanos. Em maio de 2022, a Unifesp aprovou a concessão.
"É uma sessão que nos enche de alegria, de emoção, mas também é uma sessão que nos coloca imensa responsabilidade, porque entregar um título significa reafirmar o compromisso com aquilo que a sua liderança defende, aquilo que é apontado para o nosso planeta e para nossa sociedade", disse a vice-reitora, Raiane Assumpção.
Davi recebe o título em meio ao decreto de emergência de saúde pública na Terra Yanomami, publicado pelo governo federal no dia 20 de janeiro. Durante o discurso, ele relembrou sobre a crise humanitária e sanitária que atinge o território, com casos graves de indígenas com malária e desnutrição severa.
Os problemas foram agravados pelo avanço de garimpos ilegais nos últimos quatro anos. O Ministério Público Federal (MPF) chegou a atribuir a situação dos indígenas à 'omissão do estado brasileiro' durante governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
"Vocês estão me deixando feliz, mas estou de luto pelo meu povo Yanomami, a minha alma está de luto. Morreram 577 crianças durante quatro anos, Jair Bolsonaro matou meu povo, matou minhas crianças, matou a natureza, mataram meus rios, igarapés, peixes e derramaram a a doença, veneno, mercúrio", relembrou.
Quem é Davi Kopenawa
Líder indígena Davi Kopenawa Yanomami — Foto: Fabrício Araújo/ISA/Divulgação
Nascido por volta de 1955 (a data é incerta), Kopenawa é xamã e porta-voz dos Yanomami, povo ameaçado, principalmente, pela exploração ilegal do garimpo de ouro - atividade que se intensificou nos últimos ano e ameaça o povo que vive isolado geograficamente em Roraima e Amazonas.
Há mais de 30 anos, ele viaja pelo mundo em defesa do seu povo. Recebeu o apelido de "Dalai Lama da Floresta Tropical" e foi chave para o reconhecimento oficial do território Yanomami na Amazônia em 1992, depois de quase dez anos de luta.
Com quase 10 milhões de hectares, a Terra Indígena Yanomami é a maior do país. O território é duas vezes maior que a Suíça — sendo a maior área indígena coberta por floresta do mundo, de acordo com a organização Survival International.
Nos anos 1950 e 1960, o contato intensificado com homens brancos levou ao surgimento de doenças que praticamente eliminaram os yanomami. Foi assim que Kopenawa viu os pais morrerem.
E, na década de 1980, milhares de garimpeiros invadiram seu território em busca de ouro, resultando em violência e novas doenças, o que reduziu a população nativa em 20%, segundo a Survival International.
Kopenawa diz que não morreu por ser "protegido pelo pajé". Em 1989, ele recebeu um prêmio da ONU pela defesa do seu povo.
É diante deste contexto que o líder indígena — cofundador e presidente da Hutukara Associação Yanomami, criada em 2004 — tem dedicado sua vida a proteger os direitos indígenas e o território do seu povo na floresta tropical.
Kopenawa, que aprendeu português já adulto, é autor do primeiro livro escrito por um Yanomami: "A queda do céu". A obra, publicada em 2010, narra a trajetória dele e do seu povo, além de suas visões sobre o "homem branco".
Estrelou o filme "A Última Floresta", lançado em 2021. A obra mistura documentário e ficção, denunciando garimpos ilegais e o desmatamento da floresta. O roteiro foi coassinado pelo xamã e ativista. Os atores foram os próprios indígenas.